Tríduo Pascal

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Evangelho Solenidade da Assunção de Nossa Senhora – Lc 1, 39-56

Conclusão dos comentários ao Evangelho Solenidade da Assunção de Nossa Senhora – Lc 1, 39-56
Júbilo na eternidade
Que gáudio incomparável experimentaram todas as almas bem-aventuradas quando Nossa Senhora ali entrou em corpo e alma! Embora seu Divino Filho já estivesse ressurrecto na companhia dos eleitos, o fato de unir-Se a eles, sendo a mais bela, elevada e santa das puras criaturas, foi um surto de consolação para quantos aguardavam a ressurreição de seus corpos. No que diz respeito aos Anjos, vinham eles esperando havia muito tempo tal acontecimento, pois Maria fora a pedra de escândalo, o sinal de contradição que dividira o mundo angélico, e a fidelidade a Ela, enquanto protagonista do plano divino, havia sido a causa da beatitude dos bons.
Ao lado deste, outro motivo os fazia ansiar pela chegada da Virgem Santíssima: ao criar o Céu Empíreo, Deus o fez de modo definitivo, tendo preparado desde o início todos os tronos destinados aos Bem-aventurados e, dentre estes, o de Nosso Senhor Jesus Cristo Homem e o de Nossa Senhora Rainha. Assim, desde muito antes que ambos nascessem, os Anjos observavam e admiravam a magnificência dos lugares reservados para Eles, perguntando-se quando seriam ocupados. No caso de Maria, é possível que Deus os tenha deixado em certo suspense, sem revelar pormenores sobre a sua natividade, a fim de que levantassem hipóteses ao longo da História da salvação, permanecendo sempre atentos para discernir quando a prevaricação do povo eleito O levaria a suscitar aquela filha perfeita. Ávidos de vê-La sentada no trono que Lhe fora destinado, queriam venerá-La, prestar honras e homenagens a uma Rainha que, sendo apenas criatura humana, teria mais graça que todos eles juntos. E no instante de sua subida aos Céus que, finalmente, veem a realização desse anseio, e com quanto júbilo!
A coroação da Santíssima Virgem
Tendo Nossa Senhora completado sua missão, bem podemos imaginar como foi seu triunfo no Céu: as três Pessoas da Santíssima Trindade A receberam e A glorificaram. Coroada pelo Pai, que Lhe conferia o poder impetratório e depositava em suas mãos o governo da criação, Maria Santíssima passou a ser a administradora dos tesouros divinos; um suspiro d’Ela é capaz de mover a vontade do Criador, O Filho, a Sabedoria Eterna e Encarnada, Lhe deu toda a sabedoria, e o Espírito Santo, enquanto seu Esposo, Lhe concedeu a faculdade de santificar as almas.
II - HUMILDADE, FONTE DA GRANDEZA
Toda a grandeza que contemplamos em Maria Santíssima tem origem em sua humildade, o que se torna patente no trecho do Evangelho recolhido pela Santa Igreja para esta Solenidade. Em sua primeira parte vemos, sobretudo, o quanto Santa Isabel A elogia e exalta. Como já tivemos oportunidade de fazer extensas considerações a esse respeito,10 limitemo-nos, no restrito espaço do presente artigo sobre a Assunção, a comentar de modo breve as palavras de Maria, isto é, o Magnificat.
Riquíssimo e de incomparável beleza, como convém a um cântico nascido dos lábios da Santíssima Virgem, bem pode ser considerado como um marco na História, dividindo-a em duas fases: o que veio antes, o egoísmo; e o que veio depois, a santidade, fruto da humildade. Com o pecado original o orgulho foi introduzido na humanidade, maculando sua trajetória, até o momento em que, sem nenhuma sombra desse vício, nasceu Maria. Sua Visitação a Santa Isabel é para nós exemplo da preocupação que precisamos ter uns com os outros, procurando que cada um venha a ser mais do que é.
A humildade de Maria Lhe fez merecer a glória
46 Então Maria disse: “A minha alma engrandece o Senhor, o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, 48 porque olhou para a humildade de sua serva. Doravante todas as gerações Me chamarão Bem-Aventurada, 8 porque o Todo-Poderoso fez grandes coisas em meu favor. O seu nome é Santo, 50 e sua misericórdia se estende, de geração em geração, a todos os que O respeitam”.
