Evangelho XIX Domingo do Tempo Comum – Ano C - Lc 12, 32-48
Naquele tempo,
disse Jesus a seus discípulos: 32“Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi
do agrado do Pai dar a vós o Reino. 33 Vendei vossos bens e dai esmola. Fazei
bolsas que não se estraguem, um tesouro no céu que não se acabe; ali o ladrão
não chega nem a traça corrói. 34 Porque, onde está o vosso tesouro, aí estará
também o vosso coração.
35Que vossos rins
estejam cingidos e as lâmpadas acesas. 36Sede como homens que estão esperando
seu senhor voltar de uma festa de casamento, para lhe abrirem, imediatamente, a
porta, logo que ele chegar e bater.
37Felizes os
empregados que o Senhor encontrar acordados quando chegar. Em verdade eu vos
digo: Ele mesmo vai cingir-se, fazê-los sentar à mesa e, passando, os servirá.
38E caso ele chegue à meia-noite ou às três da madrugada, felizes serão, se
assim os encontrar.
39Mas ficai
certos: se o dono da casa soubesse a hora em que o ladrão iria chegar, não
deixaria que arrombasse a sua casa. 40Vós também, ficai preparados! Porque o
Filho do Homem vai chegar na hora em que menos o esperardes”.
41Então Pedro
disse: “Senhor, tu contas esta parábola para nós ou para todos?”
42 E o Senhor
respondeu: “Quem é o administrador fiel e prudente, que o senhor vai colocar à
frente do pessoal de sua casa, para dar comida a todos na hora certa? 43 Feliz o
empregado que o patrão, ao chegar, encontrar agindo assim! 44 Em verdade eu vos
digo: o senhor lhe confiará a administração de todos os seus bens. 45 Porém, se
aquele empregado pensar: ‘Meu patrão está demorando’, e começar a espancar os
criados e as criadas, e a comer, a beber e a embriagar-se, 46 o senhor daquele
empregado chegará num dia inesperado e numa hora imprevista, ele o partirá ao
meio e o fará participar do destino dos infiéis. 47 Aquele empregado que,
conhecendo a vontade do Senhor, nada preparou, nem agiu conforme a sua vontade,
será chicoteado muitas vezes. 48 Porém, o empregado que não conhecia essa
vontade e fez coisas que merecem castigo, será chicoteado poucas vezes. A quem
muito foi dado, muito será pedido; a quem muito foi confiado, muito mais será
exigido!”
Um
cofre sem fechadura de nada vale. Assim também, uma alma sem vigilância fica à
mercê do inimigo. Por isso Jesus insiste tanto nesta virtude, à qual deve
sempre complementar uma autêntica piedade.
I - Virtude da Vigilância
"Vigiai e orai para que não
entreis em tentação" (Mt 26,
41), disse o Senhor aos três Apóstolos que mais de perto O acompanhavam na
oração no Horto das Oliveiras, na noite em que ia ser entregue. Por mais que o
espírito esteja pronto, a carne é fraca, afirmou Ele logo a seguir.
E de fato, a História confere realidade a esta afirmação de Jesus: não poucas almas facilmente perdem o fervor e caem na tibieza, e às vezes até mesmo em pecados graves, por puro descuido. A tal ponto não nos basta somente a oração que a recomendação do Salvador se inicia pela vigilância. Assim como numa fortaleza, havendo uma brecha desguarnecida em sua muralha, por ali penetra o inimigo, da mesma forma o demônio espreita os lados mais débeis de nossa alma para nos atacar e derrotar.
E de fato, a História confere realidade a esta afirmação de Jesus: não poucas almas facilmente perdem o fervor e caem na tibieza, e às vezes até mesmo em pecados graves, por puro descuido. A tal ponto não nos basta somente a oração que a recomendação do Salvador se inicia pela vigilância. Assim como numa fortaleza, havendo uma brecha desguarnecida em sua muralha, por ali penetra o inimigo, da mesma forma o demônio espreita os lados mais débeis de nossa alma para nos atacar e derrotar.
Por isso nos adverte
São Pedro: "Sede sóbrios e vigiai. Vosso adversário, o
demônio, anda ao redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem
devorar" (1 Pd 5, 8).
