Comentários ao Evangelho da Solenidade de São Pedro e São Paulo, Apóstolos (Missa da
Vigília) – 29 de Junho – Jo 21, 15-19
Jesus manifestou-Se aos seus discípulos 15 e depois de comer com eles,
perguntou a Simão Pedro: “Simão, filho de João, tu Me amas mais do que estes?”
Pedro respondeu: “Sim, Senhor, Tu sabes que eu Te amo”. Jesus disse: “Apascenta
os meus cordeiros”.
16 E disse de novo a Pedro: “Simão, filho de João, tu Me amas?” Pedro
disse: “Sim, Senhor, Tu sabes que eu Te amo”. Jesus disse-lhe: “Apascenta as
minhas ovelhas”. 17 Pela terceira vez, perguntou a Pedro: “Simão, filho de
João, tu Me amas?” Pedro ficou triste, porque Jesus perguntou três vezes se ele
O amava. Respondeu: “Senhor, Tu sabes tudo; Tu sabes que eu Te amo”. Jesus
disse-lhe: “Apascenta as minhas ovelhas. 18 Em verdade, em verdade te digo:
quando eras jovem, tu te cingias e ias para onde querias. Quando fores velho,
estenderás as mãos e outro te cingirá e te levará para onde não queres ir”. 19
Jesus disse isso, significando com que morte Pedro iria glorificar a Deus. E
acrescentou: “Segue-Me” (Jo 21, 15-19).
O amor deve sempre crescer
A pergunta de
Jesus a São Pedro —“Tu Me amas?” — é feita hoje a todo batizado, convidando a
crescer sempre na caridade a fim de que o Divino Amado viva em cada um.
I – A força da semente
Quem vê uma semente, sem
ter conhecimentos de botânica, não é capaz de prever o tipo de planta que dela
nascerá. Tanto mais que as sementes têm muita semelhança entre si. Não passam
de um grãozinho ou de um caroço, de tamanho minúsculo, se contrastadas com a dimensão
de uma árvore. Como descobrir o que está contido numa semente de sequoia, por
exemplo, ou na de um cedro do Líbano? Ao olhá-la não nos é dado ver a árvore, e
só conheceremos suas possibilidades de germinação algum tempo depois de lançada
na terra. Foi o que Nosso Senhor ensinou, ao dizer: “O Reino de Deus é
comparado a um grão de mostarda” (Mt 13, 31). Pequeniníssimo, ao ser
plantado brota dele um vegetal que costuma atingir três ou quatro metros de
altura, onde as aves do céu pousam e até fazem seus ninhos. Quem veria esses
efeitos na minúscula semente? Pois bem, da mesma forma, o Reino de Deus começa
a deitar suas raízes numa alma e se expande pelo mundo.
Primórdios da Igreja
Nessa perspectiva
devemos contemplar a Liturgia da Vigília da Solenidade de São Pedro e São
Paulo. A primeira leitura, dos Atos dos Apóstolos (3, 1-10), mostra o
desabrochar daquele diminuto grão de mostarda. Trata-se da cena de São Pedro
entrando no Templo com São João, onde encontram um paralítico que pede esmola.
Chama a atenção a curiosa resposta de São Pedro: “Olha para nós!” (At 3, 4).
Tal ordem não era apenas para serem vistos com os olhos carnais, mas indicava que
o enfermo precisava olhá-los com fé. Na expectativa de receber daqueles homens
de Deus algo que pudesse satisfazer inteiramente as suas necessidades, o
aleijado acolheu com confiança as palavras de São Pedro: “Não tenho ouro nem
prata, mas o que tenho eu te dou: em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te
e anda!”
(At 3, 6). A fórmula usada pelo Apóstolo deixa claro que é Nosso Senhor Jesus
Cristo quem faz o milagre, verdade que São Paulo também ressalta na Carta aos Gálatas
(1, 11-20), considerada na segunda leitura, em que ele mostra como aprendeu só
do Divino Mestre a doutrina que ensina.
