COMENTÁRIOS AO EVANGELHO PENTECOSTES – ANO C – Jo 20, 19-23
19Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando
fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se
encontravam, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: “A paz esteja
convosco”.
20Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado.
Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor.
21Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o
Pai me enviou, também eu vos envio”.
22E, depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse:
“Recebei o Espírito Santo. 23A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão
perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos”. (Jo 20, 19-23).
"Formamos
um só corpo, e todos nós bebemos de um só Espírito" (1 Cor 12, 13). Quem é
o Espírito Santo, como foram as circunstâncias e quais as principais graças
concedidas a Maria e aos discípulos por ocasião de Pentecostes? Eis os
ensinamentos que a Liturgia nos coloca à disposição na festa de hoje,
fazendo-nos compreender onde se encontra a verdadeira paz.
I - A IGREJA POR OCASIÃO DE PENTECOSTES
Oração numa atmosfera de harmonia e concórdia
Como outras
tantas festas litúrgicas, Pentecostes nos faz recordar um dos grandes mistérios
da fundação da Igreja por Jesus. Encontrava-se ela em estado ainda quase
embrionário - alegoricamente, poder-se-ia compará-la a uma menina de tenra
idade - reunida em torno da Mãe de Cristo. Ali no Cenáculo, conforme nos
descrevem os Atos dos Apóstolos na primeira leitura, passaram-se fenômenos místicos
de excelsa magnitude, acompanhados de manifestações sensíveis de ordem natural:
ruído como de um vento impetuoso, línguas de fogo, os discípulos exprimindo-se
em línguas diversas sem tê-las antes aprendido. A alta significação simbólica
do conjunto desses acontecimentos, como de cada um em particular, constituiu
matéria para inúmeros e substanciosos comentários de exegetas e teólogos de
grande valor, como se torna claro por anteriores observações feitas por nós em
artigo publicado em 2002 (1). Hoje, cabe-nos ressaltar outros aspectos de não
menor importância correlacionados com a narração feita por São Lucas (At 2,
1-11), para assim melhor entender o Evangelho em questão e, portanto, a própria
festividade de Pentecostes.
Enquanto
figura exponencial, destaca- se Maria Santíssima, predestinada desde toda a
eternidade a ser Mãe de Deus. Dir-se-ia que havia atingido a plenitude máxima
de todas as graças e dons, entretanto, em Pentecostes, mais e mais Lhe seria
concedido. Assim como fora eleita para o insuperável dom da maternidade divina,
cabia-Lhe o tornar-se Mãe do Corpo Místico de Cristo e, tal qual se deu na
Encarnação do Verbo, desceu sobre Ela o Espírito Santo, por meio de uma nova e
riquíssima efusão de graças, a fim de adorná-La com virtudes e dons próprios e
proclamá-La "Mãe da Igreja".
Em seguida
estão os Apóstolos; constituem eles a primeira escola de arautos do Evangelho.
Observavam as condições essenciais para estarem aptos à alta missão que lhes
destinara o Divino Mestre, conforme nos relata a Escritura: "Todos estes
perseveraram unanimemente em oração, com algumas mulheres e com Maria, Mãe de
Jesus, e com os seus irmãos" (At 1, 14).
Essa
perseverança na oração se realizou de forma continuada e no silêncio, na
solidão e clausura do Cenáculo. A atmosfera era de máxima concórdia, harmonia e
união entre todos, de verdadeira caridade fraterna. São Lucas em seu relato faz
questão de realçar a presença de Maria, certamente para tornar patente o quanto
Ela mesma se alegrava em ser uma fiel participante da Comunidade. Uma nota
marcante é a submissão e obediência ao Vigário de Cristo tal qual transparece
nos versículos subsequentes, ao relatarem o primeiro ato de governo e
jurisdição de São Pedro (At 1, 15-22).
Em síntese, a
verdadeira eficácia do apostolado está aí evidenciada, sob o manto da
Santíssima Virgem, na união efetiva e afetiva de todos com a Pedra sobre a qual
Cristo edificou sua Igreja.
A eficácia da ação encontra-se na contemplação
Esse grande
acontecimento foi precedido não só dos dez dias de oração contínua, mas também
de muitos outros momentos de recolhimento. O trauma havido por ocasião da
dramática Paixão do Salvador exigia horas e horas de isolamento e reflexão.
Ademais, o temor de novas perseguições e traições impunha-lhes prudência, além
do abandono das atividades comuns do apostolado anterior.