Relação com a prudência
Essa vigilância tem suas raízes na
virtude cardeal da prudência. "A prudência não se
esconde, mas vela com uma diligência admirável, tal é o medo que tem de ser
surpreendida pelas secretas insídias dos maus" (1).
São Tomás de Aquino deixa claro que,
se a prudência é a virtude que tanto rege a vida moral e espiritual do homem,
como também a vida exterior e humana, é claro que a vigilância adquire um lugar
importante em nossa vida espiritual e moral (2).
Na prática dessa virtude vamos de
encontro ao zelo de Deus por nossa perseverança, pois Ele nos envia seus
anjos "para que nos guardem em todos os nossos caminhos" (Sl
90, 11). Deus "mantém sobre nós, incansável e solícito, aquele singular
olho alerta da clemência divina" (3).
Zelo pela salvação da própria alma
Deus criou todas as coisas perfeitas
e boas, não podendo proceder d'Ele o mal. Os anjos revoltados, logo no
princípio da criação e lançados ao inferno por São Miguel, foram os
introdutores do mal já no Paraíso Terrestre e, até hoje, ainda procuram fazê-lo
penetrar no âmago das almas. "Aquele que combate Israel
não dorme nem dormita. Todo o intuito, todo o afã das milícias espirituais em
sua guerra contra nós é o de conduzir- nos e pôr-nos em seu caminho para que as
sigamos e nos levem ao desastroso fim que lhes está destinado" (4).
Essa é uma das razões pelas quais devemos cuidar de
nossas almas em quaisquer circunstâncias de nossa existência, quer seja na
calmaria da clausura de um convento contemplativo, ou na mais intensa das
atividades no mundo.
Daí o conselho deixado como herança por nossa
Doutora, Santa Teresinha do Menino Jesus : "Vós vos dedicais em excesso às
vossas ocupações; vossos afazeres vos preocupam demasiadamente. Li há tempos
que os israelitas construíam as muralhas de Jerusalém trabalhando com uma das
mãos e empunhando na outra a espada. Eis aqui uma imagem do que devemos fazer:
trabalhar apenas com uma mão, reservando a outra para defender nossa alma dos
perigos que possam impedir a união com Deus" (5).
Insistem os tratados de vida espiritual num ponto de suma importância: evitar a ociosidade. "Costumavam dizer os Padres do deserto: Que o demônio te encontre sempre ocupado". E contam que Santo Antão, quando se queixou de que não conseguia estar continuamente em oração, recebeu esta resposta do Céu: "Quando não puderes orar, trabalha" (6).
Insistem os tratados de vida espiritual num ponto de suma importância: evitar a ociosidade. "Costumavam dizer os Padres do deserto: Que o demônio te encontre sempre ocupado". E contam que Santo Antão, quando se queixou de que não conseguia estar continuamente em oração, recebeu esta resposta do Céu: "Quando não puderes orar, trabalha" (6).
É circunscrito às considerações sobre a virtude da
vigilância que se desenvolve o trecho do Evangelho do 19º Domingo do Tempo
Comum, tomando como base três parábolas apresentadas por Jesus. A exortação
contida nesses versículos de Lucas também é encontrada em Mateus e Marcos.
Estes dois últimos colocam-na ao término do "discurso escatológico",
enquanto Lucas, talvez por querer acentuar o caráter moral da mesma, acaba por
localizá-la numa seqüência diferente.
II - Exortações de Jesus aos Discípulos
32 Não temais, ó
pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o Reino.
Logo após a parábola do rico
insensato (vs. 16-21), Lucas encadeia uma série de conselhos do Divino Mestre
sobre a necessidade de antes - e acima de tudo - buscar-se o Reino de Deus e
sua justiça, pois, assim procedendo, o resto nos será dado por acréscimo.
Porém, dada a força de nossa concupiscência, os sentidos dificultam a prática destes
conselhos, por mais sapienciais que sejam. A doutrina convence, mas "a
carne é fraca". Justamente nesse ponto se concentra o temor: como
abandonar- nos nas mãos da Divina Providência? Daí a ênfase deste "não
temais".