Como um minúsculo grãozinho
de mostarda começando a se manifestar com vigor, vemos a Igreja, em seus
primórdios, crescer com força e esplendor em meio à perseguição, e cujo som,
como lembra o Salmo, “ressoa e se espalha em toda a Terra, chega aos confins do
universo a sua voz” (18, 5), pois tem a promessa de imortalidade sobre a qual
foi edificada por Cristo. Entretanto, constituída por criaturas humanas é
imperioso que estas também progridam individualmente, com vistas a beneficiar e
robustecer todo o Corpo Místico. Este é o ensinamento que o Evangelho de hoje
nos oferece.
II – A fé sem amor é morta
São Pedro possuía a virtude
da fé em tão alto grau, que foi o Apóstolo escolhido para proclamar a divindade
de Jesus: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo” (Mt 16, 16), merecendo em seguida
a resposta do Mestre: “Não foi a carne nem foi o sangue que te revelou isto,
mas meu Pai que está nos Céus” (Mt 16, 17). Contudo, chegada a hora de afirmar
que era discípulo de Jesus, quando no pátio do Pretório isso lhe foi perguntado
(cf. Lc 22, 56-60), Pedro O negou três vezes, porque se amava mais a si do que
a Nosso Senhor. E o amor quando é íntegro deve ir além, até mesmo, do instinto
de conservação, como diz Santo Agostinho: “Ninguém vence esta virtude. Nenhum
vaivém do mundo, nenhuma avenida da tentação extinguirá seu fogo. […] contra a
força avassaladora da caridade, nada pode o mundo”.1 Deste modo, ficou patente
a seus próprios olhos e diante de toda a História quão imperfeito era ainda seu
amor, apesar de já ser excelente a fé. Porém, ela não se
manifestara em obras, como deveria, e corria o risco de se extinguir (cf. Tg 2,
26).
A terceira aparição do Senhor ressuscitado
Os versículos que
antecedem o Evangelho desta Vigília narram o início da terceira aparição de
Nosso Senhor aos Apóstolos, depois da Ressurreição. O Espírito Santo não
descera ainda sobre eles, e embora já tivessem convivido com Cristo
ressurrecto, tivessem posto o dedo nas suas chagas para constatar sua
Ressurreição, até O tivessem visto comer, permaneciam ainda numa perspectiva mais
humana do que sobrenatural a respeito da missão do Messias. Haviam tido outras
comprovações que também constituíam um valioso auxílio para a fé. No entanto,
estavam desnorteados. Por isso voltaram à pesca, atividade que exerciam antes de
seguirem Jesus, o que poderia indicar um início de abandono da vocação.
Passaram a noite inteira lançando as redes sem nada conseguir pescar, e
certamente sentiram tristeza quando viram um freguês na margem e nenhum peixe
tinham para oferecer. Este lhes recomendou então que fizessem nova tentativa e
lançassem a rede do lado direito, ao que acederam para evitar que ele fosse
embora. A pesca foi tão abundante que bastou um sinal dado por São João, para
São Pedro entender que se tratava do Senhor, o que o levou a se atirar na água
para ir ao seu encontro. Jesus então os convida a comer pão e peixe e, nesse
momento, desenvolve-se o diálogo do trecho hoje contemplado.
O amor é condição para apascentar o rebanho de Cristo
Jesus manifestou-Se aos seus discípulos 15 e depois de comer com eles
perguntou a Simão Pedro: “Simão, filho de João, tu Me amas mais do que estes?”
Pedro respondeu: “Sim, Senhor, Tu sabes que eu Te amo”. Jesus disse: “Apascenta
os meus cordeiros”.
