Comentários ao Evangelho Mt 6, 24-34 -VIII Domingo do Tempo Comum
Naquele
tempo, disse Jesus a seus discípulos: 24 “Ninguém pode servir a dois senhores: pois,
ou odiará um e amará o outro, ou será fiel a um e desprezará o outro. Vós não
podeis servir a Deus e ao dinheiro. 25 Por isso Eu vos digo: não vos preocupeis
com a vossa vida, com o que havereis de comer ou beber; nem com o vosso corpo,
com o que havereis de vestir. Afinal, a vida não vale mais do que o alimento, e
o corpo, mais do que a roupa?
26
Olhai os pássaros dos céus: eles não semeiam, não colhem, nem ajuntam em
armazéns. No entanto, vosso Pai que está nos Céus os alimenta. Vós não valeis
mais do que os pássaros? 27 Quem de vós pode prolongar a duração da própria vida,
só pelo fato de se preocupar com isso? 28 E por que ficais preocupados com a
roupa? Olhai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam. 29
Porém, Eu vos digo: nem o rei Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu
como um deles. 30 Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e
amanhã é queimada no forno, não fará Ele muito mais por vós, gente de pouca fé?
31 Portanto, não vos preocupeis, dizendo: O que vamos comer? O que vamos beber?
Como vamos nos vestir? 32 Os pagãos é que procuram essas coisas. Vosso Pai, que
está nos Céus, sabe que precisais de tudo isso. 33 Pelo contrário, buscai em
primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão
dadas por acréscimo.
34
Portanto, não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá
suas preocupações! Para cada dia, bastam seus próprios problemas” (Mt 6,
24-34).
Pode-se
servir a Deus e às riquezas?
“Sempre tereis
convosco os pobres” (Jo 12, 8), respondeu Jesus a Judas que, perplexo diante de
um grande gasto de Maria Madalena, para ungir os adoráveis pés do Salvador,
perguntara: "Por que não se vendeu esse bálsamo por trezentos denários e
não se deu o dinheiro aos pobres?" (Jo 12, 5).
I
– Introdução
Eis é a grande
ansiedade que pervade as almas de povos e nações dos últimos tempos: a
frenética busca dos bens materiais. Ora, segundo os Doutores, tanto mais se
dividem os homens, quanto mais se apegam a esses bens. Pelo contrário, tanto
mais união, benquerença e paz há entre eles, quanto mais se entregam aos bens
espirituais. São Tomás de Aquino se serve várias vezes desse elevado pensamento
de Santo Agostinho: "Bona spiritualia possunt simul a pluribus
(integraliter) possideri, non autem bona corporalia – Os bens espirituais podem
ser possuídos ao mesmo tempo por muitos, não, porém, os bens corporais”.1
Assim, quanto maior
for o número dos que possuem os mesmos bens do espírito, tanto melhor será.
Ademais, obtém-se grande progresso no conhecimento da verdade, na medida em que
se procure ensiná-la e se deseje aprendê-la nos outros.
Eis a liturgia de
hoje a nos indicar uma profunda solução para as crises atuais: a da desgastada
questão social e a da ameaçada economia mundial.
Jesus,
o mais qualificado para ensinar sobre o desprendimento
Quem nasceu numa gruta, teve uma manjedoura
por berço e em sua vida pública não encontrou onde repousar a cabeça, tem
absoluta autoridade para discorrer sobre o desprendimento. A experiência
humana, ao longo dos milênios, comprova que não devemos amar as criaturas por
elas mesmas. Se for conveniente ou até necessário amá-las, é em função do amor
a Deus que devemos fazê- lo.
"É claro que o
coração humano tanto mais intensamente se entrega a uma coisa quanto mais se
aparta de muitas outras" 2. Seguindo essa via, alguns santos alcançaram um
alto grau de virtude, sobretudo ao abraçarem o exagero. São Francisco de Assis
chega a fazer um conúbio místico com a pobreza, e Santo Inácio de Loyola, ao
partir para Jerusalém, depois de sua contemplação em Manresa, deixa na praia de
Barcelona tudo quanto lhe haviam dado; leva consigo três companheiras: a Fé, a
Esperança e a Caridade.