Deus é a Bondade e, portanto, sumamente dadivoso, pois é próprio à sua natureza a constante disposição de dar. O grande problema somos nós mesmos, já que, com frequência, colocamos obstáculos à sua generosidade. Nos primeiros versículos do Magnificat, Nossa Senhora mostra como o Senhor olha para suas criaturas com amor e desejo de conceder seus dons. Ele nos quer tanto que, em virtude desse amor, vai infundindo em nossas almas o Bem — que é Ele mesmo. Este é o princípio e a raiz de toda perfeição e santidade, e não o esforço pessoal, como, talvez, poderíamos ser levados a crer. Maria não levantou obstáculos a esta ação divina devido ao reconhecimento de seu próprio nada, e a claríssima consciência de sua contingência fez com que o olhar criador de Deus pousasse sobre Ela e operasse maravilhas. Sua humildade Lhe deu mérito para ser a Mãe de Deus e, tendo-se acrisolado ao longo da vida terrena, tomou-A digna da Assunção aos Céus.
Uma figura pode ajudar a entendermos com mais clareza esta verdade: imaginemos uma grande bordadeira que, ao receber de presente certo tecido de linho branco, idealiza um bordado extraordinário. Contudo, se lhe for oferecido um tecido estampado ela não terá como exercer suas habilidades. O mesmo se passa quando Deus encontra em nossas almas o vazio, pois decide realizar nelas um magnifico “bordado”, como o fez com a Virgem Maria.
Quando conhecemos pessoas cheias de si ficamos compadecidos, pois damo-nos conta de que impedem a Deus de cumulá-las com sua graça. Falta-lhes a humildade. Esta vai se tornando rara em nossos dias e não deve ser confundida com uma falsa virtude propugnada pelo igualitarismo, desdobramento do orgulho, por sua vez pai de todos os vícios e causa mais profunda de tantos desvarios sentimentais e impuros. A autêntica despretensão existe quando há disponibilidade em relação a Deus, inteira consonância com Ele, abandono em suas mãos e desejo de cumprir sua santíssima vonta de. Quanto falta à sociedade de hoje esse estado de espírito!
As promessas do mundo face às promessas de Deus
51 Ele mostrou a força de seu braço: dispersou os soberbos de coração. 52 Derrubou do trono os poderosos e elevou os humildes. Encheu de bens os famintos, e despediu os ricos de mãos vazias”.
O cântico do Magnificat passa, nestes versículos, para uma segunda parte. Na primeira, como vimos, Maria descreve os favores recebidos, e nesta segunda mostra o nada do mundo, a fim de ressaltar o quanto ele e o demônio, com aparência de grande poder, fazem promessas muito diferentes das divinas. A paz mundana pareceria acalmar todos os nossos desejos ilegítimos, fruto do pecado original. No entanto, quando algo nos é proposto pelo adversário de Deus, tenhamos a certeza de ser precisamente o que ele nos irá roubar. O demônio promete a glória, e é a glória eterna que nos arrebata; promete o bem-estar, e é o bem-estar que nos tira, porque se pecarmos seremos infelizes nesta vida e depois por toda a eternidade, tal como ele.
A paz oferecida por Deus exige luta. “Si vis pacem, para bellum — Se quereis a paz, preparai-vos para a guerra”.1’ Dentro de nós, para adquirir a verdadeira paz, é preciso guerrear contra nossas más inclinações e sermos heróis. E então que se manifesta em nós “a força de seu braço”, que é onipotente e derruba os orgulhosos, enquanto “levanta do pó o indigente e tira o pobre do monturo, para, entre os príncipes, fazê-lo sentar-se” (Sl 112, 7-8).
Ao mesmo tempo, Ele enche de dons e graças aquele que tem sede e fome de justiça, e despede de mãos vazias os que se julgam cheios dos bens do mundo, ou seja, prestígio, fortuna, ciência, etc.
Deus sempre supera nossas expectativas
54 “Socorreu Israel, seu servo, lembrando-Se de sua misericórdia, 55 conforme prometera aos nossos pais, em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre”.