Naquele tempo, quando se
queria dar solenidade ao que ia ser dito a alguém, era invocado o nome do pai
do interlocutor, como modo de comprometer toda a sua ascendência: “Simão, filho
de João…”. À primeira vista, chama a atenção o fato de Nosso Senhor fazer a
pergunta registrada neste versículo. Desde toda a eternidade, enquanto Segunda
Pessoa da Santíssima Trindade, Ele viu o Príncipe dos Apóstolos, inclusive na
fase de vida espiritual em que se encontrava nesse instante. Sabia
perfeitamente que São Pedro tinha uma determinada disposição de alma e que O
amava mais do que todos os outros. Por que, então, o interroga?
Jesus julgava necessário
que este Apóstolo, de fato, O amasse mais para poder apascentar o rebanho,
porque só difunde paz e faz brotar a tranquilidade, o consolo e a alegria, quem
tem um amor vigoroso, já que, segundo São Tomás, “a caridade [...] é, por sua
própria razão, causa da paz”.2 E ante o problema apresentado por Nosso Senhor,
confrontando seu amor com o dos outros, São Pedro teve de fazer um exame de
consciência, rápido como um relâmpago, a respeito da intensidade de seu amor ao
Divino Mestre. No simples ato de refletir e responder, sua caridade cresceu,
levando-o em seguida a fazer o firme propósito de vencer seu amor-próprio e
amar mais a Nosso Senhor do que a si mesmo. Jesus pergunta, portanto, não para
ser informado — Ele que tudo conhecia! —, mas para benefício dos outros Apóstolos,
da História e do próprio São Pedro. Com efeito, para o amor deitar raízes e ter
autêntico valor, não basta um ato da vontade no fundo do coração; é preciso que
ele seja explícito e se manifeste publicamente, pois “a medida do amor são as obras”.3
Tendo São Pedro assim procedido, passou a estar em condições de apascentar os
cordeiros do aprisco de Cristo.
Nosso Senhor queria dar mais a Pedro
16 E disse de novo a Pedro: “Simão, filho de João, tu Me amas?” Pedro
disse: “Sim, Senhor, Tu sabes que eu Te amo”. Jesus disse-lhe: “Apascenta as
minhas ovelhas”.
Já era grande o amor de
São Pedro quando recebeu a ordem de apascentar os cordeiros, mas Jesus queria
do Apóstolo um amor mais fogoso, um progresso constante nesta virtude e, por
isso, o inquiriu uma segunda vez. Agora, porém, não repete a fórmula “mais do
que estes”, porque depois da primeira indagação São Pedro já estava diante da
perspectiva do amor que deve sempre aumentar, e ante sua resposta afirmativa
Nosso Senhor também ampliou o rebanho; não seriam apenas cordeiros, mas também
ovelhas. “Só Pedro” — comenta o padre Didon — “fica encarregado do rebanho, dos
cordeiros e das ovelhas, dos simples fiéis e dos pastores secundários: a ele
compete conduzi-los às pastagens de Cristo; e como as almas não se alimentam
senão da verdade de Deus, da força de Deus, do amor de Deus, a Pedro, o maior
dos pastores, cumpre comunicar-lhes a verdade pela doutrina, a força e o amor
pelos Sacramentos. Jesus confia-lhe a guarda destes tesouros incorruptíveis. A Igreja,
como poder hierárquico, está toda nele, de agora em diante. A palavra do Senhor
acaba de criá-la, num instante, na margem deste lago, em que tinha prometido a
Pedro fazer dele um pescador de homens”.4
Aproveitemos este
versículo para considerar ainda por que foi dado a Pedro mais amor. Embora ele
devesse aderir ao convite do Divino Mestre no sentido de confessar seu amor,
não imaginemos que tal crescimento tenha sido fruto de um esforço puramente
pessoal, parecido a um exercício físico que, pela simples repetição, robustece
a saúde. A perfeição da caridade é uma dádiva gratuita de Deus,5 e as graças
que a Providência concedeu a São Pedro, naquele momento, foram-lhe dadas com o
objetivo de consolidá-lo nessa virtude, não em benefício próprio, mas para
apoiar os outros. Isto mostra a grande relação existente entre o amor e o apostolado;
este último não se reduz a um método, pois é mister, em primeiro lugar, crescer
no amor para depois fazer o bem com eficácia.