A outros, porém,
São Paulo recomenda serem previdentes: "Se alguém não quer trabalhar,
também não coma" (2 Te 3, 10). Até onde deve ir a preocupação com nossa
subsistência e qual a atitude de alma, equilibrada e santa, face aos bens deste
mundo, como, também, a plena confiança em Deus, são os temas tratados pela
Liturgia deste VIII Domingo do Tempo Comum.
II
– Dois senhores que não admitem rivais
Naquele
tempo, disse Jesus a seus discípulos: 24 “Ninguém pode servir a dois senhores:
pois, ou odiará um e amará o outro, ou será fiel a um e desprezará o outro. Vós
não podeis servir a Deus e ao dinheiro”.
O presente
Evangelho faz parte do famoso Sermão da Montanha, do qual São Mateus transcreve
as partes essenciais. Nele transparece a forte advertência do Divino Mestre
contra o desvario dos que se afanam pelos tesouros deste mundo e acabam por se
perder em meio às aflitivas preocupações da vida presente.
O
apego às riquezas constitui uma real escravidão
Neste versículo, é muito sutil e
preciso o emprego do verbo servir, e não qualquer outro, pois o problema
central não está em ter bens materiais, mas sim no valor que a eles se tributa
e, sobretudo, no afeto que se lhes tenha. Em sua substância, encontramos aqui
um
desdobramento do Decálogo, em
particular do Primeiro Mandamento, tal
como o próprio Deus o declarou através de Seus profetas: “Não terás outros
deuses diante de minha face. Não farás para ti escultura, nem figura alguma
[...]. Não te prostrarás diante delas e não lhes prestará culto. Eu sou o
Senhor, teu Deus” (Ex 20, 3-5).3
O apego às riquezas
constitui, a partir de certo grau, uma real escravidão e "ninguém pode
servir a dois senhores quando mandam coisas contrárias, nem mesmo quando
ordenam coisas diferentes, porque a própria natureza impede que o amor do servo
se reparta para dois senhores diversos" 4.
Um
servo não pode entregar sua vontade a dois senhores
Havendo um apreço
desequilibrado pelos bens deste mundo, quem o possua terá conferido a esses
bens o caráter de senhorio. Ora, sabemos o quanto a escravidão, em si mesma, é
avassaladora. As faculdades do escravo pertencem ao senhor e a este deve ele
entregar todo o seu serviço. “Um só senhor pode ter muitos servos,
mas um servo não pode ter muitos senhores; pois o próprio do senhor é governar
o servo, e não precisamente amá-lo; enquanto o específico do servo é amar, e
não governar seu senhor; o mando pode dividir-se, mas não o amor. Com isso, Cristo
indica que as riquezas se gastam injustamente não só quando são injustas.
Contudo, até mesmo quando não foram adquiridas por maus meios, se são amadas,
apartam o homem do amor a Deus. Ninguém pode servir a dois senhores, como disse
antes: ‘É impossível que um rico entre no Reino dos Céus’ (Mt 19, 23). Observa
o autor da Obra Imperfeita que
ninguém pode servir a dois senhores, e não diz que ninguém pode ter dois
senhores. Dá o nome de senhor a qualquer coisa a que nos tenhamos entregado em
demasia, à qual servimos de alguma maneira: ‘Não sabeis que, quando vos
ofereceis a alguém para lhe obedecer, sois escravos daquele a quem obedeceis,
quer seja do pecado para a morte, quer da obediência para a justiça?' (Rm 6,
16). E São Pedro: ‘O homem é feito escravo daquele que o venceu' (2 Pd 2, 19).
O verbo servir
empregado neste versículo refere-se à situação de um servo que, sem restrição
alguma, entrega sua vontade a um senhor, figura muito de acordo com a
inclinação para os extremos, tão característica dos orientais. Neste caso,
torna-se impossível ao servo obedecer a um segundo senhor que lhe dê qualquer
incumbência oposta e simultânea à exigida pelo primeiro. Ademais, acabará por
amar menos seu autêntico senhor, atitude à qual equivale o significado do termo
"odiar" na língua hebraica 6. Na realidade, Deus não quer apenas uma
parte de nosso coração, ainda que esta seja grande. Ele o deseja na sua
íntegra, e essa entrega deve ser realizada por nós com alegria, generosidade e
constância.