Curiosamente,
em geral, Cristo Ressurrecto escolhia oportunidades como essas - de reflexão e
compenetração da parte de todos - para lhes aparecer, assim como o Espírito
Santo para lhes infundir seus dons. Esta é uma importante lição que a Liturgia
de hoje nos oferece: a verdadeira eficácia da ação encontra-se na contemplação.
O próprio Apóstolo por excelência, que chegou a exclamar: Vae enim mihi est, si
non evangelizavero! - "Ai de mim se eu não evangelizar!" (I Cor 9,
16), passou um longo período de oração no deserto a fim de preparar-se para a
pregação.
Quem toma o
trabalho de analisar passo a passo as atividades de um varão zeloso e apostólico
pode vir a equivocar-se julgando serem elas puro fruto de sua personalidade
empreendedora, ou de seu caráter dinâmico, ou até mesmo de sua constituição
psicofísica. São numerosos os homens operantes e profícuos que arrancam de seu
ser o inimaginável. Onde se encontram, de fato, as energias empregadas por
esses leões da fé e da eficiência? Mais ainda poderíamos nos perguntar: como
conseguem eles, em meio à avalanche de atividades, conservar um coração brando
e suave no trato com os outros?
Lembremo-nos
do conselho dado por São Bernardo de Claraval ao papa da época, Eugênio III:
"Temo que em meio de tuas
inumeráveis ocupações te desesperes de não poder levá-las a cabo e se endureça
tua alma. Obrarias com cordura abandonando-as por algum tempo para que elas não
te dominem nem te arrastem para onde não quiseras chegar. Talvez me perguntes:
‘Aonde?' (...) Ao endurecimento do coração. Aí vês para onde te podem arrastar
essas ocupações malditas se continuas entregando- te a elas totalmente, como
até agora, sem reservar nada para ti" (2).
Trata-se de um
Doutor da Igreja aconselhando o Doce Cristo na terra daqueles tempos, no
exercício da mais alta função: o governo dessa instituição divina. Pois bem,
segundo seu parecer, tão elevadas ocupações, sem o auxílio da vida interior,
são malditas. Essa sempre foi a postura de alma dos santos, espiritualistas e
Padres da Igreja. Santo Agostinho afirma, por exemplo: "Todo apóstolo,
antes de soltar a língua, deve elevar a Deus com avidez sua alma, para exalar o
que deva, e distribuir sua plenitude" (3).
Feitas essas
considerações emergentes da primeira leitura (At 2, 1-11) encontramo-nos mais
aptos para contemplar as belezas do Evangelho da presente Liturgia.
II - O EVANGELHO DA SOLENIDADE DE PENTECOSTES
19Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando
fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se
encontravam, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: “A paz esteja
convosco”.
A prova pela qual
haviam passado os Apóstolos excedia as forças da frágil natureza humana e,
apesar do testemunho entusiasmado de Maria Madalena, não lhes era fácil crer na
Ressurreição; talvez seu abatimento fosse o resultado de não se julgarem dignos
de receber uma aparição do Senhor, segundo pondera São João Crisóstomo, devido
ao horroroso abandono no qual deixaram o Mestre em sua agonia.
Na sua bondade
infinita, Jesus não deixou transcorrer muito tempo para se manifestar também a
eles. Escolheu uma excelente oportunidade para tal: no entardecer e estando as
portas fechadas, para tornar ainda mais patente a grandeza do milagre de sua
Ressurreição.
A chegada da
noite é o momento em que a apreensão cresce no interior de todos os temerosos.
Por outro lado, penetrar num recinto com portas e janelas fechadas, só mesmo em
corpo glorioso poderia alguém realizar tamanho prodígio.
Qual seria o
lugar onde estavam reunidos, não se sabe com exatidão. A hipótese mais provável
recai sobre o Cenáculo.
Outro
particular interessante é a posição escolhida por Cristo para lhes dirigir a
palavra. Ele poderia ter preferido saudá-los logo à entrada, entretanto
caminhou entre eles e foi colocar- Se bem ao centro. Esse deve ser sempre o
posto de Jesus em todas as nossas atividades, preocupações e necessidades. O
deixá-Lo de lado, além de ser falta de respeito e consideração, é condenar ao
fracasso qualquer iniciativa, por melhor que seja.
Sua saudação
também nos chama especialmente a atenção: "A paz esteja convosco".
À primeira
vista seríamos levados a julgar compreensível que Ele desejasse acalmá-los das
perturbações que os acometiam desde a prisão no Horto das Oliveiras. E de fato,
esse bem poderia ser um de seus intentos, mas o significado mais profundo não
reside nessa interpretação. Para melhor o entendermos, perguntemo-nos o que é
paz.
