Continuação dos comentários ao Evangelho da Epifania Mt 2, 1-12
Uma adoração fruto da fé
11 Quando entraram na casa, viram o Menino com Maria, sua
Mãe. Ajoelharam-se diante d’Ele, e O adoraram. Depois abriram seus cofres e Lhe
ofereceram presentes: ouro, incenso e mirra.
Quando os Reis Magos
chegaram, a Sagrada Família havia já saído da Gruta e ocupava uma casa em
Belém. Ali viram só Nossa Senhora e o Menino Jesus, para se tornar patente que Ela,
de fato, é única e foi constituída Medianeira necessária por vontade d’Ele.
Sendo Maria Rainha dos Anjos e dos homens, é provável que, por uma inspiração
do Espírito Santo, seu Divino Esposo, Ela tenha conhecido os Magos à distância,
desde o momento em que começaram a ser tocados pela graça e os acompanhasse
pelos caminhos, rezando para que fossem flexíveis e dóceis, e se entregassem à
Providência que os chamava. Nossa Senhora, então, sustentou a fidelidade deles,
e não seria de estranhar que São José, enquanto Patriarca da Igreja, se unisse
a Ela nessa intenção e, inclusive, que ambos conversassem sobre isso.
Bem podemos imaginar
que os Reis tenham adorado o Menino nos braços da Santíssima Virgem. Contudo,
lemos no Evangelho de São Lucas que os pastores, ao entrar na Gruta, se
depararam com Maria, José e o Menino deitado numa manjedoura (cf. Lc 2, 16).
Qual o sentido desta diferença? Como se tratava de pessoas muito simples, era
mister tomar cuidado para eles não confundirem o Filho com a Mãe e, de repente,
A adorarem também. Por isso assumiu Nossa Senhora esta atitude humilde de
deixar o Menino reclinado para os pastores Lhe renderem homenagem, seguindo o exemplo
de silêncio e oração que Ela lhes dava. Agora, entretanto, não se trata de
pastores rudes, mas de pessoas cultas e delicadas. Os Reis não entenderiam que Maria
apontasse para um berço, indicando onde estava o recém-nascido, quando seria
melhor venerar o Menino nos braços da Mãe.
Por certo, a casa da
Sagrada Família não tinha qualquer ar palaciano e, obviamente os Magos
encontraram Maria e o Menino sem nenhuma insígnia real. Não obstante, depois da
longa viagem, penetraram nesse ambiente modesto e, diz-nos o Evangelista,
“ajoelhara 5 diante d’Ele, e O adoraram”. Ou seja, em seu íntimo reconheceram a
divindade do Menino! Tiveram, portanto, um movimento de alma íntegro. “Se
tivessem partido em busca de um rei terreno e o tivessem encontrado, teriam mais
motivos de confusão que de alegria, por terem empreendido tão dura viagem
esperando outra coisa. Como, porém, procuravam o Rei do Céu, sentiam-se
felizes, embora o que estivessem vendo não apresentasse um rei. [...] Teriam,
acaso, adorado um Menino incapaz de compreender a honra da adoração senão
tivessem visto n’Ele algo divino? Logo, não adoraram um Menino que nada entendia:
adoraram sua divindade, que tudo conhece. Até a qualidade especial dos
presentes a Ele oferecidos dá testemunho de que tinham algum vislumbre ou
indício da divindade do Menino”.7
Eles, Reis, já talvez
avançados em idade, se ajoelhavam para adorar uma criança. No fundo, desejavam
ser escravos de Nosso Senhor Jesus Cristo e dar-se a Ele completamente, com todos
os seus bens. Esta era a razão de Lhe ofertarem magníficos presentes: ouro por
reconhecerem n’Ele a realeza, o Rei dos reis; incenso por sua divindade, é Deus
e merece ser incensado; e mirra, pois querem oferecer-Lhe seus sacrifícios e,
com isso, serem beneficiados por suas graças. Exorta-nos, a este propósito, Santo
Elredo: “como não convém chegar a Cristo ou adorá-Lo com as mãos vazias,
preparai-Lhe vossos presentes. Oferecei-Lhe ouro, ou seja, um amor verdadeiro;
incenso, uma oração pura; e mirra, a mortificação de vosso corpo. Com estes
dons, Deus Se aplacará convosco, para alvorecer sobre vós e manifestar-se sua
glória em vós. Ele será glorificado em vós e vos fará participar de sua
glória”.8
O caminho dos Magos e o de Herodes
12 Avisados em sonho para não voltarem a Herodes
retornaram para a sua terra, seguindo outro caminho.
