Tríduo Pascal

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Evangelho Festa do Batismo do Senhor - Mc 1, 7-11 - Ano B

COMENTÁRIO AO EVANGELHO O BATISMO DO SENHOR
Duas figuras máximas se encontram: o Precursor e o Messias. Quem foi o Batista e por que quis Jesus ser batizado?
"Naquele tempo, João Batista pregava, dizendo: “Depois de mim virá alguém mais forte do que eu. Eu nem sou digno de me abaixar para desamarrar suas sandálias. 8Eu vos batizei com água, mas ele vos batizará com o Espírito Santo”. Naqueles dias, Jesus veio de Nazaré da Galileia, e foi batizado por João no rio Jordão. E logo, ao sair da água, viu o céu se abrindo, e o Espírito, como pomba, descer sobre ele. E do céu veio uma voz: “Tu és o meu Filho amado, em ti ponho meu bem-querer”. (Mc 1,7-11)
No trecho do Evangelho de domingo, temos o relato do batismo mais simbólico de toda a história. É interessante conhecer preliminarmente o fundo de quadro em que se passou esse tão significativo fato.
Uma voz clama no deserto
Cortando a antiga terra de Israel de norte a sul, o rio Jordão devia sua importância aos acontecimentos históricos que transcorreram ao longo de seu curso, mais do que ao fato de ser elemento indispensável para a manutenção da vida naquele árido território.
Fora ele palco de muitos milagres e assistira a cenas grandiosas, nas quais brilhara a justiça de Deus. Contudo, por volta do ano 28 de nossa era, o que ocorreu ali superava de longe todo o passado. João, filho do sacerdote Zacarias, deixou seu isolamento no deserto e passou a percorrer a região do rio, “pregando o batismo de arrependimento para a remissão dos pecados” (Lc 3, 3).
A corroborar sua autoridade moral, tinha o Batista sua vida de penitente do deserto, extraordinariamente santa e mortificada: “Andava vestido de pêlo de camelo e trazia um cinto de couro em volta dos rins, e alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre.”Acrescia-lhe a reputação seu nascimento milagroso, de muitos conhecido.
Mais ainda: sabido era entre o povo eleito que fora profetizada a vinda de um precursor do Messias: “Como está escrito no livro das palavras do profeta Isaías: ‘Uma voz clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas’” (Lc 3, 4).
Suas exortações partiam, assim, de alguém com todas as credenciais de autenticidade para conduzir à conversão.

Grande comoção em Israel
Havia cerca de 400 anos que nenhum profeta fazia ouvir sua voz em Israel.
Nada mais explicável, pois, do que o alvoroço causado por São João Batista. De todos os lados afluíam multidões para ouvi-lo. Vendo-as diante de si, ele as admoestava, e suas palavras calavam fundo nas almas, levando muitas ao arrependimento: “Dizia ele: Fazei penitência porque está próximo o Reino dos céus” (Mt 3, 2).
Símbolo da purificação da consciência, necessária para receber esse “reino dos céus” que estava “próximo”, o batismo conferido por São João confirmava as boas disposições de seus ouvintes. “Confessavam seus pecados e eram batizados por ele nas águas do Jordão”, conta São Mateus (3, 6).
Israelitas de todas as classes acorriam ao profeta da penitência, dispostos a purificar o coração. Entretanto, havia também os opositores. Saduceus, fariseus e doutores da lei, que o viram inicialmente com bons olhos, não demoraram a votar-lhe profunda antipatia. Incomodados com sua extraordinária influência, irritados com as pregações, nas quais condenava os vícios em que eles incorriam, passaram a agir contra João. Questionaram seu direito de batizar e lhe prepararam armadilhas. Demonstrando grande sagacidade, São João não se deixou enlear.
Inexorável para com os hipócritas e os soberbos, o profeta mostrava-se doce com os sinceros e os humildes. “Preparai-vos!”, repetia incansavelmente, “abri a via do Senhor!”
Apareceram-lhe discípulos, que o assistiam em seu ministério, e que passaram a constituir um modelo de piedade mais fervorosa.
Enfim, sua pregação produzia um grande movimento popular rumo à virtude, como nunca se vira na história de Israel.
Encontro com o Messias
A missão do Precursor era preparar os caminhos do Messias. Vivia, portanto, na expectativa do encontro com Ele.