Mais vale amar do que conhecer
17a Pela terceira vez, perguntou a Pedro: “Simão, filho de João, tu Me
amas?”
Chegados a este
versículo, no qual Jesus interroga a Pedro pela terceira vez sobre a mesma
matéria, cabe ressaltar o detalhe de Nosso Senhor não ter perguntado: “Pedro,
tu Me conheces?”, o que seria um absurdo. Todavia, não menos absurdo parece,
aparentemente, a indagação “Tu Me amas?”, já que se não O amasse Pedro não estaria
ali. Ora, apesar desse evidente amor, São Pedro negara três vezes o Divino
Mestre, e não o fizera porque O desconhecesse, mas porque, como acima foi dito,
fraquejara na caridade e cedera ao respeito humano, dando maior importância à
opinião dos outros que à de Nosso Senhor. Se, pelo contrário, O amasse
plenamente, com total entrega de si mesmo, não O teria negado e talvez tivesse morrido
ao lado de Cristo. Assim, no Calvário, não estariam apenas dois ladrões, um à
direita e outro à esquerda do Salvador, mas também o primeiro Pontífice, dando
exemplo de que se deve seguir Nosso Senhor Jesus Cristo até a Cruz. Jesus quis,
portanto, que essas faltas fossem reparadas por uma afirmação em sentido
contrário. De fato, apesar dessa debilidade, São Pedro já fora designado para
apascentar, ensinar, governar e santificar (cf. Mc 1, 17). Vemos, então, o
critério usado pelo Divino Mestre para a eleição do Chefe da Igreja: não chamou
o mais prudente, o mais habilidoso, ou o mais diplomático — pois sabemos que
São Pedro teve falhas nessas matérias —, mas quando o viu pela primeira vez,
Jesus o escolheu por ser o que mais amava, e lhe deu o nome de Pedro (cf. Jo 1,
42), porque Ele iria mais tarde dizer: “Sobre esta pedra edificarei a minha
Igreja” (Mt 16, 18). Em aramaico não há o feminino e o masculino para este substantivo;
pedra e Pedro são uma palavra de um só gênero,6 e, por conseguinte, pode
significar tanto uma coisa quanto outra. Concluímos, pois, que o requisito essencial
do Papado é o amor; e se Santo Agostinho chegou a afirmar: “Dilige, et quod vis
fac — Ama e faze o que queres”,7 poderíamos completar: “até mesmo ser Papa”!
Para selar a questão com
a autoridade do Doutor Angélico, 8 recorde-se que, baseado na obra Sobre a
Hierarquia Celeste de Dionísio Areopagita, ele explica que os Querubins mais
conhecem do que amam, enquanto os Serafins, proporcionalmente, amam mais do que
conhecem, razão pela qual estes últimos constituem o mais alto dos coros angélicos.
Não é difícil deduzir que o amor, no que diz respeito ao mérito, é superior ao
conhecimento.
Diante de Nosso Senhor nunca devemos nos entristecer
17b Pedro ficou triste, porque Jesus perguntou três vezes se ele O amava.
Surpreende-nos constatar
a tristeza de São Pedro ante a terceira pergunta de Jesus. Sem dúvida, tal dor
provinha do notório paralelo estabelecido entre as três negações e as três
afirmações que agora lhe eram exigidas. Esta lembrança, unida à insistência do
Mestre, deu a São Pedro a impressão de que o Senhor podia duvidar de seu amor,
causando-lhe pesar. Ora, sem que o fato diminua toda a veneração devida a São
Pedro, é evidente que ele não podia ter ficado triste. Sobretudo porque este
foi o meio empregado por Jesus para que o seu amor se dilatasse, e depois
porque ninguém deve se entristecer na presença de Nosso Senhor. O Divino Mestre
queria dele uma alma grande e um coração com toda a capacidade de amar. Apesar
de ser tal aptidão limitada em nós, torna-se passível de aumento quando é
infundida a virtude da caridade,9 que se robustece com a prática e pode ser
aperfeiçoada pelos dons do Espírito Santo, em particular o de sabedoria.