Dois
senhores rivais: Deus e o dinheiro
Resumindo, o Divino
Mestre nos coloca diante de dois senhores diametralmente opostos no que
concerne aos seus respectivos interesses: Deus e o dinheiro. O primeiro nos
exige a crença nEle e em Suas revelações, a esperança em Suas promessas, com
amor total, além da prática da castidade, da humildade, como também do cortejo
de todas as virtudes. O dinheiro cobra de nós, e nos inspira ambição, volúpia
de prazeres, vaidade, orgulho, menosprezo do próximo, etc. Um nos dá forças
para praticar o bem e a este inclina nossas paixões, enquanto o outro nos
arrasta para o mal e nele nos vicia. O Céu e sua eterna felicidade constituem o
estímulo para os esforços exigidos por um dos senhores. A terra e seus prazeres
fugazes são os atrativos oferecidos pelo outro.
Esses dois senhores
não admitem rivais. O pior rival do dinheiro é Deus, e vice-versa. Por isso, a
desgraça do rico que entrega seu coração aos bens da terra consiste em buscar
em vão sua felicidade neles; e a desgraça do pobre, em iludir-se com a
pseudofelicidade oferecida pelas riquezas.
É preciso ter
sempre diante dos olhos o quanto são opostos entre si, Deus e o mundo. Por
isso, não queiramos servir a ambos ao mesmo tempo: “Não vos prendais ao mesmo
jugo com os infiéis. Que união pode haver entre a justiça e a iniquidade? Ou
que comunidade entre a luz e as trevas? Que compatibilidade pode haver entre
Cristo e Belial? Ou que acordo entre o fiel e o infiel? Como conciliar o templo
de Deus e os ídolos? Porque somos o templo de Deus vivo” (II Cor 6, 14-16).
III
– Saibamos hierarquizar as nossas preocupações
25
“Por isso Eu vos digo: não vos preocupeis com a vossa vida, com o que havereis
de comer ou beber; nem com o vosso corpo, com o que havereis de vestir. Afinal,
a vida não vale mais do que o alimento, e o corpo, mais do que a roupa? 26
Olhai os pássaros dos céus: eles não semeiam, não colhem, nem ajuntam em armazéns.
No entanto, vosso Pai que está nos Céus os alimenta. Vós não valeis mais do que
os pássaros?”
A natureza
puramente animal, assim como a vegetal, com seus instintos respectivos, normais
e ordenados, e não possuindo uma alma imortal não buscam a felicidade infinita.
Ademais, as aves não armazenam alimentos em celeiros e os lírios não tecem nem
fiam, pois lhes falta a racionalidade para terem essas preocupações.
Ora, o homem - mais
do que as plantas buscam o sol, e os animais o alimento -, possui uma alma que,
num verdadeiro "teotropismo", vive à procura do infinito.
"Buscar-Vos, ó meu Deus" - clama Santo Agostinho - "é buscar
minha felicidade e bem-aventurança: devo buscar- Vos para que minha alma viva,
porque sois Vós a vida de minha alma, assim como ela é que dá vida a meu
corpo" 7.
O coração do homem
só está em paz quando encontra Deus. Essa "felicidade e
bem-aventurança" não estão no afã das riquezas, pois, ao desejá- las fora
do amor a Deus, pobres ou ricos entregar-se-ão às ânsias voluptuosas de querer
sempre mais.
Deve-se
procurar os bens materiais, mas sem inquietação
Evidentemente, não
exclui o Divino Mestre nossa obrigação em relação ao trabalho. Sobre este
particular há numerosos comentários de santos doutores, demonstrando ser o
trabalho um excelente meio de santificação. Jesus tem diante de Si todos
aqueles que colocam como último limite de seus horizontes os bens materiais, e
na obtenção destes aplicam sofregamente toda a sua preocupação. Essa atitude
carrega consigo uma boa parcela de culpabilidade, além de ser autodestrutiva.
Antes de tudo, por ofender de certa forma a Deus, ao manifestar-Lhe
desconfiança de Sua bondade. E ademais, perde o apoio divino ao colocar toda a
sua segurança em esforços e planejamentos pessoais. Em síntese, torna-se
patente o quanto o homem não pode descuidar dos bens eternos, pelo fato de ir
atrás do indispensável à vida.
Deve-se buscar os
bens materiais, mas sem inquietação, pois esta implicaria em negar a infinita
generosidade de Deus.
