CONCLUSÃO DOS COMENTÁRIOS DE MONS. JOÃO CLÁ DIAS AO EVANGELHO DO 2º DOMINGO DA PÁSCOA - ANO B - Jo 20, 19 - 31
A bem-aventurança que nos cabe
29 Jesus lhe disse: “Acreditaste, por que Me viste? Bem-aventurados
os que creram sem terem visto!”
Estas últimas
palavras do Divino Mestre a São Tomé constituem a bem-aventurança de todos
aqueles que viriam depois e não teriam oportunidade de tocar naquelas santas
chagas. Ou seja, aplicam-se inteiramente a nós.
Os Apóstolos, Santa Maria
Madalena, Santa Marta, São Lázaro e muitos outros conviveram com Jesus
ressuscitado e puderam contemplá-Lo em carne e osso, andando e conversando. Por
conseguinte, para crerem n’Ele era preciso um esforço mínimo. Tinham mérito?
Sim, porque a divindade permanecia oculta. Entretanto, mais mérito adquirimos
nós quando, pronunciadas as palavras da Consagração, contemplamos as Espécies
Eucarísticas e, apesar de continuarem elas com aparência de pão e de vinho, a
fé, a esperança e a caridade nos asseguram que o pão e o vinho cederam lugar ao
Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus. Então, nos ajoelhamos e O adoramos.
Assim, a este título nossa bem-aventurança é superior à deles!
Maravilhas que só na eternidade conheceremos
30 Jesus realizou muitos outros sinais diante dos
discípulos, que não estão escritos neste livro.
Quantas maravilhas da
existência terrena de Nosso Senhor se conservaram no silêncio! Como foi sua
familiaridade com Nossa Senhora e São José em sua vida privada ao longo de trinta
anos, da qual nada se sabe, a não ser a perda e o encontro no Templo, aos 12
anos? Quem poderá dizê-lo? É evidente que Ele não vivia enclausurado, mas em
sociedade e em contato com a opinião pública — a tal ponto que O chamavam de
“filho do carpinteiro” (Mt 13, 55) —, e devia relacionar-Se com outros jovens.
Pensemos, ademais, nos dias passados por Ele em Betânia com Marta, Maria Madalena
e Lázaro, e nos momentos de intimidade com os Apóstolos... E ainda nos
numerosos milagres que, conforme enuncia o Evangelista neste versículo,
ocorreram depois de sua Ressurreição. São histórias que conheceremos no Céu, se
tivermos a graça de lá chegar, pelos merecimentos do preciosíssimo Sangue d’Ele
e das lágrimas de Nossa Senhora! Lá ouviremos dos lábios d’Ela detalhes
magníficos “que não estão escritos” em livro algum!
Jesus Cristo é o Filho de Deus feito Homem
31 Mas estes foram escritos para que acrediteis que Jesus
é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome.
Terminando com estas
palavras, o Evangelista indica qual foi seu objetivo ao relatar tão
extraordinário episódio: “que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de
Deus”. Ao escrever seu Evangelho, estava São João em meio a uma polêmica com os
gnósticos que contestavam a divindade de Nosso Senhor, e sua preocupação era
liquidar esta heresia, prejudicial à expansão da Igreja. Para os que professavam
tais erros havia uma distinção entre Jesus e Cristo: Jesus era um puro homem a quem
este Cristo — para eles uma espécie de mediador entre Deus e o mundo — assumira
no dia de seu Batismo, sem que ele, porém, se tornasse Deus. Que Nosso Senhor
era Homem, todos o admitiam, porque O viam. Mas como acreditar que era também
Deus? Se fosse apenas Deus, seria até mais fácil de tolerar... A grande
dificuldade consistia, pois, em aceitar a união hipostática, isto é, haver n’Ele
a natureza humana íntegra — sem personalidade humana —, unida hipostaticamente
à natureza divina íntegra, na Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.
Na segunda leitura
deste domingo (I Jo 5, 1-6), São João manifesta de forma mais acentuada tal
mistério, no trecho escolhido de sua Primeira Carta: “Todo o que crê que Jesus
é o Cristo, nasceu de Deus” (5, 1). Logo, a vida da graça depende da fé na
divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo e não do mero conhecimento.
III – CULTIVEMOS NOSSA FÉ!