A "pequenina grei" dos
escolhidos
Além disso, confere-lhes o título de
"pequenino rebanho", figura que com certa freqüência encontramos ao
percorrer as páginas do Antigo Testamento, dado o caráter pastoril da sociedade
nesse longo período histórico.
Sobre o porquê desse título dado aos discípulos,
múltiplas são as hipóteses entre os autores. Teofilato assim comenta:
"O Senhor chama de pequenino rebanho àqueles que querem ser seus
discípulos, seja pelo motivo de, nesta vida, os santos parecerem pequenos, em
virtude de sua pobreza voluntária, seja pelo fato de serem superados pela
multidão dos anjos, cujo número é incomparavelmente maior" (7).
Beda analisa o referido título debaixo de outro
prisma: "O Senhor denomina também de pequenina grei os escolhidos,
comparando-os com o número maior de réprobos ou, mais ainda, por seu amor à
humildade" (8).
Na realidade, a Igreja nascente era minúscula em porte, número e força, não passava ela de um grãozinho de mostarda. Aqueles poucos não deveriam temer que lhes viesse a faltar o necessário para sua subsistência própria, pois o Pai, por um efeito de seu amor gratuito, lhes havia concedido o seu Reino. Que Pai e que Reino! É Ele o próprio Deus e Soberano Senhor, onipotente e absoluto, para o qual não há obstáculo capaz de impedi- Lo na determinação de suas vontades.
Não se trata de um reino terreno: "Meu Reino não é deste mundo" (Jo 18, 36), disse Jesus a Pilatos. Se fosse um reino em qualquer parte da terra, estaríamos sôfregos por recebê- lo o quanto antes e empreenderíamos todos os esforços para possuílo. Este Reino é eterno e celestial. Por isso é indispensável a esse "pequenino rebanho" ter uma plenitude de reciprocidade em relação a tão dadivoso Pai. Jesus nos dá a garantia de sua palavra absoluta. "Manifesta a razão pela qual não devem temer, acrescentando: ‘porque agradou a vosso Pai', etc. Como se dissesse: ‘Como deixará de ser clemente convosco Aquele que dá graças tão extraordinárias?' Mesmo sendo pequenino esse rebanho (por sua natureza, seu número e sua glória), a bondade do Pai lhe concedeu o destino dos espíritos celestiais, isto é, o Reino dos Céus" (9).
É belo o comentário de Maldonado à segunda parte deste versículo: "Cada uma dessas palavras tem especial sentido e doçura. Diz ‘agradou', mostrando a particular benevolência e liberalidade de Deus para com eles; diz ‘a vosso Pai', chamando Deus de pai deles, o qual, enquanto pai, não pode esquecer-sede seus filhos (Is 49, 15); acrescenta: ‘dar-vos', como a filhos e herdeiros seus, ‘o Reino', ou seja, o reino celestial e eterno, não o terreno e temporal" (10).
Na realidade, a Igreja nascente era minúscula em porte, número e força, não passava ela de um grãozinho de mostarda. Aqueles poucos não deveriam temer que lhes viesse a faltar o necessário para sua subsistência própria, pois o Pai, por um efeito de seu amor gratuito, lhes havia concedido o seu Reino. Que Pai e que Reino! É Ele o próprio Deus e Soberano Senhor, onipotente e absoluto, para o qual não há obstáculo capaz de impedi- Lo na determinação de suas vontades.
Não se trata de um reino terreno: "Meu Reino não é deste mundo" (Jo 18, 36), disse Jesus a Pilatos. Se fosse um reino em qualquer parte da terra, estaríamos sôfregos por recebê- lo o quanto antes e empreenderíamos todos os esforços para possuílo. Este Reino é eterno e celestial. Por isso é indispensável a esse "pequenino rebanho" ter uma plenitude de reciprocidade em relação a tão dadivoso Pai. Jesus nos dá a garantia de sua palavra absoluta. "Manifesta a razão pela qual não devem temer, acrescentando: ‘porque agradou a vosso Pai', etc. Como se dissesse: ‘Como deixará de ser clemente convosco Aquele que dá graças tão extraordinárias?' Mesmo sendo pequenino esse rebanho (por sua natureza, seu número e sua glória), a bondade do Pai lhe concedeu o destino dos espíritos celestiais, isto é, o Reino dos Céus" (9).
