Comentários ao Evangelho do 2º Domingo do Tempo Comum - Jo 1, 35 - 42 - Ano B
No dia seguinte, João
lá estava novamente com dois dos seus discípulos. 36 Vendo Jesus que passava,
disse: “Eis o Cordeiro de Deus”. 37 Ouvindo as suas palavras, os dois
discípulos seguiram Jesus. 38 Jesus, voltando-Se para trás e vendo que O seguiam,
disse-lhes: “Que buscais?” Eles disseram-Lhe: “Rabi (que quer dizer Mestre),
onde habitas?” 39 Jesus disse-lhes: “Vinde ver”. Foram, viram onde habitava e
ficaram com Ele aquele dia.
Era então quase a
hora décima. 40 André, irmão de Simão Pedro, era um dos dois que tinham ouvido
o que João dissera e que tinham seguido Jesus. 41 Encontrou ele primeiro seu
irmão Simão e disse-lhe: “Encontramos o Messias”, que quer dizer Cristo. 42
Levou-o a Jesus. Jesus, fixando nele o olhar, disse: “Tu és Simão, filho de
João, tu serás chamado Cefas”, que quer dizer Pedra (Jo 1, 35-42).
I – Todos somos chamados a evangelizar
Deus quer que “todos
os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da Verdade” (1 Tm 2, 4). Para
isso, Jesus criou a Igreja, instituição essencialmente missionária e
apostólica, que, no desenrolar dos séculos, foi cumprindo in crescendo essa
grandiosa missão. Ele próprio nos disse: “Eu vim para que todos tenham vida, e
a tenham em abundância” (Jo 10, 10).
O chamado ao
apostolado não é privilégio exclusivo dos religiosos. Ele se estende também aos
leigos, conforme nos ensina o Concílio Vaticano II: “O apostolado dos leigos,
uma vez que dimana da sua própria vocação cristã, jamais pode deixar de existir
na Igreja. A própria Sagrada Escritura demonstra abundantemente quão espontânea
e fecunda foi tal atividade nos primórdios da Igreja.
“Ora, os nossos
tempos exigem não menor zelo dos leigos; pelo contrário, as circunstâncias
atuais reclamam, da parte deles, um apostolado mais fecundo e absolutamente
mais vasto. De fato, o aumento da população, o progresso das ciências e da
técnica, as relações mais estreitas entre os homens, não só dilataram
imensamente os campos do apostolado dos leigos, em grande parte só a eles
acessíveis, como suscitaram novos problemas que requerem a sua inteligente
solicitude e o seu esforço.
“E mais urgente se
torna tal apostolado em vista da enorme autonomia adquirida por muitos setores
da vida humana, por vezes com algum desvio da ordem ética e religiosa e grave
risco para a vida cristã. Além disso, em numerosas regiões nas quais os
sacerdotes são muito poucos ou, como por vezes acontece, estão privados da
liberdade de exercer seu ministério, a Igreja dificilmente poderia estar
presente e ativa sem o concurso dos leigos.
“Sinal dessa multíplice
e urgente necessidade é a ação evidente do Espírito Santo, que hoje torna os
leigos cada vez mais conscientes das suas próprias responsabilidades e os
incita ao serviço de Cristo e da Igreja, em toda parte” (1).
Não menos incisivo do
que o Concílio Vaticano II é o Doutor Angélico ao ressaltar essa
responsabilidade dos leigos, especialmente nas situações de crise de
religiosidade: “Quando a fé se encontra em perigo, todos estão obrigados a
propagá-la entre os outros, quer instruindo-os e confirmando-os, quer
reprimindo e contra-arrestando os ataques dos inimigos” (2).
Já Pio XII, em seu
tempo, condenava a inação em matéria de apostolado: “O Papa deve, em seu posto,
vigiar incessantemente, rezar, e com prodigalidade, a fim de que o lobo não
termine por penetrar no redil para roubar e dispersar o rebanho (...).
Os colaboradores do Papa no governo da Igreja fazem quanto lhes é possível. Mas
isso hoje não basta; todos os fiéis de boa vontade devem despertar do letargo e
sentir a parte de responsabilidade que lhes cabe no êxito dessa empresa de
salvação” (3).
Em síntese, nossa
própria vida interior exige — quando busca sua perfeição plena — que auxiliemos
todos os que estejam ao alcance de nossa atividade apostólica, a fim de
encaminhá-los para o seio da Igreja.
Essa magnífica obra
evangelizadoratem seu paradigma na Liturgia de hoje.
II – O apostolado de São João Batista
35 No dia seguinte, João lá estava novamente com dois dos
seus discípulos. 36 Vendo Jesus que passava, disse: “Eis o Cordeiro de Deus”.
São João Batista —
valoroso exemplo de apóstolo desapegado — jamais permitiu a entrada, em sua
grande alma, do menor resquício de ciúmes de seus seguidores, sobretudo em
relação a Jesus. E embora fosse parente próximo do Salvador, afirmava: “Eu não
sou digno de desatar-Lhe as correias das sandálias” (Jo 1, 27). Expressão forte
para aqueles tempos, pois competia aos servos lavar os pés dos visitantes de
grande categoria, tirando-lhes antes o calçado. Abraçava, dessa forma, a
condição de escravo em face d’Aquele seu sucessor. Essa era uma das razões de sua
capacidade de comover as almas e de incentivá-las à penitência rumo à
“metanóia” (mudança de mentalidade). Sua humildade arquetípica, e tão
transparente na autenticidade de sua pregação, conferia um caráter de
confiabilidade insuperável à pessoa do Precursor. Aqui se encontra outra
qualidade essencial do verdadeiro apóstolo: a despretensão.