São Pedro corresponde ao convite
17c Respondeu: “Senhor, Tu sabes tudo; Tu sabes que eu Te amo”. Jesus
disse-lhe: “Apascenta as minhas ovelhas”.
São Pedro, denotando certa
aflição, respondeu como se dissesse: “Por que estas perguntas? Tu sabes tudo,
sabes inclusive das minhas negações, sabes agora das minhas afirmações. Tu sabes
que até quando eu Te neguei, eu ainda Te amava, pois o fiz por moleza e por não
ter suficiente amor. Sou um miserável, peço perdão. Senhor, sabes que eu Te
amo!”.
Seguir o Divino Mestre até as últimas consequências
18 “Em verdade, em verdade te digo: quando eras jovem, tu te cingias e
ias para onde querias. Quando fores velho, estenderás as mãos e outro te
cingirá e te levará para onde não queres ir”.
19 Jesus disse isso, significando com que morte Pedro iria glorificar a
Deus. E acrescentou: “Segue-Me”.
Por fim, só depois da
terceira pergunta Jesus entra no tema da morte de São Pedro, pois até mesmo esta
serviria para a glorificação de Deus. Nosso Senhor já havia passado pela
Crucifixão, pelo que podemos inferir que o Apóstolo entendeu perfeitamente o
sentido do que lhe estava sendo dito. Era indispensável que, diante da
perspectiva deste Novíssimo, ele tivesse já a disposição de alma de seguir o
caminho trilhado pelo Mestre, segundo sua vontade, e de abraçar o martírio,
correspondendo ao sacrifício que Jesus oferecera por ele. “Com efeito” —
comenta Santo Agostinho —, “era preciso isto: que primeiro morresse Cristo pela
salvação de Pedro, depois Pedro pela pregação de Cristo”.10
Ao proceder desta forma,
Jesus indica esperar grande flexibilidade daqueles que O servem, para realizar
todos os seus desígnios: Ele poderá fazer de cada um de nós o que quiser, mandar-nos
para qualquer lugar, reservar-nos o tipo de morte que mais lhe aprouver. São
Pedro, naquela ocasião, ao escutar a predição do Divino Mestre sobre as circunstâncias
do seu martírio, já se preparava para ele pela simples consideração dessa possibilidade.
Ali começava a luta contra si mesmo para vencer o medo. Nesse duelo interior entre
o instinto de conservação e o amor e a obediência a Jesus, Nosso Senhor, ele
recebeu este preceito: “Segue-Me”. Ou seja: “Eu fiz isto por ti. Agora quero que
o faças por Mim. Segue-Me”.
III – Uma ordem para todos os séculos
No Evangelho desta Solenidade
transparece, mais uma vez, o desejo que Nosso Senhor tem de nos deixar, nesta Terra,
alguém que esteja totalmente ligado a Ele como o seu máximo representante. Ao
dizer: “Apascenta as minhas ovelhas”, Jesus entrega o seu rebanho aos cuidados
de um Pontífice a quem assiste de maneira direta: “Tudo o que ligardes sobre a
Terra será ligado no Céu, e tudo o que desligardes sobre a Terra será também
desligado no Céu” (Mt 18, 18). Com isso, Ele mantém aceso um farol a nos guiar
no caminho certo, mas antes quis que esse Pontífice atingisse uma plenitude de
amor. Pode acontecer que passemos a noite pescando sem nada conseguir, para
ficar patente nossa insuficiência; porém, se Nosso Senhor intervier, tudo
estará resolvido.