"Paz
é a tranquilidade da ordem", diz Santo Agostinho
(4), ou seja, uma ordem permanentemente tranqüila. E São Tomás demonstra ser a
paz efeito próprio e específico da caridade, pois todo aquele que está em união
com Deus vive na perfeita ordem, ao harmonizar todas as suas potências,
sentidos e faculdades à sua causa eficiente e final (5). Essa união faz brotar
na alma que a possui um profundo repouso interior e nem sequer os inimigos
externos a perturbam, porque nada lhe interessa a não ser Deus: "Se Deus
está conosco, quem será contra nós?" (Rom. 8, 31). Ora, sabemos pela
Teologia que o Espírito Santo é a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade e
procede do Pai e do Filho por via do Amor. N'Ele está a raiz, ou semente, da
qual nasce o fruto da caridade. Ao amarmos a Deus e ao próximo, a alegria e o
consolo penetram em nosso interior. Desse amor e gozo, procede a paz (6).
Jesus,
desejando-lhes a paz, oferecia- lhes um dos principais frutos desse Amor
infinito que é o Espírito Santo.
20Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado.
Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor.
Por esta
atitude do Senhor podemos bem avaliar o quanto o pavor havia penetrado na alma
de todos, apesar de ouvirem a voz do Divino Mestre desejando-lhes a paz.
Por isso
tornou-se indispensável mostrar-lhes aquelas mãos que tanto haviam curado
cegos, surdos, leprosos e inúmeras outras enfermidades, mãos que talvez eles
mesmos tivessem, a seu tempo, osculado. Sim aquelas mãos que, havia pouco,
tinham sido transpassadas por terríveis cravos. Era preciso comprovarem tratar-
se do Redentor, vendo seu lado perfurado pela lança de Longinus.
Naquele
momento sentiram a alegria pervadir suas almas, pois constataram não estar
diante deles um fantasma, mas sim o próprio Jesus em Corpo, Sangue, Alma e
Divindade. Cumpria-se assim sua promessa: "Hei de ver-vos de novo, e o
vosso coração se alegrará, e ninguém vos tirará a vossa alegria" (Jo 16,
22).
Transparece
nessa atitude seu profundo intuito apologético, ao fazê-los ver suas santas
chagas, ao contrário de como procedera com Santa Maria Madalena, ou até mesmo
com os discípulos de Emaús.
Outra nota de
bondade consiste no fato de Ele ter velado o esplendor de seu Corpo glorioso,
caso contrário a natureza humana dos Apóstolos não teria suportado o fulgor da
majestade do Homem-Deus ressurrecto.
21Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o
Pai me enviou, também eu vos envio”.
Novamente
Jesus lhes deseja a paz, e deixa assim entrever quão importante é a
tranqüilidade da ordem. Como objetivo imediato, visava Jesus proporcionar- lhes
a indispensável serenidade de espírito face às desavenças e mortais
perseguições que lhes moveriam os judeus. Por outro lado, Jesus se dirige aos
séculos futuros e, portanto, à própria era na qual vivemos. Também a nós Ele
nos repete o mesmo desejo de paz formulado aos Apóstolos naquele momento. Sim,
especialmente à nossa civilização que tem suas raízes em Cristo - Rei, Profeta
e Sacerdote - cuja entrada neste mundo fez-se sob o belo cântico dos Anjos:
"Paz na terra" (Lc 2, 14). Não foi outro o dom por Ele oferecido
antes de morrer na Cruz, ao despedir-se: "Dou-vos a paz, deixo-vos minha
paz" (Jo 14, 27). Entretanto, a humanidade hoje se suicida em guerras,
terrorismos e revoluções. E qual a causa? Não queremos aceitar a paz de Cristo.
Tal qual a
caridade, a paz começa na própria casa. Antes de tudo, é preciso construí-la
dentro de nós mesmos, dando à razão iluminada pela Fé o governo de nossas
paixões. Sem essa disciplina, entramos na desordem. Ora, vai se tornando cada
vez mais raro encontrar- se um ser humano no qual esse equilíbrio é procurado
com base no esforço e na graça. O espontaneísmo domina despoticamente em todos
os rincões. Vivemos os axiomas da Sorbonne de 1968: "É proibido
proibir" - "A imaginação tomou conta do poder" -"Nada
reivindicar, nada pedir, mas tomar, invadir". Eles pareciam ser para a
humanidade uma pedra filosofal de felicidade, sucesso e prazer... Que
desilusão!
