Tríduo Pascal

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Comentário à sequência da Solenidade de Pentecostes

Continuação dos comentários à sequência  de Pentecostes
III – OS DONS DO ESPÍRITO SANTO, INSUBSTITUÍVEL AUXÍLIO PARA A VIDA ESPIRITUAL
Tendo comentado anteriormente o relato da descida do Espírito Santo, bem como as duas opções para o Evangelho oferecidas pela Santa Igreja para esta Solenidade, centraremos nossas considerações na Sequência, o famoso Veni Sancte Spiritus.
- Espírito de Deus, enviai dos céus um raio de luz!
- Vinde, Pai dos pobres, dai aos corações vossos sete dons.

O raio de luz aqui referido é uma figura dos dons do Espírito Santo, os quais serao mencionados nos versos da Sequência. A riqueza de um tema tao esquecido quanto este permitiria encher páginas e páginas, com grande proveito para todos os fieis. Tendo ouvido falar a respeito deles, quiçá até muitas vezes, sabemos, de fato, o que são? São eles hábitos infusos, que agem sobre as virtudes, fortalecendo-as, tornando-as mais robustas e conduzindo-as a seu pleno desenvolvimento.
Deixar-se levar...
A moção dos dons não mais pertence ao homem, mas ao Divino Espírito Santo como causa única. Da mesma forma como seria imperioso para a criança que ganhara o avião de passageiros o concurso de um piloto experimentado para levantar a imensa máquina do solo, Deus, ao infundir os dons em nossa alma. se faz nosso condutor, pondo à nossa disposição um auxilio oportuníssimo para suprir nossa incapacidade no governo de um organismo sobrenatural que nos supera ao infinito. A alma apenas precisa deixar-se levar...
Para compreender melhor o desempenho das virtudes na alma, lembremo-nos da clássica figura da criança que caminha de mãos dadas com sua mãe: sem dúvida alguma quem avança é o menino, sujeito à inexperiência de sua tenra idade e sustentado pelo amparo materno. Muito diferente seria se a mãe, receosa dos perigos a que se expõe o frágil filho andando por si, o tomasse no colo. O esforço do deslocamento passaria a depender unicamente da vontade dela, e já não niais das pernas pouco ágeis do pequeno. Esta segunda situação é uma pálida imagem da ação benfazeja dos dons. O Espírito Santo nos “carrega no colo”, “sublimando, mediante suas iluminações e moções especialíssimas, nosso próprio modo de pensar, querer e agir”,9 protegendo-nos de todas as ameaças que nos circundam durante a vida.
Luz única e consolo dos corações

