Continuação dos comentários ao Evangelho XXIV Domingo do Tempo Comum – Ano B – Mc 8,27-35
Para o mundo, Jesus era um grande herói
Naquele tempo, 27 Jesus partiu com seus discípulos para os povoados de
Cesareia de Filipe. No caminho perguntou aos discípulos: “Quem dizem os homens
que eu sou?” 28 Eles responderam: “Alguns dizem que tu és João Batista; outros
que és Elias; outros, ainda, que és um dos profetas”.
Neste diálogo constataremos,
uma vez mais, a grande incoerência do espírito humano. Com toda a facilidade, naquela
quadra histórica, chegavam os homens a cultuar como deus o imperador romano.
Assim, nessa mesma cidade que havia sido dada de presente ao pai de
Filipe, Herodes o Grande, foi imediatamente construído, ao lado do “santuário”
dedicado ao deus Pan, um faustoso templo de mármore para se prestar culto ao
imperador. Alguém poderia objetar que não nascera esse plano — e menos ainda
sua realização — do seio do judaísmo; mas quantos foram os deuses criados pelo
povo eleito, em seu passado? O próprio efod produzido e utilizado por Gedeão
(cf. Jz 8, 2427) passou a ser objeto de culto de latria e, por isso mesmo,
causa de castigos. Ou seja, com a maior facilidade, os judeus caíam no
mimetismo idolátrico com os povos pagãos. Em contrapartida, quando se tratou do
Deus verdadeiro feito Homem, praticando uma fileira de incontáveis milagres
comprobatórios de sua onipotência, não se levantou uma opinião unânime de que
aparecera o Messias esperado dos Patriarcas e Profetas, e previsto nas
Escrituras. Alguns poucos, de fato, reconheceram-No, mas a maioria preferia
admitir toda espécie de quimeras e exageros, a aderir a um Messias cuja imagem
não conferia com os ditames equivocados e caprichosos de cada um.
A pergunta de Jesus lhes é
dirigida no último ano de sua vida pública. A demonstração, pelos fatos
concretos, de Quem era Ele, já se tornara suficientemente conclusiva. Os
próprios demônios O haviam proclamado o “Santo de Deus” (Mc 1, 24), o “Filho de
Deus” (Mc 3, 11), o “Filho do Deus Altíssimo” (Lc 8, 28). O Batista havia
declarado não ser digno de lhe desatar a correia das sandálias, devido à sua
inferioridade (cf. Mc 1, 7). Mas os lábios do povo não pronunciaram o título de
Messias.
Esse é o resultado da triste
inclinação do espírito humano para o erro, quando perde a inocência. Facilmente
segue o caminho oposto ao das verdades próprias à salvação. Não é fácil à
opinião pública reconhecer como autênticos e dignos de crédito os valores
reais, sobretudo quando estes contradizem tendências racionalizadas opostas à
moral.
Apesar disso, nota-se, pelas
suposições enunciadas pelos Apóstolos, que se atribuía a Jesus a categoria dos
grandes heróis da história judaica, chegando-se a considerá-Lo um precursor do
Messias.
A resposta de Pedro
29 Então ele perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Pedro
respondeu: “Tu és o Messias”.
E por que Jesus lhes faz essa
pergunta?
Jamais por mera curiosidade,
pois, enquanto Verbo Eterno, Ele tudo sabia ab initio. Tornar explícito, aos
olhos dos Apóstolos, o ridículo dos conceitos gerais a seu respeito, trazia uma
enorme vantagem, como sublinha São João Crisóstomo (1), pois os obrigava a se
destacarem do mundo e alçarem voo às mais elevadas camadas do pensamento: à
visão sobrenatural. Tanto mais que poucos meses restavam a Jesus para
formá-los, antes de subir ao Pai, e era de fundamental importância tornar-lhes
explícita a exata noção de quem era Aquele que os havia transformado em
pescadores de homens. Por isso, pergunta aos Apóstolos: “E vós, quem dizeis que
Eu sou?”