Uma
fundamental lição sobre como devemos hierarquizar nossas preocupações
Por essa razão,
comenta Maldonado: "Quem, a não ser Deus, nos deu a alma e o corpo? Assim,
quer Pedro que ponhamos nEle nossa solicitude, certos de que Ele cuidará de
nós" (cf. 1 Pd 5, 7)" 8. Claro está que Deus não poderia nos dar o
corpo e a vida com o intuito de nos lançar na fome e na miséria. Sua infinita e
sábia providência impõe que Ele nos proporcione as condições para sustentar
nossa natureza física como também - e principalmente - nossa vida sobrenatural.
Assim, Deus que, às vezes, permite nos advenham cruzes e sofrimentos ao longo
de nossa existência, derrama graças e forças para tudo suportarmos com vantagem
para nós.
O Divino Mestre nos
dá uma fundamental lição sobre a devida hierarquização
de nossas preocupações. Sendo o homem composto de corpo e alma, e por ser esta
mais valiosa, merece maior atenção e cuidado. Portanto, se necessário for
desprezar ou abandonar outros interesses em benefício da salvação da própria
alma, assim se deve proceder, pois Deus nos dará o secundário.
Insere-se nestes
versículos a vocação apostólica e missionária, como por exemplo a de um Beato
Anchieta, que abandona familiares, pátria e bens, e ruma para terras
desconhecidas com o objetivo de converter e santificar incontáveis indígenas,
no Brasil. Os que abraçam essa via recebem o cêntuplo nesta terra e o prêmio da
vida eterna (cf. Mt 19, 29).
Se
nosso Pai cuida de criaturas inferiores, quanto mais não cuidará de nós?
Quando conseguimos um hiato de calma
dentro da febricitada correria dos dias atuais para observar a natureza viva -
desde a tenacidade das formigas em busca de alimento, até a agilidade de um
colibri, sugando com elegância o conteúdo quase místico de uma flor - num ato
contínuo louvamos a Deus, por constatar essa maravilhosa disposição da Divina
Providência de oferecer a insetos e animais o necessário para o seu sustento.
"Todos esses seres esperam de Vós que lhes deis de comer em seu tempo. Vós
lhes dais e eles o recolhem; abris a mão, e se fartam de bens" (Sl 103,
27-28).
Ora, o homem é, não
só, superior a todas as criaturas terrenas, mas até mesmo seu rei (cf. Gen 1,
28). Sendo assim, é preciso que esse rei supere o exemplo desses súditos seus
que com tanta abnegação praticam a pobreza evangélica: as aves do céu.
Despojadas de tudo, dependem exclusivamente da benevolência divina. Ademais,
como bem comenta Maldonado: "As aves andam no mais alto do ar, estão mais
distantes de sua comida e, no entanto, Deus as alimenta". Jesus usou o
exemplo das aves "porque os animais terrestres gastam mais tempo em
procurar o alimento e escondê-lo com sua habilidade" 9.
É, de certa forma,
curioso referirse o Divino Mestre às aves "do céu" e não às
domésticas, pois estas são alimentadas pelos homens e as outras pelo
"vosso Pai celeste". Ou seja, se nosso Pai cuida de criaturas tão
inferiores que não têm nenhum grau de filiação em relação a Ele, quanto mais
não cuidará de nós, irmãos de Seu "Filho muito amado" (Mt 3, 17)!
São Lucas nos diz:
"Considerai os corvos: não semeiam, nem ceifam, não têm despensa, nem celeiro,
e, contudo, Deus os sustenta. Quanto mais valeis vós do que eles?" (Lc 12,
24).
Sobre essa
passagem, comenta Santo Ambrósio: "Os corvos, que não trabalham, têm o
necessário para seu uso, e o têm em abundância, porque não sabem reduzir a seu
domínio particular os frutos que foram dados em comum para todo mundo comer.
Nós, porém,
perdemos o comum porque nos esforçamos em apropriá-lo; e o perdemos porque não
conseguimos fazê-lo nosso, já que não durará perpetuamente, nem conseguimos ter
uma abundância certa onde o futuro é sempre incerto. Por que, pois, crês que
tuas riquezas são tuas, sendo que Deus quis que tua comida fosse comum com
todos os outros que vivem?" 10.
A
nossa impotência diante das leis da natureza
27 “Quem de vós
pode prolongar a duração da própria vida, só pelo fato de se preocupar com
isso?”