Com efeito, segundo
os gnósticos da época, para se obter a salvação bastava o conhecimento pleno —
gnosis — de certos segredos referentes à origem do universo e à libertação da
alma humana. Quem alcançasse este grau de conhecimento seria perfeito e estaria
dispensado das boas obras. Ou seja, a doutrina gnóstica importava na negação da
moral. Parafraseando o famoso dito de Santo Agostinho — “Dilige, et quod vis fac”6 —, ela bem poderia ser resumida nestas
palavras: “Conhece e faze o que queres”.
Ora, por mais esforço
que o homem faça, ele, de si mesmo, não tem capacidade de entender as coisas
divinas, de alcançar as alturas do sobrenatural, de abarcar o plano da fé. Para
isso é indispensável o auxílio de Deus, que conjuga a inteligência — aperfeiçoada
pela fé — e a vontade fortalecida pela graça. Por exemplo, a divindade de
Cristo e sua Ressurreição são inexplicáveis do ponto de vista intelectual, mas
aceitas por causa da fé, dom gratuito de Deus infundido na alma com o Batismo.
A fé cresce pela prática do amor
A fé, virtude
passível de aumento e de diminuição, é a porta por onde entram as demais virtudes.
Como se dá isto? O conhecer — embora na penumbra — aquilo que é de Deus desperta
na alma o amor e a adesão ao magnífico panorama desvendado pela fé.7 Não
obstante, é a caridade que nos faz amar a Deus com uma abertura de alma própria
à elevação d’Ele. Assim, a caridade é, de si, superior à fé. Por quê? Porque a
caridade faz voar até Deus e dilata nossa alma para poder amá-Lo como Ele Se
ama, na proporção de criatura a Criador, enquanto a fé traz Deus até nós.8 Se nos
limitamos a entender, sem amor, a fé perde sua seiva e sua vitalidade, e morre.
Então é preciso compreender e, já no mesmo ato, amar.
Ainda na segunda
leitura — combatendo os desvios dos gnósticos, que afirmavam ser absurdo o
cumprimento dos preceitos da Lei —, São João nos dá outra importante lição:
amar a Deus é “observar os seus Mandamentos. E os seus Mandamentos não são
pesados, pois todo o que nasceu de Deus vence o mundo. E esta é a vitória que
venceu o mundo: a nossa fé” (I Jo 5, 3-4). Não nos esqueçamos de que, se
guardar os Mandamentos da Lei de Deus por força de nossa natureza é impossível,
desde que nos apoiemos na graça vencemos o mundo, o demônio e a carne! E para
obter as graças necessárias, é-nos exigido ter uma vida interior intensa: muita
oração e frequência aos Sacramentos, sobretudo à Eucaristia.
Deste modo, a
Liturgia do 2° Domingo da Páscoa nos proporciona elementos excelentes para
praticarmos as três principais virtudes, aquelas que nos relacionam diretamente
com Deus: a fé, a esperança e a caridade. Agradeçamos a Cristo, Senhor nosso, a
inestimável bem-aventurança de acreditar sem ver e peçamos a Ele o contínuo
crescimento nesta fé.
1)STO AGOSTINHO. De Civitate Dei. L.XIX, c.13, nl.
In: Obras. Madrid: BAC, 1958,
v.XVI-XVII, p.1398.
2) LAGRANGE,
OP, Marie-JOSePh. Évangile selon Saint Jean. 5.ed. Paris: Lecoffre; J. Gabalda,
1936, p.515.
3) SÃO GREGÓRIO MAGNO. Homiliæ in Evangelia. LII, hom.6 [XXVI], n.7. In: Obras. BAC 1958. n.665.
4) Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-JI, q.1, a.4, ad 1.
5) SAO TOMAS
DE VILLANUEVA. Concio 169. Dominica in Octava Paschæ, nl. In; Obras Completas.
Madrid; BAC, 2012, v.IV, p.175.
6) SANTO AGOSTINHO. In Epistolam bannis ad Parthos
tractatus decem. Tractatus VII, n.8. In: Obras. Madrid: BAC, 1959, v.XVIII,
p.304.
7) Cf. SAO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., q.4, a.7.
8) Cf. Idem,
q.23, a.6, ad 1.
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