Comentário ao Evangelho – VI Domingo de Páscoa – Jo 15, 9-17 – Ano B
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
“Naquele tempo, disse
Jesus aos seus discípulos: 9 Como meu Pai me amou, assim também Eu vos amei.
Permanecei no meu amor. 10 Se guardardes os meus Mandamentos, permanecereis no
meu amor, assim como Eu guardei os Mandamentos do meu Pai e permaneço no seu
amor.
11 E Eu vos disse
isto, para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja plena. 12
Este é o meu Mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como Eu vos amei. 13
Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos. 14 Vós sois
meus amigos, se fizerdes o que Eu vos mando. 15 Já não vos chamo servos, pois o
servo não sabe o que faz o seu senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a
conhecer tudo o que ouvi de meu Pai.
16 Não fostes vós que
me escolhestes, mas fui Eu que vos escolhi e vos designei para irdes e para que
produzais fruto e o vosso fruto permaneça. O que então pedirdes ao Pai em meu
nome, Ele vo-lo concederá. 17 Isto é o que vos ordeno: amai-vos uns aos outros”
(Jo 15, 9-17).
A medida, infinita, do nosso amor ao próximo
Fácil é
relembrar, mas nem sempre o é cumprir, o mandato evangélico de amar o próximo
como a si mesmo. Pouco antes de sua Paixão, Nosso Senhor traçou os vastos
limites da caridade que devemos ter uns pelos outros.
I– A iniciativa parte sempre de Deus
Se tivéssemos uma
noção do amor que o Criador tem por cada um de nós, talvez fôssemos capazes de
avaliar com exatidão a medida com que devemos amá-Lo. Mas, sendo Deus a Humildade
em substância, Ele frequentemente não mostra a mão quando intervém nos
acontecimentos, para nos converter ou nos sustentar na fé. Deste modo, corremos
o risco de formar uma ideia muito irreal da solicitude divina em relação a nós.
Somos, por exemplo,
católicos, apostólicos e romanos, e pensamos ter sido nossa adesão à Religião
verdadeira fruto de uma decisão motivada pela superioridade desta sobre as
outras crenças. Ou seja, julgamos termos sido nós mesmos os que escolhemos a
Deus, quando, pelas nossas próprias forças, jamais seríamos capazes nem sequer
de praticar de forma estável os Dez Mandamentos.
No referente à nossa
conversão, é sempre o Criador quem toma a iniciativa. Foi Ele que nos criou,
Ele que nos escolheu para fazermos parte da Igreja e é Ele quem nos dá as
graças indispensáveis para segui-Lo. Desde toda a eternidade, manifestou uma
predileção gratuita por cada um de nós ao nos escolher entre as infinitas
possibilidades de criaturas humanas que existem no divino Intelecto. E, podendo
nos ter destinado a uma felicidade puramente natural, quis que as criaturas
inteligentes participassem de sua própria vida, como bem põe em realce o Pe.
Arintero: “Por um prodígio de amor que jamais poderemos devidamente admirar, e
muito menos agradecer, dignou-Se sobrenaturalizar-nos desde o princípio,
elevando-nos nada menos do que à sua própria categoria, fazendo-nos participar
de sua vida, de sua infinita virtude, de suas peculiares ações e de sua eterna
felicidade: quis que fôssemos deuses”.1
Ao nos criar, Deus
dotou cada um com uma vocação única, específica e irrepetível, seja religiosa ou
laical. E, ao longo de toda a nossa existência nos dá, ademais, graças maiores
ou menores, mas sempre suficientes para a nossa salvação eterna.
Mais ainda. Tendo o
homem caído em pecado no Paraíso, Deus poderia ter feito com que ele voltasse ao
nada, arrependido de havê-lo criado, ou usar inúmeros caminhos para reparar a
falta cometida. Pois sendo Ele ao mesmo tempo Juiz e Ofendido, nada O impedia
de perdoar a dívida contraída sem nada demandar em desagravo.
Porém, exigindo a sua
honra infinita uma reparação à altura, Deus, numa indizível manifestação de
amor, impossível de ser cogitada sem o pecado dos nossos primeiros pais,
resolveu entregar o seu próprio Filho à morte para nos dar a vida, como proclama
São João na segunda leitura: “Foi assim que o amor de Deus se manifestou entre
nós: Deus enviou o seu único Filho ao mundo para que tenhamos a vida por meio d’Ele.
Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele que nos
amou e enviou o seu Filho como oferenda de expiação pelos nossos pecados” (I Jo
4, 9-10).
Encarnando-Se e
passando pelos tormentos da Paixão, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade
trouxe para nós um verdadeiro oceano de graças, “uma inefável comunicação
amorosa e livre, mas íntima e inconcebível, da vida divina às criaturas
racionais, por onde o sobrenatural e o natural, o divino e o humano se juntam,
se harmonizam e se completam, sem que por isto se confundam!”.2
Tal é, em grandes traços,
o amor de Deus por cada um de nós, que veremos se manifestar de forma
extraordinária no Evangelho de hoje.
Continua no próximo post
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