As palavras que São
Pedro escutou dos lábios do Redentor ecoam pelos séculos afora nos ouvidos de
todos aqueles que foram chamados, pelo Batismo, a ser outros Cristos. Através
deste Sacramento recebemos uma marca indelével, que nunca mais sairá de nossa
alma. Assim como São Pedro aceitou a voz de comando de Nosso Senhor — a qual não
é um convite ou uma simples indicação, mas um preceito —, o caráter do Batismo
exige, também de nós, uma aceitação: sermos tal como Ele é, renunciando a
qualquer resquício de um espírito que não seja o d’Ele.
Essa ordem vem do Criador
do universo, d’Aquele cuja palavra é lei. Não significa necessariamente que
devemos morrer como Ele, mas que temos de imitar a vida d’Ele, tomá-la como padrão
e transferi-la para a nossa existência nos dias de hoje. Se só a fé não foi
suficiente para o primeiro Papa, aquele sobre o qual a Igreja foi erigida,
bastaria para nós? A ele, Nosso Senhor perguntou três vezes para fazê-lo
crescer no amor, antes mesmo da descida do Espírito Santo, e também como
símbolo do que nos sussurra a todo instante: “Tu Me amas?”. A nós cabe, pois, responder
com determinação: “Sim, Senhor, Vós sabeis que eu Vos amo!”. Deste modo, de consentimento
em consentimento, tornar-nos-emos labaredas de amor por Ele, pois sem a
caridade a nossa fé é morta.
O amor dos dois Apóstolos na hora da morte
Nessa linha fulgura o
exemplo de São Paulo, pela facilidade com que ele caminhou para a morte, sem se
queixar, sem levantar objeções, sem revolta. No fim da vida ele proclama: “Combati
o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé” (II Tim 4, 7); e por
fim entrega a alma a Deus com alegria, dando a máxima prova de seu grande amor
a Deus. São Pedro andou nas vias da caridade, sobretudo depois de Pentecostes, e,
ao chegar o momento de estender as mãos e ser cingido por outro, não quis ser
crucificado como Nosso Senhor, mas, sim, de cabeça para baixo, segundo conta a tradição,
por se julgar indigno de morrer da mesma forma que seu Mestre. O Papa São
Clemente I comenta: “Por emulação e inveja foram perseguidos os que eram as
máximas e justíssimas colunas da Igreja, e sustentaram o combate até a morte.
Coloquemos os Santos Apóstolos ante nossos olhos. A Pedro, que, por iníqua
rivalidade, teve de suportar não um nem dois, mas muitos outros trabalhos. E
depois de dar seu testemunho desta maneira, partiu para o lugar de glória que
lhe era devido”.11
É este amor que transpõe
os umbrais da eternidade. A fé se dilui no portal do Céu e transforma-se em
visão, a esperança se desvanece diante da realização, o amor, entretanto, passa
robusto e brilhante para a visão beatífica, se estabelece em sua plenitude e
permanece, pois “a caridade jamais acabará” (I Cor 13, 8). A exemplo de São
Pedro, esse amor será vigoroso até em idade avançada, pois o Chefe da Igreja
não se estagnou no grau de caridade que atingira, mas progrediu sempre; e à
hora da morte, encontrava-se no auge do seu entusiasmo.
Nunca amar de maneira estável
Amemos a Nosso Senhor
Jesus Cristo mais do que a nós mesmos, não de maneira estável, mas em
ininterrupto aumento. A cada manhã, ao acordarmos, nosso amor deve ser maior
que o do dia anterior, realizando com mais empenho os atos da vida cotidiana.