Na última parte de seu inspirado cântico, Nossa Senhora frisa como Deus — opostamente ao demônio, ao mundo e à carne — dá tudo quanto promete e o faz em superabundância. Ele nos oferece uma vida eterna extraordinária, e quando virmos a realidade nos daremos conta de que nos concedeu muito mais do que éramos capazes de imaginar. A luz da contemplação da glória de Maria, neste dia somos convidados, com o Magnificat, a ter o coração repleto de confiança no Senhor que, em sua prodigalidade divina, quer nos cumular de bens desde que não coloquemos obstáculos.
III - UM CAMINHO DE LUZ É ABERTO A TODOS
Liturgia desta Solenidade nos abre grandes portas e um caminho florido e cheio de luz, no que diz respeito à salvação eterna. Diante do penhor de nossa ressurreição, que nos é dado pelo mistério da Assunção de Maria Santíssima, deveríamos nós considerar mutuamente uns aos outros segundo esse ideal, como se estivéssemos já ressurrectos, pois acima do abatimento e das provações desta vida brilha a esperança da glorificação para a qual rumamos.
Vivamos buscando os bens do alto, e que nosso pensamento acompanhe o trajeto seguido por Maria Virgem. Ela penetrou no Céu em corpo e alma e foi exaltada; nós, na hora presente, como não podemos adentrá-lo fisicamente, façamo-lo ao menos em desejo. Voltemo-nos para o trono de Maria Assunta, e assim receberemos graças sobre graças para estarmos sempre postos nesta via que nos conduzirá à ressurreição feliz e eterna, quando recuperaremos os nossos corpos em estado glorioso.
1) SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA. Oração do Dia. In:MISSAL ROMANO. Trad. Portuguesa da 2a. edição típica para o Brasil realizada e publicada pela CNBB com acréscimos aprovados pela Sé Apostólica. 9.ed. São Paulo: Paulus, 2004, p.638.
2)Cf. STO AGOSTINHO De Civitate Dei. L.XI, c.19. In: Obras. 3.ed. Madrid: BAC, 1977, v.XVI, p.717.
3) Cf. SAO TOMAS DE AQUINO. Suma Teológica. I, q.61, a.4.
4) SÃO BERNARDO. Sermones sobre el Cantar de los Cantares. Sermón XVII, n.4. In: Obras Completas. Madrid: BAC, 1955, v.11, p.106.
5) Cf. SAO TOMAS DE AQUINO, op. cit., q.58, a.6; a.7.
6) SANTO AGOSTINHO. De Genesi ad litteram. L.IV, c.30, n.47. In: Obras. 2.ed. Madrid: BAC, 1969, v.XV, p.632.
7) Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., II-II, q.24, al.
8) SANTO ALBERTO MAGNO. Mariale. Q. XLVI, n.l. Buenos Aires: Emecé, 1948, p.235.
9) Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit, III, q.57, a.3.
10) Cf. CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. A arrebatadora excelência da voz de Maria. In:Arautos do Evangelho. São Paulo. N.132 (Dez., 2012); p.10-17; Comentário ao Evangelho do IV Domingo do Advento — Ano C

11) Este adágio latino provém de um antigo texto romano, de fins do século IV, dC: “Igitur qui desiderat pacem, prceparet bellum; qui victoriam cupit, milites imbuat di ligenter; qui secundos optat eventus, dimicet arte, non casu. Nemo provocare, nemo audet offendere, quem intellegit superiorem esse pugnaturum” (VEGETI RENATI, Flavii. Epitoma rei militaris. L.III, proem. Lipsiæ: B. G. Teubneri, 1869, p.64).

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Evangelho Solenidade da Assunção de Nossa Senhora – Lc 1, 39-56

Continuação dos comentários ao Evangelho Solenidade da Assunção de Nossa Senhora – Lc 1, 39-56
Cristo ressuscitado, fundamento de nossa fé
Já na segunda leitura escutamos a voz de São Paulo, o arauto da Ressurreição, dirigindo-se aos Coríntios (I Cor 15, 20-27a).
Quis a Providência que ele desenvolvesse boa parte de seu apostolado entre os gregos, povo que não admitia a ressurreição dos corpos no último dia, porque se a aceitassem tornar-se-ia forçoso reconhecer a existência de uma vida post mortem, em função da qual deveriam seguir a moral. Como eles não estavam dispostos a assumir um comportamento íntegro, deixaram-se rolar precipício abaixo impelidos pelo vício da impureza. Sua depravação de costumes ficou conhecida na História. A eles São Paulo declara em um versículo anterior: “Se Cristo não ressuscitou, vã é nossa pregação e vã é também vossa fé” (I Cor 15, 14).