A cada novo
argumento, torna- se incontestável nossa impotência diante das leis da natureza
e, por outro lado, a onipotência divina no governo do mundo. Por isso nos diz
São João Crisóstomo: "Deus é quem faz crescer vosso corpo, cada dia, sem
que possais dar-vos conta disso. Se, pois, todos os dias a Providência de Deus
trabalha em vós para o crescimento de vosso corpo, como ficará Ela inativa
diante de verdadeiras necessidades? Mas, se todos os esforços de vosso
pensamento não podem acrescentar a menor parcela a vosso corpo, como podereis
vós salvá-lo todo inteiro?" 11.
O
afeto de Deus visa também a nossa elegância e pulcritude
28
“E por que ficais preocupados com a roupa? Olhai como crescem os lírios do
campo: eles não trabalham nem fiam. 29 Porém, Eu vos digo: nem o rei Salomão,
em toda a sua glória, jamais se vestiu como um deles. 30 Ora, se
Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é queimada no forno,
não fará Ele muito mais por vós, gente de pouca fé?”
Jesus deixa claro
serem esses lírios, os "do campo", ou seja, os que nascem a esmo, sem
os cuidados dos homens. Na mesma linha do que anteriormente dissera sobre as
aves, ou seja, as "do céu", e não as domésticas. Chama-nos a atenção,
de modo especial, o carinho empregado pelas mães ao providenciarem as roupas
para suas crianças, pois procuram sempre vesti-las com beleza. Esse é o afeto
de Deus ao cuidar de cada uma de Suas criaturas humanas: visa Ele não só nossa
alimentação - como o faz com as "aves do céu" - mas também nossa
elegância e pulcritude. Esse esmero de Deus será ainda muito maior nos albores
da ressurreição dos corpos:
"Pelos lírios,
podem-se entender as celestes claridades dos Anjos, que o próprio Deus reveste
de uma glória deslumbrante. Eles não trabalham nem fiam, porque a graça que,
desde sua origem, assegurou a felicidade dos Anjos, difunde-se sobre todos os
momentos de sua existência; e como, após a ressurreição, os homens serão
semelhantes aos Anjos, Nosso Senhor, fazendo brilhar aos nossos olhos o
esplendor das virtudes celestes, quis nos fazer esperar essa vestimenta de
glória eterna" 12.
O exemplo de
Salomão, preocupado por vestir-se à altura da sabedoria que lhe havia sido
gratuitamente concedida por Deus, é de uma extraordinária eloquência para todos
os tempos.
Pois, quem com mais
arte saberia realizar essa tarefa? São João Crisóstomo sintetiza bem a
diferença entre as vestes de Salomão e as criadas por Deus: "das
vestiduras de Salomão à flor do campo há a distância da mentira à verdade" 13.
Por conseguinte,
duvidar ou, pior ainda, não crer na Providência Divina é suficiente para sermos
classificados como "homens de pouca Fé", pois, se esses são os
cuidados de Deus para com ervas a serem queimadas quando murcharem, quanto
maiores não serão eles com as almas imortais e os corpos ressurrectos!
Não
vos aflijais: Deus vos ama e de vós cuida como Pai
31 “Portanto,
não vos preocupeis, dizendo: O que vamos comer? O que vamos beber? Como vamos
nos vestir?”
Vê-se, neste
versículo, o empenho do Divino Mestre em nos convencer das verdades
anteriormente expostas. "O Senhor repete esta recomendação para nos fazer
compreender sua necessidade e gravá-la mais profundamente em nossos
corações" 14.
32
“Os pagãos é que procuram essas coisas. Vosso Pai, que está nos Céus, sabe que
precisais de tudo isso”.
O sentimento
familiar nos tempos do Evangelho era mais sólido e profundo do que nos dias da
atual decadência, na qual vai desmoronando essa pilastra de uma sociedade bem
constituída. Todos tinham um conceito claro e indiscutível a respeito da
paternalidade. Em outro momento, Jesus lhes dirá: "Se vós, pois, que sois
maus, sabeis dar boas coisas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai celeste
dará boas coisas aos que Lhe pedirem" (Mt 7, 11; cf. Lc 11, 13).