Não esperou muito tempo. Certo dia, notou a presença de Jesus no meio dos peregrinos. Tomado de sobrenatural emoção, inclinou-se para o recém-chegado, esquivando-se de Lhe dar o batismo: “Eu devo ser batizado por ti e tu vens a mim!”
Respondeu-lhe, porém, Jesus: “Deixa por agora, pois convém cumpramos a justiça completa”. Obediente, São João O imergiu no Jordão.
Logo que saiu da água, Jesus se pôs a orar. Então o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre Ele na forma de uma pomba. “E ouviu-se dos céus uma voz: Tu és o meu Filho muito amado; em ti ponho minha afeição”.
Missão encerrada
Algum tempo depois de batizar o Messias, São João caminha para o martírio, deixando a cena histórica, como ele mesmo havia predito: “Importa que ele cresça e que eu diminua” (Jo 3,30). Entrara em cena o Salvador, estava cumprida a missão do Precursor. Restava-lhe apenas o derradeiro ato de sua grandiosa vida: o martírio.
Conforme afirma São Tomás de Aquino, “todo o ensinamento e a obra de João eram preparatórias da obra de Cristo, como a do aprendiz e do operário inferior é preparar a matéria para receber a forma que há de introduzir o principal artífice”.
Os grandes artistas tiveram aprendizes que pintaram as partes menos importantes de seus quadros, ocupando-se eles apenas dos aspectos essenciais. Também os grandes entalhadores tiveram auxiliares que afiavam as ferramentas, limpavam o ateliê, faziam as compras das madeiras apropriadas, etc.
Assim foi o trabalho de São João, preparando a vinda de Nosso Senhor. Diante da altíssima vocação do Batista, os Doutores da Igreja exprimiram sempre grande admiração. São Tomás de Aquino, por exemplo, colocava João entre os profetas do Novo Testamento. Se o considerássemos do Antigo — dizia o Aquinate — seria maior que Moisés.
Já São Francisco de Sales vê João como profeta do Antigo Testamento, a última luz da Lei mosaica e — diz sem titubear — a maior
De qualquer modo, a grandeza de João era tal que o próprio Jesus declarou ser ele mais que um profeta, acrescentando este elogio supremo: “Entre os nascidos das mulheres, não veio outro ao mundo maior que João Batista” (Mt 11, 11).
Por que Jesus quis ser batizado?
O batismo conferido por São João não era da mesma natureza que o Batismo sacramental, instituído posteriormente por Nosso Senhor Jesus Cristo. Provinha verdadeiramente de Deus, mas não tinha o poder de conferir a graça santificante. O próprio Batista pôs em realce a diferença: “Eu vos batizo na água, mas eis que vem outro mais poderoso do que eu, a quem não sou digno de lhe desatar a correia das sandálias; ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo” (Lc 3, 16).
O efeito do batismo de João consistia num incentivo ao arrependimento dos pecados, explica São Tomás de Aquino.
Ora, em Jesus não havia sequer sombra de pecado, nem poderia haver, uma vez que Ele era o Homem-Deus. Não tinha, portanto, matéria para arrependimento e penitência. O que explica, então, que Ele tenha querido ser batizado?
Sujeitar-se à condição humana
Várias são as razões dadas pelos Padres e Doutores da Igreja
Eis uma delas: quando o Verbo se fez Homem, Ele quis se sujeitar às leis que regem a vida humana. Por exemplo, obedeceu às leis que estavam em vigor entre os judeus, sendo apresentado no Templo após seu nascimento, sofrendo a circuncisão, e cumprindo os ritos da Páscoa judaica. Assim, quis também receber o batismo penitencial de João. Perdido no meio da multidão, Jesus — inocente — submeteu-se a um rito destinado ao pecador: “Convém cumpramos a justiça completa”, justificou-se Ele perante o profeta.
Comentando essas palavras, Santo Agostinho diz que Nosso Senhor “quis fazer o que ordenou que todos fizessem”. E Santo Ambrósio acrescenta: “A justiça exige que comecemos por fazer o que queremos que os outros façam, e exortemos os outros a nos imitarem pelo nosso exemplo”.
Purificar as águas
Entre as dez razões enumeradas na Suma Teológica para o batismo de Jesus, São Tomás de Aquino coloca em destaque o objetivo da purificação das águas.