Dada a firme convicção que caracteriza sua doutrina acerca deste mistério, somos levados a crer que o Apóstolo tenha tratado com o próprio Nosso Senhor a respeito disto, que lhe terá fornecido elementos claríssimos para sustentar tal verdade. Por isso, diz importar-se pouco com o sofrimento, a alegria ou com qualquer circunstância adversa, pois nada pode separá-lo de Cristo (cf. Rm 8, 35), considerando a morte como um lucro (cf. Fl 1, 21) e um meio para unir-se ainda mais ao Salvador. De fato, São Paulo deposita uma esperança extraordinária na ressurreição, do que dão testemunho suas epístolas, nas quais encontramos a cada passo alguma referência a este grandioso acontecimento.
Precedidos por um membro eminente do Corpo Místico
O ensinamento paulino a respeito da ressurreição, que procura nos estimular à esperança — “Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram” (I Cor 15, 20) —, pode ser aplicado com propriedade também a Nossa Senhora. A partir do momento em que o Redentor constituiu seu Corpo Místico, do qual Ele é a Cabeça, não se compreenderia que só Ele ressuscitasse, pois seu desígnio consiste em abrir o caminho para o Corpo inteiro gozar do mesmo benefício. Caso Nosso Senhor ressurgisse dos mortos e todos os membros da Igreja triunfante permanecessem no Céu apenas em alma, mesmo após o Juízo Final, esta seria uma obra disforme, pouco condizente com o seu modo divino de proceder.
Por isso, continua São Paulo: “Com efeito, por um homem veio a morte e é também por um homem que vem a ressurreição dos mortos. Como em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos reviverão” (I Cor 15, 21-22). Ao traçar um paralelo entre Cristo e Adão, o Apóstolo mostra que não conheceríamos a morte se não fosse o pecado do primeiro homem, sendo necessário que outro homem triunfasse sobre ele. Nossas almas já foram purificadas da mancha original pelo Batismo, mas falta-nos ainda vencer a morte com os nossos corpos ressurrectos. “Porém, cada qual segundo uma ordem determinada: em primeiro lugar, Cristo, como primícias; depois os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda” (I Cor 15, 23). Entre os que são d’Ele destaca-Se Nossa Senhora, a mais excelsa criatura humana, que adquire corpo glorioso e ocupa no Céu um lugar especial por ser a Mãe de Deus.
Embora a Igreja não tenha definido se Maria morreu ou não, é dogma de Fé que Ela transpôs os umbrais da eternidade em corpo e alma, realizando o plano de Deus. Sua Assunção oferece-nos um penhor de esperança, que em certo sentido pode ser considerado maior que o da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Esta ousada afirmação prende-se a que Ela, enquanto pura criatura, é a Filha primogênita da Igreja, o membro de máxima elevação do Corpo Místico de Cristo, e Se encontra, portanto, mais próxima de nossa contingência humana que seu Divino Filho, que é Homem mas também é Deus.
A exemplo de Maria
Na passagem de Maria Santíssima deste mundo para a eternidade vislumbramos desde já o que nos acontecerá no Juízo Final, caso venhamos a morrer em estado de graça. Todos nós — esta é uma profecia que qualquer um pode fazer, sem risco de incorrer em erro — partiremos desta vida. E quanto tempo mediará entre a morte e a ressurreição? Não importa, pois para Deus nada é impossível. Nossa alma foi por Ele criada a partir do nada e o corpo, embora tenha origem humana nos pais, foi constituído por Ele. Adão, o mais belo ser de toda a obra da criação, foi modelado como um boneco de barro por um artista chamado Deus, e também o barro foi criado sem qualquer matéria preexistente, como o resto do universo. Isto nos mostra que Deus, sendo onipotente, pode criar e recriar todos os seres. Assim como nos formou individualmente e infunde a alma em cada criança recém-concebida, pode mandar que os restos mortais de homens falecidos — alguns há milhares de anos, como nossos pais Adão e Eva — sejam reunidos e seus corpos reconstituídos em estado glorioso. Em última análise, a ressurreição certifica a onipotência divina. Pela simples lembrança de que morreremos, seremos sepultados e esperaremos até sermos recompostos de forma gloriosa, a ponto de adquirirmos um corpo espiritualizado, já antegozamos esse momento de extraordinária beleza em que triunfaremos, como Nossa Senhora no dia da Assunção.
