Continuação dos comentários ao Evangelho 33º Domingo do Tempo Comum - Ano B -Mc 13, 24-32
O tríplice Juízo de Cristo
Análoga reação se verifica no
tocante aos outros Novíssimos. Assim, a Idade Média considerou com dor e
espanto as perspectivas da Liturgia de hoje, ressaltando o sentimento de culpa
diante de Deus, como resultado dos incontáveis pecados e, consequentemente, a
enorme prestação de contas a ser feita, no dia do Juízo. Na realidade, a divina
obra da Redenção estará inacabada enquanto não forem julgados todos os homens.
Segundo São Tomás de Aquino, o
Juízo é tríplice:
1. Para governo dos homens
“A vida humana é regulada pelo
justo juízo de Deus, pois é Ele quem julga todos os homens. Não se deve pôr em
dúvida que esse juízo, pelo qual são governados os homens neste mundo, faz
parte também do poder judicial de Cristo, já que, segundo sua natureza humana,
está sentado à direita de Deus enquanto tendo recebido d’Ele o poder judicial,
o qual exerce ainda agora, antes de aparecer visivelmente.”
2. Juízo Particular
“Há outro juízo de Deus em
virtude do qual se dará à alma de cada um, após a morte, o que ela mereceu. Os
justos mortos permanecem em Cristo, os pecadores são sepultados no inferno. Não
se pense que essa discriminação é feita sem juízo de Deus, ou que esse juízo
não é próprio ao poder de Cristo.”
3. Juízo Universal
“Como a recompensa dos homens
compreende não apenas os bens da alma, mas também os do corpo que a alma
reassume pela ressurreição, e como toda retribuição requer um juízo, é
necessário estabelecer outro juízo no qual se retribua aos homens segundo suas
obras, não somente na alma, mas também no corpo. Esse juízo compete a Cristo
para que, assim como Ele morreu por nós, ressuscitou e subiu aos Céus, assim
também faça ressuscitar com seu poder os corpos de nossa vileza e os assuma com
seu Corpo glorioso a fim de levá-los ao Céu, onde Ele nos precedeu, abrindo
diante de nós o caminho. Ora, a ressurreição será no fim do mundo, e de todos
os homens ao mesmo tempo. Portanto, esse juízo será também comum a todos, e
final” (2).
A unidade do Ano Litúrgico
Assim, a evocação dos últimos
acontecimentos que devem encerrar a obra redentora de Cristo Jesus é
convenientemente celebrada neste 33º Domingo do Tempo Comum. Da mesma forma
deverá iniciar-se o Ano Litúrgico seguinte, pois deseja a
Santa Igreja tornar presente a
seus fiéis, no começo de um ciclo e no término de outro, o quanto esse todo
constitui uma só unidade. Não podemos julgar-nos meros indivíduos sem a menor
relação com toda a ordem e história do universo. Enquanto partes integrantes
dele, devemos ter consciência de nossa responsabilidade em face da obra da
Criação, no seu todo.
Os mistérios de nossa Redenção
que nos são apresentados em cada ciclo litúrgico partem da contemplação do
Juízo Final e nessa mesma perspectiva se concluem.
Dupla perspectiva de esperança e temor
Como devemos nós encarar os
Novíssimos? Com animada esperança, ou com aflito temor? Se bem que esteja
presente nesta Liturgia uma clara nota de esperança, parece ser a consideração
da terribilidade do Juízo a mais apropriada. A primeira Leitura deste domingo
foi escolhida com muito discernimento, e suas palavras nos colocam diante desta
dupla perspectiva, a de esperança e a de temor: “Será uma época de tal
desolação, como jamais houve igual desde que as nações existem (...) serão
salvos todos aqueles que se acharem inscritos no livro. (...) despertarão, uns
para uma vida eterna, outros para a ignomínia, a infâmia eterna. (...) Os que
tiverem introduzido muitos (nos caminhos) da justiça luzirão como as estrelas,
com um perpétuo resplendor” (Dn 12, 1-3).
Por essas palavras, percebe-se
quanto a nota tônica da terribilidade do Juízo Final estimula o temor de Deus,
tão benfazejo para a vida espiritual.