Ademais, os judeus
tinham como um dos mais elevados pontos de honra o de serem contrapostos às
concepções dos gentios. Ao atribuir à mentalidade dos pagãos a excessiva
preocupação pelos bens deste mundo, Jesus tornava ainda mais patente Sua
enérgica e categórica rejeição à mesma. Ouçamos o famoso Cornélio a Lápide
comentar esta passagem: "Não vivais ansiosos sobre o que vestireis, pois
Deus o sabe perfeitamente; mais ainda, o vê e intui, porque é Deus; logo, Ele
proverá, porque vos ama e cuida de vós como Pai, e pode fazê-lo porque é
celestial, portanto, onipotente. Por que, pois, não Lhe entregais todas as
vossas preocupações? Ele sabe, quer e pode socorrer- vos em vossas
necessidades; sabe porque é Deus, quer porque é Pai, e pode porque é Rei
celestial e impera com pleno direito no Céu e na Terra.[…]
Por isso São
Francisco não dava aos seus outra provisão a não ser este dito dos Salmos:
‘Deposita no Senhor teus cuidados e Ele te alimentará'" (Sl 54, 23) 15.
IV
– Busquemos, em primeiro lugar, a nossa santificação
33 “Pelo
contrário, buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas
estas coisas vos serão dadas por acréscimo”.
A síntese de toda a doutrina do
Evangelho se encontra nas palavras deste versículo; trata-se de, em primeiro
lugar, buscar o Reino de Deus, como também a própria justiça desse mesmo Reino,
tal como Jesus o pregou, ou seja, o oposto do almejado pelos fariseus.
O Reino de Deus
pode ser considerado debaixo de três diferentes prismas: o da glória dos
bem-aventurados, ou seja, o triunfante; o da Santa Igreja, que se evidencia no
visível e externo Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo; e, por fim, o da graça
santificante em nossas almas ou interno.
Assim, devemos
buscar a realização da santidade de Deus em nós, por meio do ódio ao pecado,
numa aspiração crescente de Lhe obedecer na prática de todos os Mandamentos,
com base num abrasado amor a Ele. Conduzindo, por um dinâmico zelo apostólico,
a todos com quem tenhamos alguma relação, às vias dessa santidade, para maior
brilho da Santa Igreja e salvação das almas. E, por fim, almejando o Reino
eterno na glória.
Já em nosso
despertar matutino - quer sejamos pobres, quer ricos - devemos ter a lembrança
deste conselho de Nosso Senhor Jesus Cristo: "Buscai, pois, em primeiro
lugar, o Reino de Deus e a Sua justiça..." Mas, infelizmente, os pobres em
sua grande maioria não o fazem e, por isso, são objeto do egoísmo dos outros,
vivendo em pobreza neste mundo e ameaçados a nela se lançarem eternamente. E os
ricos menos ainda são inclinados a seguir a voz de Cristo, por imaginarem já
possuir "todas estas coisas"...
34
“Portanto, não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá
suas preocupações! Para cada dia, bastam seus próprios problemas”.
Preocupemo-nos
primordialmente em santificar-nos a fim de obtermos o Reino de Deus.
Pratiquemos as virtudes e enriqueçamo-nos dos bens do Céu na plena confiança de
que, assim, não nos faltarão os da terra. Evitemos a ruína do relativismo moral
de nossos dias e cumpramos nossos deveres do dia-a-dia sem as aflições do
amanhã.
Não nos é vedado
fazer uso de uma sábia e moderada prudência no que tange à nossa manutenção.
É-nos proibido, isto sim, uma destrutiva inquietação com o nosso futuro
material que nos leve a esquecer as obrigações de maior atualidade e
importância, com relação ao Reino de Deus.
“Para cada dia,
bastam seus próprios problemas”, pois jamais devemos nos esquecer da infinita
bondade e carinho do Senhor, conforme transparece na primeira leitura de hoje:
"Sião dizia: ‘O Senhor abandonou-me, o Senhor esqueceu-se de mim!’ Acaso pode
a mulher esquecer-se do filho pequeno, a ponto de não ter pena do fruto de seu
ventre? Se ela se esquecer, Eu, porém, não Me esquecerei de ti” (Is 49, 14-15).
1 Os bens
espirituais podem ser possuídos ao mesmo tempo por muitos, não, porém, os bens
corporais (AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica III, q. 23, a.1, ad. 3; cf. tb.
III, q.28, a.4, ad 2).