É belo o comentário de Maldonado à segunda parte deste versículo: "Cada uma dessas palavras tem especial sentido e doçura. Diz ‘agradou', mostrando a particular benevolência e liberalidade de Deus para com eles; diz ‘a vosso Pai', chamando Deus de pai deles, o qual, enquanto pai, não pode esquecer-sede seus filhos (Is 49, 15); acrescenta: ‘dar-vos', como a filhos e herdeiros seus, ‘o Reino', ou seja, o reino celestial e eterno, não o terreno e temporal" (10).
"Vendei o que possuís", um
conselho de Jesus
33 Vendei o que possuís e dai esmolas;
fazei para vós bolsas que não envelhecem, um tesouro inesgotável no Céu, onde
não chega o ladrão, nem a traça corrói. 34 Porque onde está o vosso tesouro, aí
estará também o vosso coração.
No início do Cristianismo, era comum
os primeiros fiéis seguirem à risca este conselho e, ainda hoje, encontram- se
alguns casos nessa linha. Ele, em sua essência, incide sobre dois pontos:
- Em primeiro lugar, nossa
propriedade se constitui não só de bens materiais ou riquezas, mas também de
toda sorte de possíveis apegos: ciência, erudição, amizade, comodidades,
prazeres lícitos (e mais intensamente ainda os ilícitos, quando a eles nos
entregamos), etc. Quanto mais desapegado esteja nosso coração dos objetos
terrenos, quer sejam do espírito, quer da matéria, tanto mais gozaremos da
felicidade no tempo e incomensuravelmente mais na eternidade.
- Um segundo ponto diz respeito à obrigatoriedade, sim ou não, de vender o que se possui e dar esmolas. Poderíamos a este propósito levantar, com Maldonado, a seguinte pergunta: "Como, porém, aqui Cristo manda a todos, em geral, vender tudo o que têm e dar aos pobres, sendo que em outra passagem (Mt 19, 21) aconselha isso só àqueles que querem ser perfeitos? A resposta não é difícil: ou aqui Ele fala apenas aos discípulos, os quais queriam ser perfeitos, ou, se fala a todos os cristãos, refere-se à disposição de espírito, como dizem os teólogos. Porque, embora não seja a todos necessário vender tudo quanto tenham, deve-se, isto sim, enquanto cristão, ter a disposição de espírito de vender todos os seus bens, se for preciso, para não perder Cristo" (11).
- Um segundo ponto diz respeito à obrigatoriedade, sim ou não, de vender o que se possui e dar esmolas. Poderíamos a este propósito levantar, com Maldonado, a seguinte pergunta: "Como, porém, aqui Cristo manda a todos, em geral, vender tudo o que têm e dar aos pobres, sendo que em outra passagem (Mt 19, 21) aconselha isso só àqueles que querem ser perfeitos? A resposta não é difícil: ou aqui Ele fala apenas aos discípulos, os quais queriam ser perfeitos, ou, se fala a todos os cristãos, refere-se à disposição de espírito, como dizem os teólogos. Porque, embora não seja a todos necessário vender tudo quanto tenham, deve-se, isto sim, enquanto cristão, ter a disposição de espírito de vender todos os seus bens, se for preciso, para não perder Cristo" (11).
Dar na terra para receber no Céu
Ainda uma palavra sobre os benefícios
recebidos por quem dá esmolas. De si, mais lucra quem dá do que quem
recebe: "É maior ventura dar, que receber" (At 20, 35).
"Não há pecado que a esmola não possa apagar. Contudo, a esmola não se faz
apenas com dinheiro, mas também pelas obras, como quando alguém protege um
outro, quando um médico cura ou quando um sábio aconselha" (12).
Daí ser um inesgotável tesouro no Céu nossa riqueza distribuída aos necessitados, aqui na terra. As virtudes praticadas diante de Deus para prestar- Lhe culto e louvor, as boas obras, os conselhos dados a outros, o instruir, orar pelos aflitos e necessitados, como também dar esmolas, constituem um tesouro no Céu. Nessa categoria se incluem: a invocação aos santos, a confiança em sua intercessão, a freqüência aos Sacramentos, como também todo ato de piedade e qualquer obra santa.
