Continuação dos comentários ao Evangelho – XXVI Domingo do Tempo Comum – Ano B
O poder da mediação
39 “Jesus disse: ‘Não o proibais, pois ninguém faz milagres em meu nome
para depois falar mal de Mim. 40 Quem não é contra nós é a nosso favor’”.
Contrariamente à inadequada
visualização dos Apóstolos, ensina Nosso Senhor estar aberta a todo aquele que
o queira a possibilidade de fazer o bem, sem ser isto privilégio de ninguém:
“quem não é contra nós é a nosso favor”.
A mesma atitude, aliás, tomara
Moisés quando o avisaram de que dois homens no acampamento estavam profetizando
e Josué pediu para lhes dar ordem de se calarem, como registra a primeira
leitura deste domingo: “Tens ciúmes por mim? Quem me dera que todo o povo do
Senhor fosse profeta e que o Senhor lhe concedesse o seu espírito” (Nm 11, 29),
foi a inspirada resposta do profeta, antecedendo-se ao ensinamento do Divino
Mestre.
De qualquer maneira, era
indispensável o recurso ao nome de Jesus para o tal homem fazer exorcismos.
Para deixar este princípio de intercessão bem claro, Nosso Senhor vai explicar
que quem deseja agir de forma eficaz e ser bem sucedido, precisa da mediação
daquele mais próximo de Deus, por meio do qual recebeu sua missão. Assim, as obras
realizadas em função desse mediador, cujo nome se invoca manifestando reconhecimento,
são abençoadas pela Providência com frutos abundantes.
No caso apresentado por João,
nota-se que aquele homem, embora não tivesse a vocação de ser Apóstolo, fora
chamado a propagar o nome de Jesus. Comenta, a este propósito, Maldonado:
“Cristo quer que sua doutrina seja confirmada por milagres, não só dos
Apóstolos, mas também de quaisquer outros discípulos”.2
E, assim como São Paulo se
alegrará pelo fato de alguns, mesmo por inveja e rivalidade com ele, começarem
também a falar de Nosso Senhor (cf. Fl 1, 17-18), neste caso concreto, o Divino
Mestre sabia perfeitamente que obrava de boa-fé o homem denunciado por São
João. “Bastava-lhe seguir a doutrina evangélica, mesmo sem fazer parte de seu
grupo; por isso não devia ser considerado um adversário”.3 E Santo Agostinho
afirma: “Cristo permitiu-lhe continuar, pois ele assim divulgava o seu nome, e
isso era útil para muitos”.4 No fundo, fora o próprio Jesus quem, com sua graça,
o havia estimulado a agir assim.
Ora, Nosso Senhor afirma
implicitamente, em sentido contrário, que quando alguém faz uso de um poder
recebido do alto sem estar unido com a fonte desse poder, suas obras serão
infrutíferas. Pior ainda, elas acarretarão toda espécie de desastres e, ao
invés de expulsar os demônios, os atrairão.
Querer fazer milagres sem usar
o nome de Jesus equivale, portanto, a falar mal d’Ele. Era um modo de Jesus
ensinar aos seus discípulos que a apropriação dos dons sobrenaturais leva à
retração das graças divinas e à negação do Autor desses dons, e mostrar-lhes o
quanto a Providência é ciosa das mediações por Ela estabelecidas.
Nosso Senhor recompensa quem auxilia seus discípulos
41 “Em verdade Eu vos digo: quem vos der a beber um copo de água, porque
sois de Cristo, não ficará sem receber a sua recompensa”.
São Mateus situa esta promessa
em outro momento: ao enviar os Apóstolos a pregar pela primeira vez, Jesus
promete recompensar quem os acolher bem (cf. Mt 10, 42)
De todos os modos, estas
palavras do Divino Redentor podem ser entendidas também no seguinte sentido: ao
vermos alguém agindo sob a ação de uma graça ou praticando um ato virtuoso, se
nos encantamos e procuramos estimulá-lo, esta atitude não ficará sem prêmio. Em
sentido inverso, provocamos o desagrado de Deus quando deixamos de assim
proceder.
E a intervenção de São João,
sim, fora extemporânea, desviando do tema tratado. Consideremos, pois, que
Jesus acabara de dizer: “Em verdade vos digo, se não vos converterdes e não vos
tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 18, 3).
Acrescentando: “Quem acolhe em meu nome uma destas crianças, a Mim acolhe. E
quem Me acolhe, acolhe, não a Mim, mas Àquele que Me enviou” (Mc 9, 37).
III – O escândalo dos inocentes e da própria consciência
Na perícope selecionada para o
Evangelho deste domingo, as seguintes palavras de Nosso Senhor parecem mudar de
forma abrupta o tema. Porém, se relermos os versículos anteriores,
constataremos que Jesus apenas retoma o assunto antes discutido, ou seja, a
necessidade de se ter a humildade e a simplicidade da criança. E a intervenção
de São João, sim, fora extemporânea, desviando deste tema.
Consideremos, pois, que Jesus
acabara de dizer: “Em verdade vos digo, se não vos converterdes e não vos
tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 18, 3).
Acrescentando: “Quem acolhe em meu nome uma destas crianças, a Mim acolhe. E
quem Me acolhe, acolhe, não a Mim, mas Àquele que Me enviou” (Mc 9, 37).
42 “E, se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem, melhor
seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço”.
Tendo tratado da recompensa à
boa acolhida dada a um pequenino, analisa agora o oposto: o castigo para quem
desedificar ou prejudicar um inocente.
Ao falar em pequeninos, Nosso
Senhor não está Se referindo apenas às crianças, mas a todos quantos não têm
forças suficientes para se manterem por si mesmos na prática da virtude,
precisando para isso do apoio de outros, sobretudo no tocante ao seu instinto
de sociabilidade.
Especialmente merecedor desse
auxílio é quem conserva a sua inocência batismal. Este tem a alma
constantemente aberta ao sobrenatural, pois, como explica São João Crisóstomo:
“O menino está limpo de inveja, de vanglória e da ambição de ocupar os
primeiros postos. Ele possui a maior das virtudes: simplicidade, sinceridade,
humildade. [...] O menino está isento de orgulho, de ambição da glória, de
inveja, de obstinação e de todas as paixões semelhantes”.5
Muito Se compraz Deus com essa
retidão de alma própria ao inocente. Por isso quem induz ao pecado “um destes
pequeninos” causa-Lhe um tal repúdio que se torna réu desta terrível
condenação: era preferível ser lançado ao mar! Nosso Senhor utiliza esta severa
imagem por ser inteiramente familiar aos seus ouvintes, conforme comenta São Jerônimo:
“Fala segundo o costume da região, porque esta foi entre os antigos judeus a
pena para os maiores crimes: lançar na água o criminoso com uma pedra atada ao
pescoço”.6
Nos lábios de um outro, esta
afirmação poderia parecer exagerada, mas quem a faz é o Filho de Deus! E São
João Crisóstomo assinala um detalhe: para quem escandalizar uma criança, disse
Cristo, “melhor seria” ser atirado ao mar com uma pedra amarrada ao pescoço; ou
seja, “dá a entender com isto que o espera um castigo mais grave do que este”.7
Pela indignação de Nosso Senhor
diante do escândalo, bem se pode medir o estreito vínculo d’Ele com os
inocentes!
Continua no próximo post
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