O autor da Obra Imperfeita 9 comenta que os Reis
trilharam o caminho de Herodes até Jesus, mas não o de Jesus a Herodes, pois
quem fez o caminho do mal para o bem não pode voltar à vida anterior. Ademais,
em contato com o Menino Jesus e com Nossa Senhora, devem ter sentido uma
consolação enorme e, decerto andavam por permanecer junto a Eles para sempre. Perceberam,
todavia, não ser esta a vontade de Deus, e retornaram às suas terras para serem
lá os arautos do Messias. Nós, igualmente, uma vez descoberta a finalidade para
a qual somos criados, temos de fazer apostolado e procurar que todos gozem da
mesma felicidade.
Tremendo contraste
entre os Magos vindos do Oriente e aqueles que são os principais beneficiados
por Nosso Senhor: os de sua pátria! Os primeiros recebem uma graça de
discernimento dos espíritos, uma intuição profética por onde veem a santidade
de Maria e de José, e a divindade de Jesus Cristo, a ponto de caírem de
joelhos, honrandoO como Rei, Deus e Senhor, a despeito das exterioridades. Os
outros não O reconhecem e não O aceitam. E Herodes fará de tudo para matá-Lo,
como finalmente o conseguirão os príncipes dos sacerdotes, ao rejeitar e crucificar
o Messias, que não Se coadunava com sua mentalidade e seus anseios mundanos.
III - TAMBÉM PARA NÓS BRILHA UMA ESTRELA
A história dos Reis
Magos é um extraordinário exemplo de correspondência ao chamado de Deus. Viram
eles uma estrela rutilante dentro da qual — segundo uma bela tradição — se
encontrava um Menino que tinha por trás uma luz mais intensa formando uma Cruz
10 e a seguiram sem hesitação. Esta estrela é um símbolo muito expressivo da
Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Assim como a luz da estrela guiou os
Magos, a Igreja é a luz que cintila incessantemente, sem nunca bruxulear nem
diminuir seu fulgor, para guiar os povos rumo ao Reino de Deus. E, ao longo dos
tempos, todos quantos se converterem é porque de alguma maneira viram esta
estrela e resolveram adorar a Jesus Cristo. Ela continua a brilhar e brilhará
até o último dia da História, como prometeu Nosso Senhor: “as portas do inferno
não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18).
O Salmo Responsorial
da Solenidade da Epifania (cf. Sl 71, 11) traz esta magnífica profecia: “As
nações de toda a Terra hão de adorar-Vos, ó Senhor!”. Fica patente, nesta
sentença inspirada pelo Paráclito, não apenas que Jesus veio para todos, mas
que, em determinado momento, a humanidade inteira deverá adorá-Lo. Para que
isso se verifique, é indispensável que haja apóstolos, Os primeiros cristãos
eram tão poucos! Contudo — como o grão de mostarda, que se desenvolve até
tornar-se uma grande árvore —, se espalharam pelo mundo. Hoje, nossa
responsabilidade não é menor que a dos Apóstolos, porque a palavra enunciada no
Salmo Responsorial ainda não se cumpriu. Há, quiçá, uma obrigação mais grave no
presente, já que muitos abandonaram a verdadeira Religião e deram as costas a Deus.
Neste dia
manifestamos nossa fé de que, cedo ou tarde, a Religião Católica será admitida
e louvada por todos os povos, pois não é possível Nosso Senhor Jesus Cristo ter
Se encarnado, ter redimido os homens e ser por eles ignorado.
Somos fiéis ao brilho desta estrela?
Cabe, aqui, uma
aplicação pessoal: luziu diante de nossos olhos esta estrela por ocasião do
Batismo, quando infundiu Deus em nossa alma um cortejo de virtudes — as
teologais: fé, esperança e caridade; e as cardeais: prudência, justiça,
temperança e fortaleza, em torno das quais se agrupam todas as outras — e os
dons do Espírito Santo, e passamos a participar da natureza divina. Pertencemos
ao Corpo Místico de Cristo e o Céu se abre diante de nós. Tornou-se mais resplandecente
esta estrela no dia de nossa Primeira Comunhão, ao recebermos o Corpo, Sangue, Alma
e Divindade de Cristo glorioso, para Ele nos assumir e santificar. A todo
instante ela nos convida à santidade, a rejeitar nossas más tendências e a
estar totalmente prontos para ouvir a voz da graça que diz em nosso interior
“Vem, segue-me!”, e nos chama a sermos generosos, de forma a cada um de nós
também constituir para os outros uma estrela, atraindo-os para a Igreja.