A paz deve ser
a condição normal e corrente para o bom relacionamento social, sobretudo na
célula mater da sociedade, a família. Eis um dos grandes males de nossos dias:
a autoridade paterna se auto-destruiu, a sujeição amorosa da mãe se evanesceu e
a obediência dos filhos foi carcomida pelo capricho, desrespeito e revolta.
Essas enfermidades morais, transpostas para a vida da sociedade, redundam em luta
civil, de classes e até mesmo entre os povos.
A humanidade
sofre essas e muitas outras conseqüências do pecado de ter repudiado a paz de
Cristo e abraçado a paz do mundo, ou seja, o consumismo, o igualitarismo, o
laicismo, a adoração da máquina, etc.
Sentencia a
Escritura: "Não há paz - diz Javé - não há paz para os ímpios" (Is
57, 20). "Curavam as chagas da filha do meu povo com ignomínia, dizendo:
Paz, paz; quando não havia paz" (Jer 6,14). Os milênios transcorreram e
nos encontramos novamente na mesma perspectiva de outrora, com uma agravante:
corruptio optimi pessima (a corrupção do ótimo resulta no péssi mo). Sim, a
rejeição da paz verdadeira trazida pelo Verbo Encarnado é muito pior do que a
impiedade antiga, e de conseqüências ainda mais drásticas.
A ordem
fundamental do edifício da paz deriva essencialmente do Evangelho e do
Decálogo, ou seja, do amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo por amor a
Ele (7). Daí floresce a paz interior do homem e a harmonia com todos os outros,
amados por ele com real caridade. Esse é o melhor remédio para todos os males
atuais, desde a "epidemia" das depressões - enfermidade paradigmática
de nosso século - até o terrorismo. É indispensável reconhecermos em Deus nosso
Legislador e Senhor, pois, se ao longo da vida não existir a moral individual
nem a familiar, haverá menos ainda o verdadeiro equilíbrio social e
internacional. O caos de nossos dias no-lo demonstra em demasia.
Sendo a paz
fruto do Espírito Santo, fora do estado de graça, e da prática da caridade, não
nos é dado encontrá-la. Por isso quem se torna empedernido no pecado não pode
gozar da paz:"Mas os malvados são um mar proceloso que não pode
aquietar-se e cujas ondas revolvem lodo e lama. Não há paz - diz Javé - para os
ímpios" (Is 57, 20).
O mesmo Isaías
nos proclama a prodigalidade e a grandeza da bondade de Deus para com os
justos: "Porque assim diz Javé: Vou derramar sobre ela (Jerusalém) a paz
como um rio, e a glória das nações como torrentes transbordantes" (Is 66,
12).
Essa é a razão
mais específica do fato de Jesus ter desejado uma segunda vez a paz a seus
discípulos. É Ele o autor da graça e, portanto, o autor da paz: "Cristo é
a nossa paz" (Ef 2, 14). "A graça e a verdade foram trazidas por
Jesus Cristo" (Jo 1, 17).
Após esse
segundo voto de paz, Jesus envia seus discípulos à ação, tornando claro o
quanto é necessário jamais se deixar tomar pelo afã dos afazeres, perdendo a
serenidade. Um dos elementos essenciais para o apostolado bem sucedido é a paz
de alma de quem o faz.
Outro
importante aspecto a considerar neste versículo é a afirmação do princípio da
mediação tão do agrado de Deus. Jesus se apresenta aqui como o Mediador Supremo
junto ao Pai e, ao mesmo tempo, constitui os Apóstolos como mediadores entre o
povo e Ele. Aqui podemos medir quanto são enganosas as máximas igualitárias ao
procurarem destruir o senso de hierarquia.
22E, depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse:
“Recebei o Espírito Santo.
Na festa de
hoje se comemora a descida do Espírito Santo sobre Maria e os Apóstolos a qual
se encontra tão bem narrada na primeira leitura (At 2, 1-11). Esse
acontecimento deu-se depois da subida de Jesus ao Céu e talvez daí decorre o
fato de alguns negarem a realidade do grande mistério operado por Ele na
ocasião, narrada no versículo em análise. Esse erro, mais explícito no começo
do séc. VI, foi solenemente condenado pela Igreja no V Concílio Ecumênico de
Constantinopla, em 552: "Se alguém defende o ímpio Teodoro de Mopsuestia,
que disse (...) que depois da Ressurreição, quando o Senhor insuflou sobre os
discípulos e lhes disse ‘Recebei o Espírito Santo' (Jo 20, 22), não lhes deu o
Espírito Santo, senão que tão-só o deu figurativamente (...), seja
anátema" (8).