Daí ser um inesgotável tesouro no Céu nossa riqueza distribuída aos necessitados, aqui na terra. As virtudes praticadas diante de Deus para prestar- Lhe culto e louvor, as boas obras, os conselhos dados a outros, o instruir, orar pelos aflitos e necessitados, como também dar esmolas, constituem um tesouro no Céu. Nessa categoria se incluem: a invocação aos santos, a confiança em sua intercessão, a freqüência aos Sacramentos, como também todo ato de piedade e qualquer obra santa.
Voltar o coração para os tesouros
eternos
Pelos costumes da época, a bolsa para
moedas era de uso comum aos homens e às mulheres. Tratava-se de peças de tecido
que, apesar de reforçadas, poderiam vir a desgastar-se com o tempo ou ser
danificadas pela traça, ficando assim em risco seu conteúdo. Bem pior era a
situação, quando a habilidade de algum ladrão fazia desaparecer essas bolsas de
seu lugar habitual, para ali não mais retornarem.
Pela força de sua própria natureza, não pode o homem deixar de buscar a felicidade, quer seja neste mundo, quer na eternidade, onde ele coloca o objetivo de seus anseios. Abandonado às inclinações de sua concupiscência, ele se entregará às volúpias da matéria e nela colocará o seu coração.
Pela força de sua própria natureza, não pode o homem deixar de buscar a felicidade, quer seja neste mundo, quer na eternidade, onde ele coloca o objetivo de seus anseios. Abandonado às inclinações de sua concupiscência, ele se entregará às volúpias da matéria e nela colocará o seu coração.
O exemplo de Maria
Foi Maria quem, de dentro de nossa
natureza, elevou sua alma virginal a engrandecer o Senhor e a fazer d'Ele seu
tesouro. De sua fidelidade nasceu uma nova raça que São Luís Grignion de
Montfort denomina "a raça da Virgem", raça esta que constitui o calcanhar da Soberana Senhora, chamada a esmagar a
cabeça da serpente. Ela nos ensina a, desta terra, fazer uma escola
preparatória para o Céu, pois os tesouros aqui perecem, são vis, freqüentemente
nos degradam, afligem e nos empobrecem. A morte no-los arranca das mãos, de maneira
implacável.
O oposto se dá com
os tesouros do Céu: eles nos enobrecem, consolam e nos asseguram uma eternidade
feliz. A própria morte nos confere a posse irreversível destes bens.
III - "Estejam cingidos os voss os
rins e acesas as voss as lâmpadas"
35 Estejam cingidos os vossos rins e
acesas as vossas lâmpadas. 36 Fazei como os homens que esperam o seu senhor
quando volta das núpcias, para que, quando vier e bater à porta, logo lha
abram. 37 Bemaventurados aqueles servos, a quem o senhor quando vier achar
vigiando. Na verdade vos digo que se cingirá, os fará pôr à sua mesa e,
passando por entre eles, os servirá. 38 Se vier na segunda vigília, ou na
terceira, e assim os encontrar, bemaventurados são aqueles servos.
Sem uma ilação muito precisa, São
Lucas passa a reproduzir duas parábolas afins quanto à sua substância. A
primeira delas está contida nestes quatro versículos. Ambas são precedidas por
uma incisiva recomendação do Divino Mestre: a necessidade de manter cingidos os
rins, como também de conservar acesas as lâmpadas.
Simbolismo do ato de cingir-se e das
lâmpadas acesas
Conforme nos descrevem as próprias
Escrituras Sagradas (cf. Ex 12, 11; 17, 13), os hebreus - e em geral os
orientais - procuravam por meio de um cíngulo atado à cintura recolher um pouco
suas longas túnicas, tanto para, desta forma, poderem caminhar com mais
desenvoltura, como também para facilitar o serviço à mesa.
Porém, o conhecimento destes costumes levanta uma perplexidade para a perfeita compreensão do significado do simbolismo das figuras empregadas pelo Salvador, nesta passagem: por que devem os servidores colocar- se em situação de viagem se estão apenas aguardando o retorno do senhor da casa? Ademais, qual a razão de encontrarem-se dispostos a servir à mesa quando o senhor chegaria satisfeito pelo que comera na festa?