Se, por miséria ou
por provação, perdermos de vista esta luz, precisamos ir a Jerusalém, ou seja, à
Santa Igreja, a qual, em seus templos sagrados, se mantém sempre à nossa espera
para nos indicar onde está Jesus. Ali haverá um sacerdote, estará exposto o Santíssimo
Sacramento ou se encontrará uma imagem piedosa, instrumentos para reacender a
estrela existente em nosso coração.
Incumbe-nos, ademais,
tomar cuidado com o “Herodes” instalado dentro de nós: nosso orgulho, nosso
materialismo, nosso egoísmo. Ele almeja apagar esta estrela, pelo pecado mortal,
e colocar-nos nas vias dos prazeres ilícitos; quer levar-nos a matar Jesus
Cristo que está em nossa alma como um luzeiro cintilante. Seremos do mundo e do
demônio se tivermos uma vida dupla, limitando-nos a frequentar a igreja aos domingos
e comportando-nos, depois, como se desconhecêssemos a estrela. Devemos,
portanto, estar sempre junto a Nosso Senhor, oferecendo-Lhe o ouro do nosso
amor, o incenso da nossa adoração e a mirra das nossas misérias e contingências,
pedindo constantemente o auxilio de sua graça.
Compreendamos, nesta
Solenidade da Epifania, que os Magos nos dão o exemplo de como alcançar a plena
felicidade. Com os olhos fixos em Maria, imploremos: “Minha Mãe, vede como sou
fraco, inconstante, miserável, e quanto preciso, ó Mãe, da vossa súplica e da
vossa proteção. Acolhei-me, minha Mãe, eu me entrego em vossas mãos para que
Vós me entregueis a vosso Filho”. E dirigindo-nos a São José, digamos: “Meu
Patriarca, senhor meu, aqui estou, tende pena de mim, ajudai-me a pedir a vossa
esposa, Maria Santíssima, para Ela ter sempre os olhos postos em mim”. Roguemos
aos Reis Magos que intercedam junto ao Santo Casal e ao Menino Jesus, para nos
obter a graça de não procurarmos luzes mentirosas, mas seguirmos a verdadeira
estrela, ou seja, a da prática da virtude e do horror ao pecado.
1) Outros
comentários acerca desta Solenidade em: CLA DIAS, EP, João Scognamiglio. O
Espírito Santo e noSsos maravilhamentos? In: Arautos do Evangelho. São Paulo.
N.145 (Jan., 2014); p.10-16; Diante do Rei, os bons reis e o mau. In:Arautos do
Evangelho. São Paulo. N.85 (Jan., 2009); p.10-19;
2) Cf. TUYA,
OP, Manuel de. Biblia Comentada. Evangelios. Madrid: BAC, 1964, v.V, p.36-37.
3) Cf. SÃO
TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-JI,
q.52, al; ad 1.
4) SÃO JOÃO
CRISÓSTOMO Homilía VII, n.3. In: Obras.
Homilías sobre el Evangelio de San Mateo (1-45). 2.ed. Madrid: BAC, 2007, v.1, p.133.
5) AUTOR INCERTO Opus imperfectum in Matthæum. Homilia
II, c.2, n.8: MC 56, 641.
6) Cf. SÃO
REMÍGIO, apud SÃO TOMÁS DE AQUINO. Catena
Aurea. In Matthæum, cII, v.7-9.
7) AUTOR INCERTO, op. cit., n.1l, 642.
8) SANTO ELREDO DE RIEVAL. Sermón IV En la
manifestación dei Señor, n.36. In: Sennones
Litórgicos Sennones 1-14. Burgos: Monte Carmelo, 2008, tI, p.96-97.
9) Cf. AUTOR INCERTO, op. cit., n.12, 643.
10) Cf. SÃO
TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.36,
a.5, ad 4.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Escreva seus comentarios e sugerencias