Pedro responderá em nome
próprio, e não de todos, como afirmam certos autores. Esse detalhe se tornará
patente através dos outros Evangelhos. Marcos omite alguns detalhes
importantes, como o elogio feito por Jesus à declaração de Pedro, antes de
constituí-lo como pedra fundamental de sua Igreja (cf. Mt 16, 17-19).
Quem comenta com precisão esta
passagem é o Cardeal Goma: “Pedro se adianta à resposta dos outros, talvez por
tê-los notado vacilantes na opinião a respeito de Jesus. A graça de Deus
ilumina seu entendimento, e seu modo de ser impetuoso, ajudado por essa mesma
graça, o faz ser o primeiro a proclamar a fé. Noutra ocasião, também tinha sido
ele o único a elevar sua voz para falar de Jesus: ‘Respondeu Simão Pedro, e
disse...’ (cf. Jo 6, 67-69).
“A definição que Pedro dá de
Jesus é plena, precisa, enérgica: Tu és o Cristo, o Messias em pessoa,
prometido aos judeus e ardentemente esperado por eles. Mais: Tu és o Filho de
Deus! Não, como eram designados os santos, no sentido de uma relação moral de
santidade ou por uma filiação adotiva, mas sim o Filho único de Deus, pela
natureza divina, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Se o Apóstolo não tivesse
entendido assim, não teria necessitado uma especial revelação de Deus. O que
com imprecisão tinham insinuado os Apóstolos em outras ocasiões (cf. Mt 14, 33;
Jo 1, 49) é afirmado por Pedro de forma clara e categórica. O Pai de Jesus é
Deus vivo: vivo porque é vida essencial que essencialmente gera desde toda a
eternidade um Filho vivo. Vivo por oposição às divindades mortas do paganismo.”
Jesus proíbe divulgar que Ele era o Messias
30 Jesus proibiu-lhes severamente de falar a alguém a respeito.
Em seguida a essa belíssima
proclamação de fé realizada por Pedro, os três primeiros Evangelhos registram
uma formal e categórica proibição de Jesus aos Apóstolos, de nada contarem a
ninguém. Essa ordem de guardar silêncio não havia sido a primeira. Com certa frequência,
era imposta também a certos doentes ou possessos por Ele curados.
De um lado, até então não havia
chegado o momento de divulgar revelações que o público ainda não estava
suficientemente preparado para compreender. Os erros a propósito da figura do
Messias eram substanciais e por demais naturalistas. Por muito menos, o povo já
quisera proclamá-Lo Rei (cf. Jo 6,15), com todas as graves e inconvenientes consequências
políticas que daí decorreriam. Quiçá, neste caso, não seria Ele preso e morto
pelos próprios romanos? Ademais, bem poderia acontecer que os fariseus e o
sinédrio se aproveitassem dessa circunstância para antecipar a execução de seu
plano deicida.
Os próprios Apóstolos só
estiveram preparados para pregar com toda eficácia sobre o Cristo, Deus e Homem
verdadeiro, depois da descida do Espírito Santo sobre eles. Antes disso, os
mesmos equívocos sobre a messianidade assumidos por todo o povo eleito eram
compartilhados por eles e, por isso mesmo, muito provavelmente, em seu
apostolado apresentariam de maneira defectiva a figura de Jesus. Assim, dado
ser o mistério da Encarnação, por sua própria substância, tão insuperavelmente
elevado, só mesmo o próprio Verbo de Deus poderia pregá-lo com a devida
dignidade. Segundo decretos eternos, a divindade de Jesus devia estar selada
pelo Preciosíssimo Sangue do Filho de Deus.
De outro lado, se essa
revelação tivesse sido pública, a fé do povo, provavelmente débil, não
resistiria à fortíssima prova da Paixão, tal qual se deu com os Apóstolos.
Pregar sobre a divindade de um Homem que em breve seria crucificado entre dois
ladrões não parecia ser fácil tarefa.
Continua no próximo post
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