Porém, o conhecimento destes costumes levanta uma perplexidade para a perfeita compreensão do significado do simbolismo das figuras empregadas pelo Salvador, nesta passagem: por que devem os servidores colocar- se em situação de viagem se estão apenas aguardando o retorno do senhor da casa? Ademais, qual a razão de encontrarem-se dispostos a servir à mesa quando o senhor chegaria satisfeito pelo que comera na festa?
Essas dificuldades são inteiramente
superadas pela real explicação das minúcias dos costumes orientais daqueles
tempos. Como já vimos anteriormente, eles usavam túnicas bem folgadas, que
chegavam até os pés. Ora, para caminhar ou para o serviço, era indispensável
recolher as extremidades da vestimenta, retendo-a e tornado mais curta sua
extensão mediante um cíngulo bem ajustado à cintura.
Por sua vez, esse cingir de rins
fazia parte também da boa compostura e educação, sobretudo para receber ou
servir alguém de categoria superior. Dentro da própria casa podia-se estar à
vontade na intimidade familiar, deixando de usar o turbante, o calçado e também
o cíngulo. Descalço, sem cobertura e, sobretudo, com roupa solta, era a nota
comum de intimidade, de despreocupação e até de um certo relaxamento. Ora, é
justamente essa a nota inconveniente a ostentar diante do senhor que chega da
festa.
Quanto à figura das lâmpadas, torna- se fácil sua compreensão se nos reportarmos à parábola das virgens prudentes e das virgens loucas (cf. Mt 25, 1-13). "Quando o dono da casa chega de noite, costumam os criados ir à sua frente com tochas acesas. Assim quer Cristo que façamos também nós. As tochas acesas significam que devemos ter tudo preparado para receber Cristo no dia do Juízo, de modo a não termos nada a pôr em ordem naquela ocasião. Haverá coisa mais simples do que, quando o dono bata à porta, acender a luz necessária? Ora, até isto quer o Senhor que esteja já feito antes de sua chegada. Pois, além de que ele não esperaria até o outro acender a tocha, essa espera seria indecorosa e inadequada à dignidade do dono da casa" (13).
A chegada do Senhor
Em seguida (v. 36) começa,
propriamente dita, a primeira parábola. Em seus detalhes percebe-se ultrapassar
a realidade. Trata-se de uma alegoria, pois,
para receber o senhor, não seria necessário estar desperta toda a criadagem.
Tanto mais que é sempre de conhecimento certo a hora de saída para uma festa,
mas não a de retorno, a qual, aliás, não costuma ser cedo.
No relacionamento
humano normal não se daria jamais um fato como o descrito nos versículos acima.
Nenhum senhor exigiria de seus servos - nem sequer naqueles tempos - que
esperassem, em vigília, a sua volta de uma festa. Quando muito - e aqui se
compreende - o porteiro. Ademais, encontrando-os todos acordados, depois de um
cumprimento, determinaria que fossem dormir, mas jamais os colocaria a servir à
mesa, sobretudo em horas tão avançadas.
Diante dessa pluralidade de inusitados, discerne-se claramente que essas exceções só podem se verificar no plano sobrenatural da graça de Deus: "Serei Eu mesmo a tua recompensa demasiadamente grande" (Gn 15, 1). "O significado verdadeiro e completo é que se, ao chegar, Cristo nos encontrar vigilantes e preparados pelas boas obras, Ele nos fará como senhores no Céu, porque comeremos e beberemos como tais na mesa do seu Reino" (14).
A insistência sobre uma possível segunda ou terceira vinda do senhor visa, evidentemente, reforçar a grande necessidade de estarmos vigilantes.
Diante dessa pluralidade de inusitados, discerne-se claramente que essas exceções só podem se verificar no plano sobrenatural da graça de Deus: "Serei Eu mesmo a tua recompensa demasiadamente grande" (Gn 15, 1). "O significado verdadeiro e completo é que se, ao chegar, Cristo nos encontrar vigilantes e preparados pelas boas obras, Ele nos fará como senhores no Céu, porque comeremos e beberemos como tais na mesa do seu Reino" (14).
