Tríduo Pascal

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Evangelho XXXIIII Domingo do Tempo Comum - Ano B -Mc 13, 24-32

Conclusão dos comentários ao Evangelho 33º Domingo do Tempo Comum - Ano B -Mc 13, 24-32
Os ímpios se unem para atacar a Religião
O pecado debilita a fé e, ao tornar-se frequente, chega a extingui-la. No começo dessa rotina, o pecador ainda sentirá certo remorso, mas, com o decorrer do tempo, para tentar sufocar a voz da consciência, acabará por dar de ombros às ameaças e castigos, bem como às recompensas de Deus. E, como tem ocorrido em todas as eras, não sendo possível ao homem destruir a ideia incômoda da existência de um Deus onipotente, ele formará para si deuses de metal ou de pedra. Estará já na fase das blasfêmias, mas não conseguirá com estas mudar em nada a natureza de Deus; muito pelo contrário, serão elas causa da proximidade da intervenção d’Ele.
Quando se chega a esses extremos, e ao se tornar generalizado esse mal, os ímpios se unem para atacar a verdadeira Religião, porque sua existência os inquieta, perturba e freia. Esse ódio leva a uma explosão, e exige de Deus a transformação de suas ameaças em ato concreto. Tal como se deu tantas vezes na História, assim se dará no fim do mundo.
Evocando esse acontecimento na Liturgia de hoje, quer a Igreja esculpir indelevelmente em nossos corações o temor de Deus, que é o começo da Sabedoria. Conservemo-lo por meio da meditação e da oração. Ele preservará nossa inocência e piedade, além de vir a ser nossa proteção no dia da ira.
A vinda triunfal de Cristo
26 Então vereis o Filho do Homem vindo nas nuvens com grande poder e glória.

Imediatamente após a Ascensão do Senhor, os Anjos proclamaram aos Apóstolos: “Homens da Galiléia, por que estais aí parados olhando para o céu? Esse Jesus que, separando- se de vós, foi arrebatado ao céu, virá do mesmo modo que O vistes ir para o céu” (At 1, 11). Portanto, esta deve ser nossa crença. Ele virá enquanto Filho do Homem, em seu corpo glorioso, pois, segundo alguns comentaristas, essa deverá ser a forma pela qual será visto e reconhecido, até pelos maus. Os bons adorarão a divindade do Filho do Homem. Por estarem na visão beatífica, verão a gloriosa humanidade d’Ele unida hipostaticamente a Deus, na Segunda Pessoa da Trindade Santíssima. Pelo contrário, os maus só verão sua humanidade, se bem que “conhecerão manifestamente que Cristo é Deus, não por verem a divindade, mas pelos sinais claríssimos dela” (3). Para uns, alegria; para outros, angústia e amargura, conforme nos ensina São Tomás de Aquino: “Assim como a glória de um amigo nos causa prazer, assim a glória e o poder de quem odiamos nos faz imensamente sofrer. Por onde, assim como a contemplação da gloriosa humanidade de Cristo será um prêmio para os justos, assim há de ser um suplício para os inimigos de Cristo. Por isso, a Escritura diz: ‘Vejam e sejam confundidos os que têm inveja do teu povo; e devore o fogo (isto é, da inveja), os teus inimigos’ (Is 26, 11)” (4).
Cristo é Juiz enquanto Homem
Sempre com indiscutível clareza, afirma São Tomás que o julgar pertence a quem coube legislar. Cristo Jesus, ao trazer-nos o Evangelho como fruto de sua Encarnação, enquanto homem será Juiz também. Por outro lado, se por Pilatos foi julgado como homem, virá julgar também como tal (5). Portanto, não devemos nos equivocar, imaginando que o seu poder de julgar é exclusivamente divino. É real que “Cristo, na sua natureza divina, tem autoridade de Senhor sobre todas as criaturas, por direito de autor da criação. Mas, pela sua natureza humana, tem a autoridade do domínio merecida pela sua Paixão, se bem que esta seja secundária e adquirida, ao passo que a primeira é natural e eterna” (6).