Maria não podia conter mais graça
É edificante considerar que, independentemente de Maria Santíssima ter morrido ou não, pelo fato de ser imaculada nunca sofreu Ela nenhuma enfermidade, não envelheceu ou padeceu a menor mazela decorrente do pecado, e seu corpo não esteve sujeito à decomposição, sendo esta uma das razões de sua Assunção ao Céu. Levantemos, porém, algumas hipóteses a respeito de outros motivos que terão levado Nossa Senhora a passar desta vida para a eternidade com seu corpo glorioso.
Ensina a doutrina católica ser a caridade uma virtude que se radica na vontade.7 Quando é muito forte, o amor impele quem ama a unir-se a quem é amado. Todo cristão, no dia do Juízo, deve apresentar seu progresso na caridade, por ser ela imprescindível para entrar no Céu. Ora, houve alguém que partiu desta vida não com amor, mas por amor: Nossa Senhora. Afirma Santo Alberto Magno que “mais obrigação tem de amar aquele a quem se dá mais. A Beatíssima Virgem foi dado mais que a todas as criaturas; logo, estava obrigada a amar mais do que qualquer outra”.8 E assim o fez, conclui o santo doutor. N’Ela, a caridade intensificou-se de tal maneira que o corpo não mais podia sustentar a alma, e o desejo de contemplar a Deus face a face para unir-Se a Ele fez com que a alma de Maria Santíssima, ao subir, levasse também o corpo. A par disso, é certo que n’Ela a graça, embora plena desde sua concepção, aumentou incessantemente ao longo da vida a ponto de mais não comportar quando ocorreu a Assunção. Eis a maravilha de uma criatura humana que, de plenitude em plenitude, de perfeição em perfeição, havia chegado ao extremo limite de todas as medidas, até quase não existir diferença entre a sua compreensão do universo e a própria visão de Deus. O que Lhe faltava? Apenas a Assunção. Sua alma atingiu tal sublimidade, alcandoramento e esplendor, que o véu de separação entre a natureza humana e a visão beatífica tornou-se tênue, se desfez, e — sem necessidade de passar por qualquer julgamento — Ela viu a Deus. Em consequência, seu corpo tornou-se glorioso e Ela elevou-Se ao Céu.
Subindo ao Céu por força da graça
Em função disso é indispensável corrigir certa visualização oferecida por algumas obras de arte, até piedosas, em que Maria aparece en volta numa nuvem, elevada ao Céu por uns anjinhos, representados na maioria das vezes como se fizessem esforço para conduzi-La.
Na verdade, por ter a alma na visão beatifica, seu corpo glorificado já gozava da agilidade, uma das qualidades deste estado. Ela deslocava-Se com extraordinária facilidade, com a rapidez do pensamento podendo subir ao Céu por Si mesma, Os Anjos A teriam acompanhado? Sim, mas por veneração, sem precisar transportá-La, uma vez que Ela possuía mais glória que todos eles juntos.
Em que consiste, então, a diferença entre a Assunção de Maria e a Ascensão do Senhor? Ele subiu aos Céus tanto por seu poder divino — pois é o próprio Deus — quanto pela virtude de sua Alma glorificada, que movia seu Corpo.9 E a Assunção de sua Mãe Virginal teve como causa apenas a glória de seu corpo, submisso à sua alma bem-aventurada.
A humanidade divinizada entra na glória

Outra razão da conveniência deste magnífico acontecimento é a restituição prestada a Deus por todos os benefícios concedidos ao gênero humano. Uma vez que a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade desceu dos Céus, para Se encarnar, trazendo ao mundo a divindade humanizada, seria justo que uma pessoa humana fizesse um oferecimento harmonicamente contrário e levasse para o Céu o melhor da santidade, o que de mais belo, excelente e extraordinário pudesse existir na Terra: a humanidade divinizada. Tal missão foi reservada a Maria. Por outro lado, Ela foi o sacrário do Filho de Deus durante os nove meses nos quais gerou a humanidade santíssima de Cristo. Era compreensível que havendo-O recebido como tabernáculo na Terra, também Ele A recebesse em seu Santuário Celeste.
Continua no próximo post.