Comentários ao Evangelho Jo 17,20-26
Ao concluir seu
discurso sacerdotal na Última Ceia, Nosso Senhor roga ao Pai por toda a Igreja,
manifestando nessa oração os divinos extremos de sua obra de amor pelos homens.
Naquele tempo, Jesus ergueu os olhos ao céu e rezou, dizendo: 20“Pai
santo, eu não te rogo somente por eles, mas também por aqueles que vão crer em
mim pela sua palavra; 21para que todos sejam um como tu, Pai, estás em mim e eu
em ti, e para que eles estejam em nós, a fim de que o mundo creia que tu me
enviaste.
22Eu dei-lhes a glória que tu me deste, para que eles sejam um, como nós
somos um: 23 eu neles e tu em mim, para que assim eles cheguem à unidade
perfeita e o mundo reconheça que tu me enviaste e os amaste, como me amaste a
mim. 24Pai, aqueles que me deste, quero que estejam comigo onde eu estiver,
para que eles contemplem a minha glória, glória que tu me deste porque me
amaste antes da fundação do universo. 25Pai justo, o mundo não te conheceu, mas
eu te conheci, e estes também conheceram que tu me enviaste.
26Eu lhes fiz conhecer o teu nome, e o tornarei conhecido ainda mais,
para que o amor com que me amaste esteja neles, e eu mesmo esteja neles”.
I - O MAIOR FATOR DE UNIÃO ENTRE OS HOMENS
Poucas páginas da hagiografia
encerram tanta unção quanto aquelas que narram cenas do convívio de santos contemporâneos
uns dos outros. Entre esses relatos destaca-se um célebre episódio ocorrido no
Convento de Santa Sabina, em Roma, quando ali se encontraram São Domingos de
Gusmão, São Francisco de Assis e o pregador carmelita Santo Angelo Hierosolimita.
Tomados de profunda e recíproca admiração, os três se ajoelharam frente a
frente e assim passaram toda a noite, em oração e conversando sobre as grandezas
de Deus.1 Tal atitude de mútua veneração e benquerença pode ser considerada como
uma manifestação do circuito sobrenatural estabelecido entre eles, “uma comunicação
de alma em que cada um via inteiramente a alma do outro, a obra de Deus na alma
do outro, e amava a Deus na pessoa do outro”,2 comenta o Prof. Plinio Corrêa de
Oliveira.
Qual a causa de tão
prodigiosa harmonia entre varões tão diferentes entre si, tanto no tocante à
personalidade quanto à vocação? Além de pertencerem à Igreja, na qual, “embora
sejamos muitos, formamos um só Corpo em Cristo” (Rm 12, 5), viviam eles a mesma
vida sobrenatural, pela graça, e eram membros de uma só família: a divina.
Corroborando os traços de consonância estava o amor a um mesmo ideal, pois, os
três buscavam a glória de Deus e a implantação de seu Reino na Terra.
A análise desse fato nos
leva a considerar uma verdade constatada com frequência na vida em sociedade. A
união efetiva e estável entre os homens só é possível em função de princípios
elevados e sobrenaturais, e exige o abandono do egoísmo. Quando várias pessoas
se encontram diante de assunto em que Deus não esteja presente, o máximo a se
conseguir delas é um acordo passageiro, o qual durará até o momento em que a
força do egoísmo se manifestar, levando uma — ou várias — a procurar suas vantagens
individuais, menosprezando o conjunto. Isso quando não há traição.
Não é outra a causa das
discórdias por vezes sucedidas até entre irmãos na Fé. Se o ideal de perfeição
se obnubila no horizonte interior de alguns, por apego aos benefícios pessoais,
começam a surgir as desavenças. Para sufocar essas raízes de divisão e se obter
o completo imbricamento de uns com os outros, basta reavivar o entusiasmo pela
meta à qual se entregaram. Em vista disso, pode-se dizer que nada une tanto os
homens quanto a santidade, como ilustra a cena narrada no início destas linhas.
Vivendo na entrega completa ao objetivo da glória de Deus, todos os santos
creem na mesma verdade, aspiram a um mesmo fim, amam um mesmo Senhor.
Tais pressupostos nos
auxiliarão a entender com maior penetração o Evangelho de São João 17, 20-26,
o qual recolhe as palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo ao término da Santa Ceia.
A colossal veneração, submissão e certeza de impetração com que Ele Se dirige
ao Pai faz deste trecho uma das mais comoventes narrações evangélicas, da qual
se poderia dizer que é própria a enternecer as pedras.
II - É POSSÍVEL A UNIDADE COM O PRÓPRIO DEUS?
São João registra, com a
precisão de um teólogo, o discurso sacerdotal de Nosso Senhor, cuja conclusão
é contemplada na Liturgia de hoje. Para analisar esta passagem a partir de uma
perspectiva mais ampla, cabe uma menção à convivência diária do
Discípulo Amado com a Santíssima Virgem, que lhe foi dada como Mãe pelo próprio
Cristo no alto da Cruz (cf. Jo 19, 26-27). Por cerca de quinze anos cuidou ele
de Nossa Senhora — ou melhor, Nossa Senhora cuidou dele —, podendo dirigir-se a
Ela com a intimidade de um filho para Lhe fazer qualquer pergunta sobre os
ensinamentos e a vida de Jesus. E, é evidente, nenhuma questão apresentada
poderia constituir dificuldade para quem é a Sede da Sabedoria.
Além disso, antes de
ouvir as palavras do Evangelho de hoje, São João havia reclinado a cabeça sobre
o peito de Jesus, no início da Ceia, e escutado as sagradas pulsações de seu
adorável Coração (cf. Jo 13, 25). 0 efeito de tais prerrogativas transparece de
forma especial nos versículos comentados a seguir, cuja riqueza doutrinária, se
fosse analisada em toda a sua profundidade, preencheria anos de estudo
teológico.
Em primeiro lugar,
fixemos a atenção na breve frase introdutória:
Naquele tempo, Jesus ergueu os olhos ao céu e rezou, dizendo...
Quanta maravilha expressam
estas palavras! Aquele que é o próprio Deus ergue os olhos para rezar!
Dir-se-ia ser um gesto dispensável, e até supérfluo, pois a alma santíssima de
Jesus fora criada na visão beatífica. No entanto, quis Ele assim proceder, dentre
outras razões, para nos convencer da importância da exteriorização de nossa fé,
aspecto sobre o qual versarão alguns pontos desta prece.
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