O Espírito
Santo não procede somente do Pai, mas também do Filho. Ele é o Amor entre
ambos. E como definir o amor? É muito mais fácil senti-lo do que defini-lo.
Dois amigos que muito se querem, ao se encontrarem depois de longo período de
separação, se abraçam fortemente e cheios de alegria. O que significa esse
gesto tão espontâneo e efusivo, senão a manifestação de um amor recíproco? Os
dois quase desejam, nessa hora, uma fusão de seus seres. O interior das mães se
desfaz, suas entranhas parecem estar sendo arrancadas ao verem seus filhos
partirem. Os que se amam querem estar juntos e se olhar. E quanto mais robusto
é o amor, maior será a inclinação de se unirem.
Ora, quando os
dois seres que se amam são infinitos e eternos, jamais esse impulso de união
poderá manterse dentro dos estreitos limites de uma mera tendência emocional,
como muitas vezes se passa entre nós homens. Entre o Pai e o Filho, esse Amor é
tão vigoroso que faz proceder uma Terceira Pessoa, o Espírito Santo.
Nossos amores,
em não raras circunstâncias, são volúveis. Deus, muito pelo contrário, porque
se contempla a Si próprio, Bom, Verdadeiro e Belo, eterna e irresistivelmente,
Se ama desde todo o sempre e para sempre, e, tal qual assevera Santo Agostinho,
desse amor faz proceder uma Terceira Pessoa infinita, santa e eterna, o Divino
Espírito Santo. O amor é eminentemente difusivo e por isso tende a comunicar-
se, a entregar-se.
Curiosa é a
diferença de forma empregada por uma e outra Pessoa para se comunicar com os
homens.
O Filho veio a
este mundo assumindo nossa natureza em humildade e apagamento. Pelo contrário,
o Espírito Santo, sem assumir outra natureza, marca sua presença com símbolos
de estrépito e majestade. A face da terra será renovada por Ele, daí a
manifestação do esplendor, força e rapidez dos fenômenos físicos que
acompanharam sua infusão de graças nos que se encontravam reunidos no Cenáculo
(conforme a 1ª leitura de hoje, At 2, 1-11), porque eles deveriam ser Apóstolos
e testemunhas. Era preciso que fossem iluminados e protegidos, e soubessem
ensinar.
No Evangelho
de João, essa doação do Espírito Santo tem em vista a faculdade de perdoar os
pecados:
23A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão
perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos”.
Que grande dom concedido aos mortais por meio
dos sacerdotes: o perdão dos pecados! Por outro lado, que imensa
responsabilidade a de um Ministro de Deus! Dele diz São João Crisóstomo:
"Se o sacerdote tiver conduzido bem sua própria vida, mas não tiver
cuidado com diligência da dos outros, condenar- se-á com os réprobos" (9).
III - CONCLUSÃO
Quanto se fala
de paz, hoje em dia, e quanto se vive no extremo oposto dela! O interior dos
corações se encontra penetrado de tédio, apreensão, medo, desânimo e
frustração, quando não de orgulho, sensualidade e falta de pudor. A instituição
da família vai se tornando uma peça de antiquário. A ânsia de obter, não
importa por que meio, sem levar em conta o direito alheio, vai caracterizando
todas as nações dos últimos tempos. Em síntese, não há paz individual, nem
familiar, nem no interior das nações.
Eis porque
nossos olhos devem voltar- se à Rainha da Paz a fim de rogar sua poderosa
intercessão para que seu Divino Filho nos envie uma nova Pentecostes e seja,
assim, renovada a face da terra, como melhor solução para o grande caos
contemporâneo.
1
) Cf. Mons. João S. Clá Dias, E renovareis a face da Terra... in "Arautos
do Evangelho", maio 2002, pp. 5-10.
2
) De considerat, 1. I C.2 apud São Bernardo, Obras selectas, BAC, p. 1.480 3 )
De doct. Christiana I, 4: PL 34, 21 4 ) De civitate Dei XIX 13: PL 41, 640
5
) Cf. Suma Teológica II-II, q 29.
6
) cf. Santo Tomas de Aquino, Suma Teológica, I-II, q 70, a 3c.
7
) Cf. São Tomás de Aquino, Suma Teológica II-II, q 29, a 3.
8 ) Cânon 12 in Denzinger,
Ench. Symbol.
nº
224 9 ) São Tomás de Aquino, Catena Áurea, in Jo., c 20, l 3.
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