Ouvindo a pergunta de Jesus: “Tu Me amas?”, responderemos: “Senhor, eu Vos amo
com toda a minha alma, mas dilatai minha capacidade de amar, porque quero amar
mais”. Esse amor faz com que o Divino Amado viva em quem O ama e a sua
mentalidade assuma a nossa, tornando-nos completamente submissos à vontade
d’Ele. Se formos fiéis, chegaremos a uma situação parecida com a de Santa Teresa
de Ávila,12 que dizia padecer com o peso do corpo, pois este a impedia de viver
apenas sob o impulso da caridade, como seria o seu desejo.
Façamos crescer a semente posta em nossas almas
Assim como o nosso corpo
cresce e se mantém pela alimentação — caso contrário caminha para a morte —,
também a vida sobrenatural do homem se sustenta de amor. Eis o segredo da
germinação da graça, pois a ação de Deus torna-se mais fértil e pujante pela
caridade. Foi pelo amor dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo a Nosso Senhor, à
sua vocação, somando-se mais tarde o apostolado, que a voz de Cristo passou a
ressoar e se espalhar por todo o universo. Também nós somos chamados a amar,
convictos de que temos de propagar este amor e esta voz, que é a voz de Deus,
fazendo-a ecoar por todo o orbe.
São Pedro e São Paulo
estão no Céu intercedendo por nós. Recorramos a eles, pedindo que nesta Vigília
nos obtenham, a rogos de Nossa Senhora, graças que nos assumam por inteiro e
transformem nossas almas em chamas vivas de amor, para proclamar por todo o
mundo a Boa-nova do Evangelho. Desta forma será possível dizer, em certo
momento, que o Espírito de Deus desceu à Terra e a sua face foi renovada.
1) SANTO AGOSTINHO. Enarratio in psalmum XLVII,
n.13. In: Obras. Madrid: BAC, 1965, v.XX, p.154-155.
2) SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica.
II-II, q.29, a.3, ad 3.
3) SANTO AGOSTINHO. De
Trinitate. L.VIII, c.7, n.10. In: Obras. 3.ed. Madrid:
BAC, 1956, v.V, p.527.
4) DIDON, OP, Henri-Louis. Jésus Christ. Paris: Plon, Nourrit et Cie,
1891, p.807.
5) Cf. SÃO TOMÁS DE
AQUINO, op. cit., q.24, a.3.
6) Cf. FILLION,
Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Infancia y Bautismo. Madrid:
Rialp, 2000, v.I, p.328-329; LAGRANGE, OP, Marie-Joseph. Évangile selon Saint Matthieu. 4.ed. Paris: J. Gabalda, 1927, p.323-325;
RICCIOTTI, Giuseppe. Vita
di Gesù Cristo. 14.ed. Città del Vaticano: T. Poliglotta Vaticana, 1941, p.322.
7) SANTO AGOSTINHO. In
Epistolam Ioannis ad Parthos tractatus decem. Tractatus VII, n.8. In: Obras.
Madrid: BAC, 1959, v.XVIII, p.304.
8) Cf. SÃO TOMÁS DE
AQUINO, op. cit., I, q.108, a.5, ad 5; a.6. São Tomás afirma que se o objeto é
inferior ao sujeito, mais vale conhecer do que amar; mas se o objeto é superior
ao sujeito, mais vale amar do que conhecer (cf. Idem, a.6, ad 3).
9) Cf. Idem, II-II,
q.24, a.2.
10) SANTO AGOSTINHO. In
Ioannis Evangelium. Tractatus CXXIII, n.4. In: Obras. Madrid: BAC, 2009,
v.XIV, p.948.
11) SÃO CLEMENTE I.
Primeira carta aos coríntios, V, 2-4. In: RUIZ BUENO,
Daniel (Ed.). Padres
Apostólicos. 5.ed. Madrid: BAC, 1985, p.182.
12) Cf. SANTA TERESA DE
JESUS. Cuentas de conciencia, 54ª, 15. In: Obras Completas. 4.ed. Madrid: BAC,
1974, p.483-484.
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