Pouco adiante,
afirmou ele: “Este é Aquele de Quem eu disse...” (Jo 1, 30). Esta afirmação é
claramente indicativa do quanto Jesus deveria ser a substância de sua pregação.
Talvez fosse essa uma das principais razões para ter escolhido um terreno menos
arriscado para desenvolver seu apostolado. Estando longe de Jerusalém e,
portanto, do raio de ação dos escribas e fariseus, podia livremente referir-se
Àquele que se constituiria como verdadeira “pedra de escândalo”. O cerne de sua
fala era “o Cordeiro de Deus” em Quem depositava a plenitude de sua fé.
Evangelizador desapegado e atraente
O Evangelista
descreve o Batista com ricas e belas cores, atestando quanto seu primeiro
mestre lhe marcara a alma agradável e indelevelmente. Ademais, com arte e
poucas palavras, retrata a enorme perplexidade levantada por seus discursos.
Que escola ou quais mestres o haviam formado para ensinar com tanta segurança?
Sacerdotes e levitas de Jerusalém, enviados pelos judeus curiosos, indagavam:
quem é esse que batiza dizendo não ser o Cristo, nem Elias e nem sequer o
profeta? Todos — quer os instruídos e formados, quer as simples pessoas do povo
— percebiam em João um homem inspirado por Deus. Sua aura de profecia, mistério
e santidade crescia a cada dia, encantando as multidões e incutindo temor e
inveja nos grandes.
De dentro de seu
total desprendimento, sua única preocupação era a de preparar os caminhos do
Senhor, arrebanhando em torno de si alguns discípulos, com vistas a entregá-los
ao Cordeiro de Deus. Exemplo para nós também, especialmente debaixo desse
prisma, pois assim devemos proceder em nosso apostolado, conduzindo as vocações
para o seio da Igreja, para a vida eclesial.
Emerge desses
episódios mais uma das qualidades do Batista, e esta pouco ressaltada: a de um
apóstolo arquetípico. Sua atratividade era irresistível, tornando difícil a
despedida. Daí se entende por que os dois discípulos permaneciam enlevados pelo
fervor das palavras e pela figura do mestre, apesar de já declinar o dia! Por
outro lado, eles não faziam idéia da extraordinária graça que os aguardava. A
Providência Divina jamais deixa sem prêmio os verdadeiros devotos. Mais dia, ou
menos dia, Ela lhes paga em superabundância. A constância, amor e entusiasmo
desses dois discípulos lhes fariam merecer a graça de serem os primeiros a
serem chamados para o discipulado de Jesus Cristo.
“Eis o Cordeiro de Deus”
Sobre o início do
Evangelho de hoje, assim se expressa o Pe. Andrés Fernández Truyols SJ:
“E, no outro dia,
enquanto se achava o Batista em companhia de dois de seus discípulos, João e
André, vendo de novo passar Jesus, repetiu aquela mesma profunda e dulcíssima
declaração da véspera: ‘Eis o Cordeiro de Deus’.
“Os dois discípulos,
ao ouvirem — quiçá pela segunda vez — essa sentença dos lábios de seu mestre,
pronunciada com tanto amor e certeza, iluminados sem dúvida e movidos pela
graça interior que o próprio Cordeiro de Deus lhes comunicava, despedem-se
daquele que até então haviam tido por mestre e se dispõem a seguir Jesus.
“O Batista não opõe a
menor resistência; pelo contrário os estimula a irem atrás do novo Mestre.
‘João era o amigo do Esposo. Não procurava sua própria glória, mas dava
testemunho da Verdade. Por isso não queria reter consigo seus discípulos,
impedindo-os de seguir o Senhor; pelo contrário, ele mesmo lhes aponta Aquele
que eles deviam seguir’ (Santo Agostinho, Tratado 7 sobre São João)” (4).
Segundo Maldonado, o
Batista tinha os olhos cravados em Jesus por estar “cheio de admiração e de
religioso espanto”. Torna-se patente que Jesus passeava. Para onde ia Ele?
Alguns Padres manifestam-se favoráveis à hipótese de que Jesus estava à procura
de São João Batista. Entretanto, Maldonado não é dessa opinião e julga
estivesse o Salvador distraindo-se ou caminhando em outra direção e, por isso,
“deixou-se ver por João para que d’Ele desse novo testemunho” (5).
Já São João
Crisóstomo ressalta outros impo rtantes
detalhes desse episódio: “E como muitos não prestavam atenção no que São João
dizia desde o princípio, procura chamar-lhes a atenção pela segunda vez, e por
isso diz: ‘No dia seguinte, outra vez estava João e dois de seus discípulos’.
“Mas, por que o
Batista não percorria toda a Judéia e pregava por toda parte sobre o Salvador,
em vez de permanecer somente nas cercanias do Rio Jordão, aguardando que Ele
ali chegasse para dá-Lo a conhecer? Porque queria que isso se tornasse evidente
pelos próprios milagres de Jesus. Veja-se, aliás, de que modo esse seu
procedimento foi causa de maior edificação: João Batista apenas fez saltar uma
pequena faísca e logo se levantou um grande incêndio. Se tivesse dito essas
palavras percorrendo as aldeias e cidades, essas coisas todas pareceriam estar
sucedendo em decorrência de um plano humano, e o seu louvor soaria como
suspeito; por essa razão os profetas e os apóstolos falaram de Jesus Cristo em
sua ausência, mas o Batista em sua presença física; os outros, porém, falaram
d’Ele depois de sua Ascensão.”
São João Crisóstomo
termina com este comentário: Para constar que ele não manifestava Jesus apenas
pela voz, mas O designava também com os olhos, acrescenta: ‘E olhando para
Jesus que passava, disse: Eis o Cordeiro de Deus’” (6).
Continua
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