A insistência sobre uma possível segunda ou terceira vinda do senhor visa, evidentemente, reforçar a grande necessidade de estarmos vigilantes.
Necessidade da vigilância
39 Sabei que, se o pai de família
soubesse a hora em que viria o ladrão, vigiaria sem dúvida e não deixaria
arrombar a sua casa.
Este versículo não traz nenhuma
dificuldade de interpretação, pois todo ladrão busca uma ocasião fácil para sua
ação e não deseja ser percebido. Em face desta prerrogativa, o dono da casa,
sabendo a hora em que se daria o roubo, estaria à espreita para impedi-lo.
Assim também nós, pervadidos da certeza de que o Juiz Supremo virá, mas não
sabendo em que momento, devemos estar vigilantes ininterruptamente para não
sermos apanhados de surpresa à sua chegada.
40 Vós, pois, estai preparados porque,
na hora que menos pensais, virá o Filho do Homem.
Os servidores vigilantes nos
proporcionam o conhecimento do prêmio imerecido que nos aguarda se, tal como o
fizeram eles, procedermos também nós, amando sem limites o Senhor, e se em
razão desse amor guardarmos sua palavra e observarmos os seus mandamentos. Ao
retornar o Salvador, Ele nos servirá. Por outro lado, o mestre vigilante nos
incita a sermos cuidadosos em evitar nosso encontro com o Senhor numa
circunstância desfavorável, por falta de vigilância. São dois conselhos
harmônicos e fundamentais.
O Senhor virá. É absolutamente certa sua vinda. Por isso: "Vós, pois, estai preparados porque, na hora que menos pensais, virá o Filho do Homem". Poderá ser, portanto, num dia inesperado; numa idade na qual nada havia para temer, quando os grandes planos se multiplicavam, e, quiçá, as inclinações já se lançavam nos prazeres, realizações, negócios...
O Senhor virá. É absolutamente certa sua vinda. Por isso: "Vós, pois, estai preparados porque, na hora que menos pensais, virá o Filho do Homem". Poderá ser, portanto, num dia inesperado; numa idade na qual nada havia para temer, quando os grandes planos se multiplicavam, e, quiçá, as inclinações já se lançavam nos prazeres, realizações, negócios...
Nada melhor para obter uma incansável, robusta e
contínua vigilância do que recorrermos à Mãe de Misericórdia.
E se ainda assim viermos a falhar, Ela nos obterá o perdão de nossas misérias.
E se ainda assim viermos a falhar, Ela nos obterá o perdão de nossas misérias.
IV - A parábola do administrador fiel
Nos versículos finais (41-48),
respondendo a uma pergunta de Pedro que desejava saber se a parábola era
exclusivamente para eles ou para todos, o Divino Mestre elabora uma outra, a do
"administrador fiel e prudente". Torna-se patente o caráter universal
de seu ensinamento e, portanto, o quanto se aplica a qualquer um de nós. Basta
considerar de perto a incerteza sobre a hora de nossa morte, para nos darmos conta
da enorme importância da virtude da vigilância.
Obrigações de quem tem autoridade sobre
outros
Ao fazer uso da imagem do
administrador, procura Ele representar aqueles que têm alguma autoridade ou
poder sobre outros. A aplicação incidia diretamente sobre Pedro e os Apóstolos,
que receberiam em suas mãos a instituição da Igreja, e também abrangeria os pais, tutores, etc.
Nestes versículos, o prisma continua sendo o
da vigilância, mas agora com outra nota característica: a da prudente
fidelidade. A primeiríssima obrigação do administrador é a de não se apropriar
de nenhum dos bens que o senhor lhe confiou e por isso não procurar seu prazer,
sua glória e sua vontade, mas sim o puro interesse de seu senhor. Em segundo
lugar, deve ser prudente, discernindo com senso de hierarquia como distribuir
os trabalhos em proporção aos talentos e às forças de cada um. Ademais, deverá
prover às necessidades de todos, oferecendo-lhes os meios, instruções,
sustento, etc., para o desempenho das respectivas funções.