Citando Santo Ambrósio, diz o Doutor Angélico que “o Senhor foi batizado, não por querer purificar-se, mas para purificar as águas”. Desse modo, continua ele, as águas “purificadas pelo contato com o corpo de Jesus Cristo, que não conheceu o pecado, tivessem a virtude de batizar”. E conclui citando o mesmo argumento, de São João Crisóstomo, de que Jesus “deixou as águas santificadas para os que, depois, deveriam ser batizados”.
Temos aqui um interessante problema teológico-metafísico: por que razão Deus escolheu a água como matéria para o Batismo?
A água é um elemento rico em simbolismo. Por exemplo, é uma imagem da exuberância de Deus. Basta considerar que três quartas partes da superfície da Terra são constituídas por água.
Também é símbolo de vida. É elemento essencial para a manutenção de todos os seres vivos. Quanto mais abunda a água numa região, maior é a quantidade de plantas e animais que ali se desenvolvem. Além disso, ela é o elemento preponderante da matéria viva, de modo tal que o próprio corpo humano é composto, na sua maior parte, de água.
Podemos considerá-la também um símbolo da bondade, do carinho e da magnanimidade de Deus para com a humanidade. Agrada ao ser humano vê-la cair, em forma de chuva, cristalina, refrescante, tornando fértil o solo, favorecendo as plantações, limpando o ar.
Vista por outro prisma, tem ela uma potência descomunal de destruição. Apesar de toda a técnica moderna, e de um presunçoso progresso que se julgou capaz de um dia conseguir dominar os elementos da natureza, os homens se espantam e se aterrorizam com a força destruidora das águas. E ainda nisso ela é para nós um símbolo, o do poder onipotente de Deus.
Por sua capacidade de lavar, ela lembra a limpeza espiritual. Por diversas vezes a Sagrada Escritura assim a ela se refere, como no seguinte trecho: “Derramarei sobre vós águas puras, que vos purificarão de todas as vossas imundícies e de todas as vossas abominações” (Ez 36, 25). Nessa passagem, o profeta Ezequiel prediz o batismo de São João e, mais especialmente, o Batismo sacramental, instituído por Jesus. Do mesmo modo, ele é referido por Zacarias, quando este diz: “Naquele dia jorrará uma fonte para a casa de Deus e para os habitantes de Jerusalém, que apagará os seus pecados e suas impurezas” (13, 1).
Nada mais conveniente, portanto, do que a água ser a matéria do Batismo. E nada mais adequado que Deus encarnado ter querido purificá-la pelo contato de seu sacratíssimo corpo.
Incentivo ao Batismo
Outro motivo, dos mais importantes, para o Senhor decidir sujeitar-se ao ritual do Jordão era estimular nos homens o desejo do Batismo sacramental.
A recepção do Batismo é necessária para a salvação, como demonstram as palavras de Jesus a Nicodemos: “Quem não renascer da água e do Espírito não poderá entrar no Reino de Deus” (Jo 3, 5). Pelo tom categórico da afirmação, avalia-se a importância desse Sacramento. O batismo de João levava ao arrependimento dos pecados, mas não tinha o poder de perdoá-los.
O Batismo sacramental, instituído por Jesus Cristo, tem efeitos infinitamente maiores.
Adão transmitiu a todos os seus descendentes a culpa original. O Sacramento do Batismo limpa a alma da mancha desse pecado, confere a graça santificante, eleva o homem à condição de filho de Deus e abre-lhe as portas do Céu. Ele é a chave de todos os outros Sacramentos, indispensáveis para o homem cumprir com fidelidade a Lei de Deus. Tal é a grandeza e a eficácia do Sacramento do Batismo.
Exortação que permanece até o fim do mundo
“Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1, 29), declarou São João Batista a dois de seus discípulos, indicando Nosso Senhor Jesus Cristo que passava.
São João Evangelista e seu irmão, São Tiago, que até então haviam seguido fielmente o Batista, compreenderam que Jesus era Aquele ao qual deviam entregar suas vidas. E deixando seu antigo mestre, procuraram logo o Senhor, pedindo-Lhe permissão para O acompanharem e viver com Ele.
Pelos séculos dos séculos, essas palavras do grande “profeta da penitência” ressoarão no mundo, convidando todos os homens a também colocarem seus olhos no Divino Salvador, a se encantarem com a figura d’Ele e — como católicos fiéis — a seguirem seus mandamentos, até o momento em que forem chamados para estar definitivamente com Ele, na vida Eterna.


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