2 AQUINO, São Tomás de. Liber de perfectione spiritualis vitæ, c. 6.
3 Cf. TUYA, OP, Manuel de. Biblia Comentada. Madrid: BAC, 1964, v. II, p. 156.
4 MALDONADO, SJ, P. Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios. Madrid: BAC, 1950, v. I, p. 303.
5 MALDONADO. Op. cit. id., ibid.
6 O termo é usado no mesmo sentido em Mt 10, 36-37; Lc 14, 26 e Rm 9, 12-13.
7 AGOSTINHO, Santo. Confissões. l. X, c. XX.
8 MALDONADO. Op. Cit. pp. 304-305.
9 MALDONADO. Op. cit. id. ibid.
10 In Lc 12, 24.
11 Apud AQUINO. Catena Aurea.
12 Santo Hilário, apud: AQUINO. Catena Aurea.
13 Apud: TUYA. Op. Cit. p. 158.
14 São Remígio, apud AQUINO. Catena Aurea.
15 In Mt 6, 31.
2 AQUINO, São Tomás de. Liber de perfectione spiritualis vitæ, c. 6.
3 Cf. TUYA, OP, Manuel de. Biblia Comentada. Madrid: BAC, 1964, v. II, p. 156.
4 MALDONADO, SJ, P. Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios. Madrid: BAC, 1950, v. I, p. 303.
5 MALDONADO. Op. cit. id., ibid.
6 O termo é usado no mesmo sentido em Mt 10, 36-37; Lc 14, 26 e Rm 9, 12-13.
7 AGOSTINHO, Santo. Confissões. l. X, c. XX.
8 MALDONADO. Op. Cit. pp. 304-305.
9 MALDONADO. Op. cit. id. ibid.
10 In Lc 12, 24.
11 Apud AQUINO. Catena Aurea.
12 Santo Hilário, apud: AQUINO. Catena Aurea.
13 Apud: TUYA. Op. Cit. p. 158.
14 São Remígio, apud AQUINO. Catena Aurea.
15 In Mt 6, 31.
1 Os bens
espirituais podem ser possuídos ao mesmo tempo por muitos, não, porém, os bens
corporais (AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica III, q. 23, a.1, ad. 3; cf. tb.
III, q.28, a.4, ad 2).
2 AQUINO, São Tomás de. Liber de perfectione spiritualis vitæ, c. 6.
3 Cf. TUYA, OP, Manuel de. Biblia Comentada. Madrid: BAC, 1964, v. II, p. 156.
4 MALDONADO, SJ, P. Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios. Madrid: BAC, 1950, v. I, p. 303.
5 MALDONADO. Op. cit. id., ibid.
6 O termo é usado no mesmo sentido em Mt 10, 36-37; Lc 14, 26 e Rm 9, 12-13.
7 AGOSTINHO, Santo. Confissões. l. X, c. XX.
8 MALDONADO. Op. Cit. pp. 304-305.
9 MALDONADO. Op. cit. id. ibid.
10 In Lc 12, 24.
11 Apud AQUINO. Catena Aurea.
12 Santo Hilário, apud: AQUINO. Catena Aurea.
13 Apud: TUYA. Op. Cit. p. 158.
14 São Remígio, apud AQUINO. Catena Aurea.
15 In Mt 6, 31.
2 AQUINO, São Tomás de. Liber de perfectione spiritualis vitæ, c. 6.
3 Cf. TUYA, OP, Manuel de. Biblia Comentada. Madrid: BAC, 1964, v. II, p. 156.
4 MALDONADO, SJ, P. Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios. Madrid: BAC, 1950, v. I, p. 303.
5 MALDONADO. Op. cit. id., ibid.
6 O termo é usado no mesmo sentido em Mt 10, 36-37; Lc 14, 26 e Rm 9, 12-13.
7 AGOSTINHO, Santo. Confissões. l. X, c. XX.
8 MALDONADO. Op. Cit. pp. 304-305.
9 MALDONADO. Op. cit. id. ibid.
10 In Lc 12, 24.
11 Apud AQUINO. Catena Aurea.
12 Santo Hilário, apud: AQUINO. Catena Aurea.
13 Apud: TUYA. Op. Cit. p. 158.
14 São Remígio, apud AQUINO. Catena Aurea.
15 In Mt 6, 31.
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