Procedendo com esse amor à perfeição, a autoridade, ao encontrar-se com seu senhor, além da bem-aventurança, receberá a administração de todas as suas posses.
Procedendo com esse amor à perfeição, a autoridade, ao encontrar-se com seu senhor, além da bem-aventurança, receberá a administração de todas as suas posses.
O castigo do administrador infiel
Quanto ao administrador infiel,
também com traços irreais, o Divino Mestre busca delinear a principal causa de
seus delitos: o esquecimento de que possui um senhor e que este retornará, ou
então, convencer-se de que seu amo não voltará tão cedo. Daí os maus tratos, a
injustiça, o abandonar-se à gula e às desordens. Este também será surpreendido
pelo senhor e por ele será castigado com a separação eterna...
A seguir trata da proporcionalidade
dos castigos, mostrando como, por justiça, "a todo aquele a quem muito foi
dado, muito lhe será exigido" (v. 48). É nisto, mais especialmente,
que se concentra a resposta oferecida pelo Mestre a São Pedro, cuja substância
a quase todos os santos faz temer e tremer. Quantos deles não buscaram uma via
penitencial, pela consideração destas divinas palavras!
Sobre esta passagem, comenta o Cardeal Gomá: "Como na outra vida não há igualdade de prêmios, da mesma forma não há igualdade de castigos, diz São Basílio. Serão condenados às chamas todos os que as tiverem merecido, uns, porém, as sofrerão de modo mais intenso do que outros; todos serão roídos pelo verme inextinguível, mas este será mais forte ou mais indolente. Por isso, diz Teofilato, os sábios e doutores, os quais deveriam ter agido de acordo com sua doutrina e dela tirado incentivo para os demais, serão atormentados com maior rigor. Este pensamento deveria nos fazer tremer, se Deus nos favoreceu com dons de privilégio no conhecimento de sua vontade, ou nos concedeu graças extraordinárias, ou nos conferiu poderes para comunicar aos outros a sua vontade" (15)
Sobre esta passagem, comenta o Cardeal Gomá: "Como na outra vida não há igualdade de prêmios, da mesma forma não há igualdade de castigos, diz São Basílio. Serão condenados às chamas todos os que as tiverem merecido, uns, porém, as sofrerão de modo mais intenso do que outros; todos serão roídos pelo verme inextinguível, mas este será mais forte ou mais indolente. Por isso, diz Teofilato, os sábios e doutores, os quais deveriam ter agido de acordo com sua doutrina e dela tirado incentivo para os demais, serão atormentados com maior rigor. Este pensamento deveria nos fazer tremer, se Deus nos favoreceu com dons de privilégio no conhecimento de sua vontade, ou nos concedeu graças extraordinárias, ou nos conferiu poderes para comunicar aos outros a sua vontade" (15)
Que esta Liturgia de hoje nos
compenetre a fundo da grande necessidade de sermos diligentes na preparação de
nosso encontro com o Senhor, o qual poderá dar-se no momento menos esperado.
Que usemos bem de nosso tempo, palavras e ações. Em síntese, que sejamos sempre
santos.
1) Santo Agostinho, De moribus Ecclesiae,
c. 24.
2) Cf. Suma Teológica II - II q. 47 a .9.
3) São Bernardo, Sermo XI in Psalmum XC, §
1.
4) São Bernardo, ibidem.
5) Consejos y recuerdos, n. 37.
6) Pe. Alonso Rodríguez, Ejercicio de
perfección y virtudes cristianas, p. 2ª tr. 4 c. 18.
7) Apud São Tomás de Aquino, Catena Áurea.
8) Idem, ibidem.
9) São Cirilo de Jerusalém, apud São Tomás
de Aquino, Catena Áurea.
10) Pe. Juan de Maldonado SI, Comentarios
a los cuatro Evangelios, BAC, Madrid, 1951, v. II, pp. 597-598.
11) Idem, ibidem, pp. 597-598.
12) São João Crisóstomo, In Matthaeum hom.
26.
13) Pe. Juan de Maldonado, SI, op. cit.
p. 600.
14) Idem, ibidem, p. 603.
15) Isidro Gomá y Tomás, El Evangelio
explicado, Ediciones Acervo, Barcelona, 1967, v. II, p. 194.
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