Harmonia entre misericórdia e justiça
Ao longo de todo o Ano Litúrgico,
a Igreja nos leva pelas vias da bondade, do perdão e da confiança sem limites
na divina misericórdia de Jesus. Os próprios Evangelhos transbordam de
benquerença, à margem de algumas expressões enérgicas e fortes, mas o cerne é
feito de suavidade, clemência e afeto, emanados do Sagrado Coração de Jesus. E
se não fossem certas celebrações, seríamos levados a esquecer, por nosso
relaxamento, a substancial Justiça de Deus. Ora, no curso desta vida, estamos
sendo provados com vistas ao prêmio ou ao castigo eternos. Por isso, essas três
Liturgias consecutivas nos estimulam, ademais, a sermos gratos a Deus pelos
benefícios da Redenção, a fazermos um exame de consciência para analisarmos se
temos ou não correspondido às inúmeras graças até aqui recebidas.
Eis algumas razões pelas quais
o Ano Litúrgico se inicia e termina centrado na lembrança dos Novíssimos do
homem.
II – Profecia Sobre a destruição de Jerusalém e sobre o fim dos tempos
O fim dos tempos
24“Naqueles dias, depois da grande tribulação, o sol vai
se escurecer, e a lua não brilhará mais, 25as estrelas começarão a cair do céu
e as forças do céu serão abaladas.
O trecho escolhido para servir
como Evangelho deste 33º Domingo vem precedido de uma detalhada revelação,
feita por Jesus, a propósito dos últimos acontecimentos que deverão encerrar o
curso dos tempos. Ao sair do Templo (cf. Mc 13, 1), Ele deixa estupefatos os
discípulos, afirmando que daqueles edifícios não ficaria pedra sobre pedra. A
partir dessa profecia, outras mais graves são proferidas por Jesus, nessa
ocasião, delineando o terrível quadro do fim do mundo, como também o da
destruição de Jerusalém. São os acontecimentos que constituem a “tribulação”
referida no v. 24.
As palavras presentes nesses
dois versículos devem ser tomadas ao pé da letra, se bem que elas não excluam
também um sentido simbólico, inerente a tão catastróficos acontecimentos. Se
não fossem uma descrição da realidade, não teriam sido objeto de expressões tão
fortes, empregadas não só por Jesus, como também pelos Profetas: “Eis que virá
o dia do Senhor, dia implacável, de furor e de cólera ardente, para reduzir a
terra a um deserto, e dela exterminar os pecadores. Nem as estrelas do céu, nem
suas constelações brilhantes, farão resplandecer sua luz; o sol se obscurecerá
desde o nascer, e a lua já não enviará sua luz” (Is 13, 9-10). São Pedro assim
escreve: “Os céus e a terra que agora existem são guardados pela mesma palavra
divina e reservados para o fogo no dia do Juízo e da perdição dos ímpios” (2 Pd
3, 7).
Esse tremendo abalo produzido
na ordem natural, conseqüência dos pecados da humanidade, como o será a queda
das estrelas, produzirá um altíssimo grau de calor suficiente para derreter até
os mais resistentes elementos (cf. 2 Pd 3, 10).
Insensibilidade do homem ante os perigos distantes
Todas essas profecias, porém,
são consideradas pelos homens como algo muito distante e, talvez, irrealizável.
Não é débil a força do unanimismo sobre nossa psicologia; somos levados a ter
medo somente dos fatos diante dos quais todos tremem. Daí a reação dos
contemporâneos de Noé, como também a dos habitantes de Jerusalém, próximo à sua
queda.
Os prazeres lícitos da vida, e
mais ainda os ilícitos, além do atual desenvolvimento tecnológico e do deus de
todos os tempos — o dinheiro —, avassalam os corações e os inclinam a um forte
desejo de que isso tudo jamais termine. Ora, nenhum argumento arrasta tanto ao
erro quanto a persuasão da ansiedade; e ainda quando as evidências lhe
demonstrem o contrário, prefere o homem viver um sonho ilusório, afastando para
longe de si qualquer ideia que possa perturbar seu gozo da vida. Sua
sofreguidão em deliciar-se com os bens deste mundo leva-o a querer prolongar ad
aeternum a atual existência.
Em extremo oposto, Deus não Se
faz guiar pelos nossos sonhos; assim como as águas do Dilúvio inundaram a
terra, o Reino de Israel foi abalado em seus fundamentos e tantas nações foram
aniquiladas ao longo da História, assim também a terra inteira perecerá num dilúvio
de fogo, no fim do mundo.
Continua no próximo post
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