Papel dos Anjos na ressurreição dos mortos
27 Ele enviará os anjos aos quatro cantos da terra e reunirá os eleitos de Deus, de uma extremidade à outra da terra.
Sempre segundo São Tomás (7), a ressurreição dos mortos será operada por Deus, servindo-se do ministério dos Anjos. O Doutor Angélico divide em dois atos a ressurreição: reunir os respectivos restos de cada corpo que se encontram espalhados e, em seguida, reconstituir todos os corpos. Estas duas tarefas estarão a cargo dos Anjos. No que diz respeito à união de cada alma ao respectivo corpo, caberá exclusivamente a Deus realizá-la, assim como a glorificação dos corpos dos bem-aventurados.
A imagem da figueira
28 Aprendei, pois, da figueira esta parábola: quando seus ramos ficam verdes e as folhas começam a brotar, sabeis que o verão está perto. 29 Assim também, quando virdes acontecer essas coisas, ficai sabendo que o Filho do Homem está próximo, às portas.
Nosso Senhor retorna à metáfora da figueira pela terceira vez ao longo dos Evangelhos, pelo fato de ser ela muito eloquente. Quiçá tenha criado essa árvore, entre outras razões, para servir nessas circunstâncias à sua divina didática.
A figueira era muitíssimo comum na Palestina de outrora, e continua a sobreviver ali apesar das guerras e da industrialização. Tratava-se, portanto, de um exemplo bem ao alcance de qualquer um. Por uma lei botânica criada por Deus, no fim do inverno a seiva dessa árvore, com eficaz vitalidade, põe-se a percorrer os galhos e ramos, conferindo-lhes flexibilidade. Não tarda muito a aparecerem as folhas, e, ao cobrir-se ela de verde, é sinal de estar às portas do verão. Da mesma forma, saber-se-á discernir as cercanias do fim dos tempos, quando se cumprirem os sinais apontados pelo Salvador em suas palavras anteriores (ver também Mt 24, 32-33 e Lc 21, 29-31).
São sinais para as almas cheias de fé, a fim de as ajudar naqueles dias terríveis. Tanto mais que as expressões de Jesus possuem uma nota de firmeza e segurança tais que não deixam possibilidade à menor dúvida. Costumamos dizer que verba volant (as palavras voam), por não terem a estabilidade da escrita. Pois bem, aí está a palavra do Homem-Deus, também escrita, para atravessar os séculos e os milênios.
“Não passará esta geração...”
30 Em verdade vos digo, esta geração não passará até que tudo isto aconteça. 31 O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão.
São variados os comentários dos autores a respeito desses versículos. Recolhemos alguns mais significativos.
Teofilacto, por exemplo, assim se exprime sobre o v. 30: “Não passará esta geração (a dos cristãos) enquanto não se tenha cumprido tudo quanto foi dito acerca de Jerusalém e da vinda do Anticristo. Ele não se referiu à ‘geração dos Apóstolos’, pois a maior parte deles não viveu até a destruição de Jerusalém, mas à de todos os cristãos, querendo assim consolar seus discípulos, para que não pensassem que a fé faltaria naqueles tempos, uma vez que, antes que a palavra de Cristo, faltarão os elementos estáveis deste mundo” (8).
A propósito do v. 31, parece-nos bem clara a interpretação de Beda: “O céu que passará não é o etéreo ou sideral, mas o do ar, porque, assim como caiu por todas as partes a água do Dilúvio, assim também, segundo o Apóstolo São Pedro, cairá por todas as partes o fogo do Juízo. O céu e a terra perderão sua forma atual, mas subsistirão eternamente, quanto à sua essência” (9).
Ainda quanto ao v. 30, um autor da atualidade, o Pe. Raniero Cantalamessa, opina da seguinte forma: “[Jesus] equivocou-Se? Não. Com efeito, não passou senão a geração do mundo de seus ouvintes, o mundo judaico passou tragicamente com a destruição de Jerusalém no ano 70. Quando, em 410, houve o saque de Roma por obra dos Vândalos, muitos grandes espíritos do tempo pensaram que fosse o fim do mundo. Não se enganavam muito: terminava um mundo, o criado por Roma com seu império. “Isso não diminui, pelo contrário, aumenta a seriedade da permanência cristã. Seria uma grande estupidez tranquilizar-se, dizendo que, entretanto, ninguém sabe quando será o fim do mundo, esquecendo-se de que este pode acontecer, para mim, nesta mesma noite” (10).