Ademais é o Espírito Santo que enriquece nossas capacidades intelectuais, concedendo-nos a luz necessária para atingir as verdades da Fé. Além de deitar seus raios sobre a nossa inteligência, o Consolador ilumina também a nossa vontade, ou seja. o nosso coração. Sob esta claridade acabamos por desejar o que se deve; sem ela nos afastaríamos do rumo traçado pela Revelação e nosso amor se desviaria para toda espécie de loucuras, terminando no que descreve São Paulo na segunda leitura desta Solenidade, na Epístola aos Romanos: “Os que vivem segundo a carne não podem agradar a Deus” (Rm 8, 8). Por carne não devemos entender aqui tão só o que fere o sexto Mandamento do Decálogo, como também a consideração naturalista e humana da realidade, na qual as preocupações materiais monopolizam a atenção. Quem eleva nossa mente, libertando-nos da escravidão das leis da carne, é o Espírito Santo.
- Consolo que acalma, hóspede da alma, doce alívio, vinde!
- No labor descanso, na aflição remanso, no calor aragem.
Assim, habitando dentro de nós, o Espírito Divino tempera nossa alma. D’Ele provém todos os nossos bons movimentos. Mas de tal maneira é Ele a Humildade em essência que não deixa transparecer sua ação e entrega com liberalidade os tesouros de sua infinita riqueza, como alguém que, possuindo volumosas quantidades de dinheiro, abrisse em um banco uma conta para outro, depositando-lhe com prodigalidade uma alta soma.
Ele é, também, o doce refrigério, pois é a única fonte capaz de nos transmitir verdadeira paz e consolação interior. Com efeito, nas situações de aflição enfrentadas por nós em nosso dia a dia, o conforto só se encontra n’Aquele que muda as lágrimas em autêntica alegria.
Sublime cxemplo da necessidade da petição
- Enchei, luz bendita, chama que crepita, o íntimo de nós!
Há certas ações do Espirito Divino que dispensam a necessidade de petição, como, por exemplo, quando a criança é batizada e a graça opera por si, sem ter ela solicitado nada. Contudo, Ele está como que à espera de uma súplica. Os próprios Apóstolos permaneceram reunidos em oração durante nove dias (cf. At 1, 14: 2, 1) aguardando sua vinda, conforme Nosso Senhor lhes havia ordenado (cf. At 1, 4).
Se no Cenáculo não estivesse presente Nossa Senhora para interceder por eles, implorando a descida do Espírito Santo. Quanto tempo mais teria sido preciso rezar? Seguindo o exemplo de Maria Santíssima, antes de qualquer atividade, com insistência roguemos ao Paráclito que Ele tome inteira posse e domínio de tudo quanto possamos fazer.
Uma força que sobrepuja a da criatura humana
- Sem a luz que acode, nada o homem pode, nenhum bem há nele.
O que se passou com os Apóstolos no dia de Pentecostes foi uma superabundante infusão dos dons do Espírito Santo, a ponto de saírem eles anunciando o Evangelho na própria língua e OS outros os ouvirem nas línguas respectivas (cf. At 2, 7-8), pois era o próprio Espírito quem falava nos Doze e quem ouvia nas almas do povo.
Se não fosse sua maravilhosa atuação, o convívio da humanidade tornar-se-ia insuportável. E Ele quem produz o entendimento mútuo, a compreensão perfeita de uma linguagem única e comum. a do amor entre os filhos de Deus, num intercâmbio benéfico entre uns e outros.
Nada há de impossível para o Espírito Santo!
- Ao sujo lavai, ao seco regai, curai o doente.
Até mesmo quem trilhou por toda a vida as vias tortuosas da impureza e do erro é passível de purificação pela graça do Divino Espírito, podendo, inclusive, chegar a tornar-se ainda mais diáfano. mais transparente e mais luzidio do que uni Serafim! Se esta afirmação parecer por demais ousada, detenhamo-nos na consideração de Santa Maria Madalena. Afundada no pecado. após urna primeira conversão mal correspondida — segundo conta a tradição —, à qual sucederam quedas ainda piores que as anteriores, foi ela justificada de tal modo que hoje seu nome se encontra inserido com precedência sobre os das virgens invocadas tia Ladainha de Todos os Santos. Acaso o Espírito Santo seria impotente para realizar o que quer? Também nós, quando experimentarmos a necessidade de reparar devidamente alguma falta, não duvidemos em pedir-Lhe que desça, nos transforme e nos limpe! Só Ele poderá ensinar o caminho da salvação a quem se extraviou pelas sendas do pecado!
- Dobrai o que é duro, guiai no escuro, o frio aquecei.
Semelhante fenômeno ocorre quando se fecundam as maiores esterilidades no campo do apostolado ou se alcança a vitória definitiva sobre os defeitos morais mais difíceis de extirpar... Quantos casos conhecemos de pessoas cuja rigidez no erro parecia inflexível! Uma ação do Espírito Santo, porém, foi capaz de fazer ceder quem não queria mudar os próprios critérios. Também as almas dominadas pelo terrível vício da indiferença ou acédia, havendo perdido o gosto das coisas do espírito e tornando-se frias em relação a Deus, só serão aquecidas como convêm pelo Espírito Santo.
- Dai à vossa Igreja, que espera e deseja, vossos sete dons.
- Dai em prêmio ao forte uma santa morte, alegria eterna. Amém.
Quanto precisamos implorar para nós os sete dons sagrados! Se desejamos cumprir a missão específica determinada para cada um de nós, eles nos são essenciais, pois com sua assistência, passo a passo, as virtudes adquirirão um caráter de perfeição que, devido à nossa insuficiência, jamais alcançariam. Pelo contrário, se os dons não agirem, tudo sairá com a marca de nossa própria pequenez...
Sem o estado de graça, os atos por nós praticados, por mais que tenham a aparência de heroicos, estarão desprovidos de qualquer mérito sobrenatural, ficando limitados ao mero valor da nossa deficiente natureza humana. Desde que não oponhamos resistência ao Espírito Consolador, Ele nos dará, ao término de nossa peregrinação terrena, a salvação eterna.
IV - VINDE, ESPÍRITO SANTO!
Os ensinamentos trazidos pela Solenidade de Pentecostes nos põem na perspectiva da enorme necessidade de crescer na devoção ao Espírito Santo, a quem um grande teólogo do século XX, o padre Antonio Royo Marín, chamou de o grande desconhecido e que poderia também ser denominado o grande esquecido.
Desde o despertar devemos pedir a intervenção d’Ele em todas as nossas atividades do dia, de acordo com os pontos contemplados na Sequência desta Liturgia. Nada pode abater quem está cheio do Espírito Santo! Se ficamos edificados com a integridade dos mártires sempre firmes na Fé, como foi São Lourenço ao ser queimado na grelha , nós, embora não tenhamos passado por suplícios como os deles, somos submetidos ao martírio da vida diária, com suas decepções, desilusões e traumas de relacionamento às vezes até dentro da Própria família. Em qualquer circunstância devemos ter a certeza de que a solução para todas as angústias, aflições ou perturbações está na luz do Espírito Santo.
Se vivermos neste mundo não pela carne, mas pelo Espírito, seguindo o conselho de São Paulo “todos aqueles que se deixam conduzir pelo Espírito de Deus, são filhos de Deus” (Rm 8, 14) , perceberemos a insignificância de todos os tormentos que nos assaltam ante a esperança na maravilha da ressurreição, quando haveremos de recuperar nossa própria carne, finalmente gloriosa e transformada.
“Emitte Spiritum tuum et creabuntur”

Nesta Solenidade que encerra o ciclo Pascal, devemos entregar-nos por inteiro ao Divino Espírito Santo, Suplicando-Lhe que cuide de nós, conforme reza a Oração do Dia: “realizai agora no coração dos fiéis as maravilhas que operastes no início da pregação do Evangelho”.11 Desejemos com ardor participar da mesma alegria sentida pelos Apóstolos no momento de Pentecostes, no Cenáculo! Peçamos que aquela disposição de levar o Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo até os confins do universo se verifique também em nossos dias! Queiramos ver a face da Terra incendiada por uma labareda de amor segundo as palavras de Jesus: “Eu vim trazer fogo à Terra, e que hei de querer senão que ele arda?” (Lc 12, 49). E esse o nosso anelo! Que se espalhe esse fogo com todo seu esplendor para infundir nova vida à Santa Igreja: “Emitte Spiritu tuum et creabuntur et renovabis faciem Terræ” (Sl 103, 30), e possa Nossa Senhora proclamar: “Por fim, meu Imaculado Coração triunfou!” 

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