Continuação dos comentários ao Evangelho do XIX Domingo do Tempo Comum - Ano B - Jo 6, 41-51
O alimento favorece a união dos
que o partilham
A
alimentação, além da finalidade imediata de manter a vida do homem, tem também
um importante papel social: o de unir as pessoas. Por exemplo, é em torno da
mesa que a família se reúne diariamente e põe em comum, não só os
alimentos, mas também os sentimentos, os ideais, o modo de ser e até os
problemas caseiros. É à mesa que se desenvolve a conversa e os pais têm uma das
melhores ocasiões de ir formando o espírito dos filhos.
O fato
de se sentarem todos juntos para fazer a refeição estabelece um especial traço
de união entre os membros de uma família, de um grupo de amigos ou de uma
comunidade religiosa, que vai além das simples iguarias para valores mais
altos. O alimento possui algo que favorece a união daqueles que o partilham. Os
vínculos familiares, sociais ou religiosos se fortalecem e a verdadeira amizade
se consolida.
É
também em torno da mesa que se realizam as comemorações dos pequenos ou grandes
acontecimentos da vida.
A morte entrou pelo mau uso do
alimento
Mesmo
no Paraíso Terrestre, onde o homem tinha os instintos perfeitamente ordenados,
é de supor que, se não tivesse havido pecado e a vida se desenvolvesse
normalmente, também seria em torno do ato da nutrição que transcorreriam os
melhores momentos do convívio social e familiar.
E como
o maior dom de Deus à humanidade seria dado sob a forma de alimento, foi
através de um elemento nutriente que o Criador quis pôr à prova nossos
primeiros pais, para depois conceder-lhes tão alta dádiva: “Podes comer do
fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas do fruto da árvore da
ciência do bem e do mal, porque no dia em que dele comeres, morrerás
indubitavelmente” (Gn 2, 16-17). É esta a forma característica do agir de Deus.
Pede uma pequena renúncia para depois dar, em recompensa, uma infinitude.
Pelo
ato de comer o fruto proibido, entrou a morte no mundo; por meio do “Pão
descido do Céu”, nos foi restituída a Vida: “Quem comer deste pão viverá
eternamente” (Jo 6, 51). O primeiro pecado foi cometido pelo abuso de um
alimento, e a salvação eterna nos vem através de outro. A Eucaristia se
apresenta como uma resposta, da parte de Deus, ao pecado original, dando aos
filhos de Adão infinitamente mais do que haviam perdido: é o próprio Deus que
Se oferece em alimento ao homem. Não há possibilidade de um dar-se maior do que
na Eucaristia: “E o Pão que Eu darei é a Minha carne para a salvação do mundo”
(Jo 6, 51b).
Com
tais pressupostos, melhor meditaremos neste trecho do Evangelho, aumentando
nosso amor e reconhecimento ao Divino Redentor, pelo imenso dom da Eucaristia.
II – Eucaristia e vida eterna
Naquele tempo, 41 os judeus começaram a
murmurar a respeito de Jesus, porque havia dito: “Eu sou o pão que desceu do
céu”. 42 Eles comentavam: “Não é este Jesus o filho de José? Não conhecemos seu
pai e sua mãe? Como pode então dizer que desceu do céu?” 43 Jesus respondeu:
“Não murmureis entre vós.
Estas
palavras de Jesus foram pronunciadas na sinagoga de Cafarnaum. No dia anterior,
havia Ele operado o prodígio da multiplicação dos pães, figura do milagre
muitíssimo mais portentoso da Eucaristia. Maravilhada, a multidão fora ao seu
encalço até encontrá-Lo nessa cidade. Porém, interpelado por eles, Jesus
censura-lhes seu pouco espírito de fé e sua mentalidade materialista: “Vós Me
procurais, não porque vistes milagres, mas porque comestes dos pães e ficastes
saciados. Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que dura até à vida
eterna, e que o Filho do Homem vos dará” (Jo 6, 26-27).
Ao
multiplicar os pães e os peixes, Cristo provara seu poder sobre a matéria,
preparando assim o povo para crer na Eucaristia. No entanto, o coração dos Seus
ouvintes se endureceu e, diante do anúncio de tão grande dom, duvidaram,
aferrando-se às realidades visíveis e concretas. Jesus, para eles, continuava
sendo “o filho de José”. E nem a crença, então muito difundida em Israel, de
que o Messias viria trazer um novo maná, contribuiu para lhes abrir os olhos e
o coração, diante da multiplicação dos pães.
Somente Deus pode mover as almas
rumo à perfeição
44 Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me
enviou não o atrai. E eu o ressuscitarei no último dia.
Nesta
frase tão simples encerra-se um valioso princípio teológico que deve nortear a
atividade pastoral dos sacerdotes, assim como o apostolado dos leigos. Todo o
bem que possamos fazer se origina numa iniciativa de Deus.
Quantas
vezes, em nossa atuação, julgamos ter feito grandes obras, formulado ideias
acertadas, falado de forma atraente, escrito palavras sublimes... Tudo isso vem
de Deus. Nossa ação produziu algum resultado? Houve almas que se afervoraram,
mudaram de vida, abandonaram as vias do pecado? Foi a graça de Deus que agiu
nelas e as moveu a aceitarem bem o que foi dito ou feito.
Nosso
Senhor usa o termo “ninguém”, o qual não dá margem a exceção. “Ninguém pode vir
a Mim se o Pai não o atrair”. O próprio Jesus, o Homem-Deus, tendo embora todo
o poder, nos dá um divino exemplo de humildade, atribuindo ao Pai a iniciativa
do bem que Ele faz. Inclusive em nossa vida espiritual, todo e qualquer
movimento de nossa alma rumo à perfeição se deve a uma ação da graça. É sempre
Deus que toma a iniciativa de nos atrair.
Discutem
alguns sobre o papel do livre-arbítrio nesta atração sobrenatural exercida por
Deus, alegando que o termo “atrair” implica em certa violência. São Tomás
responde com sua lógica característica a esta objeção, explicando que pode
haver diversas formas de atração, sem violência nem constrangimento. Pode-se
atrair alguém por meio de um artifício da inteligência. Mas Deus também pode
nos aproximar dEle pelo encanto, pela beleza de Sua majestade.1
De modo
semelhante, o padre Manuel de Tuya destaca o papel da liberdade humana perante
a ação da graça: “Deus traz as almas à Fé em Cristo: quando Ele quer,
infalivelmente, irresistivelmente, embora de um modo tão maravilhoso que elas
vêm também livremente; esse aspecto de liberdade, no homem, se destaca
especialmente no versículo 45b”.2
No
mesmo sentido se pronuncia Santo Agostinho, com o voo próprio de sua
inteligência privilegiada, ao comentar com palavras inflamadas esta mesma
passagem: “Não disse: ‘Se não o guiar’, mas sim ‘se não o atrair’. Esta
violência é feita ao coração, não à carne. De que te admiras? Crê e vens; ama e
és atraído. Não penses que se trata de uma violência rabugenta e depreciativa;
é doce, suave; o que atrai é a própria suavidade. Quando a ovelha tem fome, não
a atraímos mostrando-lhe erva? Ela não é empurrada corporalmente, mas subjugada
pelo desejo. Vem tu a Cristo desse modo”.3
E por
que quem atrai a alma é o Pai e quem ressuscita o corpo no último dia é o
Filho? São João Crisóstomo esclarece a questão: “O Pai atrai, mas Ele [Jesus]
ressuscita. Não porque separe Suas obras do Pai — como poderia ser! — mas sim
porque demonstra que o poder de ambos é igual”.4
Continua
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