Poderia o Filho ignorar a hora de seu triunfo?
32Quanto àquele dia e hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas somente o Pai”.
Que os homens e até mesmo os Anjos não o saibam, é perfeitamente admissível; mas como entender a existência da ignorância n’Aquele que é a Sabedoria eterna e encarnada? Essa é a perplexidade belamente expressa e, em seguida, bem solucionada por Santo Hilário. Diz ele que o Pai não poderia usar de maldade, negando-se a revelar ao Filho, a quem fizera conhecer o dia de sua morte injusta, o momento de seu triunfo. Todos os tesouros da Sabedoria estão ocultos também no Filho, e se algo Ele não nos comunica, não será jamais por falta de capacidade, mas por ainda não ser oportuno (11).
A melhor explicação, nós a encontramos na obra do Revmo. Pe. Andrés Fernández Truyols SJ: “Soa de modo estranho essa asserção, no que diz respeito ao Filho. Disseram alguns Padres da Igreja que, embora Ele o ignorasse como homem, não o ignorava como Deus. Mas isso não basta. Enquanto homem, Jesus Cristo possuía, além da ciência experimental, a visão beatífica e a ciência infusa; e assim, tanto por uma quanto pela outra, conhecia perfeitamente o tempo da parusia. Essa expressão deve, portanto, ser entendida no sentido de que, como legado do Pai, não estava chamado a revelar aos homens essa verdade; na prática, era como se não a conhecesse. Em outros termos, não a conhecia como ciência comunicável” (12).
III – Não devemos buscar as glórias deste mundo como um fim
O povo eleito aguardava um Messias com as glórias de Davi levadas ao auge. Daí surgiria um pleno domínio social, político, religioso e até mesmo financeiro sobre todos os outros povos. Ora, Jesus faz questão de referir-Se a Si próprio como sendo o Filho do Homem, para combater essa má tendência naqueles que tanto amava. A Sagrada Escritura usa muitas vezes essa expressão. Por exemplo, o profeta Ezequiel, ressaltando sua humilde condição de criatura com todas as suas debilidades, por 93 vezes se autodenomina “filho do homem”.
Mas nem sempre as glórias deste mundo significam condenação eterna. Pode-se dizer também o contrário, ou seja, nem sempre os fracassos durante a existência terrena importam na glória beatífica na outra vida.
Diante dessa realidade, que outro ensinamento devemos extrair da Liturgia de hoje? Além de nos estimular à vigilância, a fim de estarmos preparados para o dia de nosso encontro com o Supremo Juiz — quer seja logo após nossa morte, quer no Vale de Josafá —, Jesus, ao ter abraçado o aparente fracasso da Cruz, nos confere uma divina lição. Não devemos buscar as glórias deste mundo como um fim último. Triunfo ou derrota, prazer ou dor, riqueza ou miséria, e assim por diante, pouco importam. Sejam os meios quais forem, nosso único objetivo deve ser o de fazer a vontade de Deus a nosso respeito, e aí sim, irmos de encontro ao “Filho do Homem vindo sobre as nuvens com grande poder e glória” (v. 26).
1) Liber Sacramentorum, Herder, 1948, t. IX, p. 91.
2 ) Opúsculo 13, l. 1, c.242.
 3) Suma Teológica, Supl., q. 90, a. 3, ad 1
4 ) Idem, q. 90, a. 2, ad 4.
5 ) Cf. Suma Teológica, Supl. q. 90, a.1, sc.
6 ) Idem, a. 1, ad 1.
7 ) Cf. Suma Teológica, Supl. q. 76, a.3.
8 ) São Tomás de Aquino, Catena Áurea, in Mc.
9 ) Idem.
10 ) Echad las Redes – Reflexiones sobre los Evangelios, Ciclo B, EDICEP, C.B. Valencia, 2003.
11) Cf. Liber 9, de Trinitate, n. 60-63 et passim.
12 ) Vida de Nuestro Señor Jesucristo, BAC, Madrid, 1954, vol. III, p. 550.


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