COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DE SÃO MATEUS 16, 13–19
17Respondendo,
Jesus lhe disse: “Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser
humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. 18Por isso eu te
digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder
do inferno nunca poderá vencê-la. 19Eu te darei as chaves do Reino dos Céus:
tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares
na terra será desligado nos céus”. (Mt
16,13-19
Pode o Papa errar?
Em 22 de fevereiro
a Igreja comemora a festa da Cátedra do Apóstolo Pedro, a rocha sobre a qual
deixou Nosso Senhor Jesus Cristo alicerçada a sua Igreja, e sede infalível da
verdade.
I
– A natureza humana perante a infalibilidade
Uma curiosa experiência nos facilita
compreender quão deficiente é o homem na objetividade em observar e narrar o
que vê e ouve. Consiste em dispor um bom número de pessoas, e fazer circular
entre elas, desde a primeira até a última, um qualquer comunicado oral, cada
uma devendo ouvi-lo da anterior e transmiti-lo à seguinte. Nessas transmissões
verbais sucessivas acontece por vezes tal distorção que o comunicado chega ao
final com um significado totalmente diverso . quando não contrário… . do inicial.
Falhas como essa são conseqüências do
pecado original. Por causa deste, a natureza humana .é lesada em suas
próprias forças naturais, submetida à ignorância, ao sofrimento e ao império da
morte, e inclinada ao pecado. (Catecismo da Igreja Católica, nº 405).
A transmissão fidedigna de uma verdade
e, sobretudo, sua interpretação e conservação, constituíam problemas já para os
povos da antiguidade. Mais difícil ainda era explicitar, sem erro, questões
metafísicas e sobrenaturais. Nem os tão admirados gregos, romanos e egípcios,
com toda a sua sabedoria e ciência, escaparam a esse mal.
O conhecimento das verdades divinas pela religião
natural
A partir de nossa razão e da observação das coisas criadas, podemos
conhecer muito a respeito de Deus. É a isso que os teólogos católicos chamam de
teologia natural, ou religião natural.
As verdades que os homens podem assim alcançar incluem especialmente a
existência de Deus e seus atributos (eternidade, invisibilidade, poder, etc).
Sobre a capacidade humana de atingi-las,
São Paulo nos ensina na epístola aos romanos: .Porquanto o que se pode
conhecer de Deus, eles [os pagãos] o lêem em si mesmos, pois
Deus lho revelou com evidência. Desde a criação do mundo, as perfeições
invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade, se tornam visíveis
à inteligência, por suas obras; de modo que não se podem escusar. (1,
19-20).
Significativamente, já nos tópicos
seguintes desta epístola, o Apóstolo mostra a infidelidade dos gentios a esse
conhecimento do Criador, adquirido por meio da religião natural: .Porque,
conhecendo a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças. Pelo
contrário, extraviaram-se em seus vãos pensamentos, e se lhes obscureceu o
coração insensato. Pretendendo-se sábios, tornaram-se estultos. Mudaram a
majestade de Deus incorruptível em representações e figuras de homem
corruptível, de aves, quadrúpedes e répteis. Por isso, Deus os entregou
aos desejos dos seus corações, à imundície, de modo que desonraram entre si os
próprios corpos. (1, 21-24).
Essa constatação de São Paulo é um fato
universal, verificado ao longo de toda a História. Mesmo quando os homens, por
si mesmos, conhecem verdades da teologia natural, não são capazes de
conservá-las íntegras e sem erro.
Dando uma claríssima explicação a
respeito dessas carências resultantes do pecado original, São Tomás
afirma: .Devido à enfermidade de nosso juízo e à força perturbadora da
imaginação, há alguma mistura de erro na maior parte das investigações feitas
pela razão humana. (…) No meio de muita verdade demonstrada,
há às vezes algum elemento de erro, não demonstrado, mas afirmado pela força de
algum raciocínio plausível e sofístico, que é tomado como demonstrado . (Suma
contra os gentios I, 4).
É ainda indispensável observar que,
mesmo se o homem não tivesse cometido o pecado original, conservando íntegra
sua potência intelectiva, por sua própria natureza, seria incapaz de conhecer
certas realidades sobrenaturais, como, por exemplo, a Trindade de Deus.
Os profetas
As considerações anteriores, que partem da
situação humana, são sobrepujadas por uma outra muito superior: desde toda a
eternidade, ao conceber a obra da criação, teve Deus desejo de comunicar-se ao
homem. Desse modo, houvesse ou não pecado original, Ele iria revelar-se a nós.
Ao acompanharmos o processo histórico da humanidade desde seu início, admiramos
a beleza da Sabedoria divina no fazer-se conhecer de modo paulatino através da
Revelação.
Era indispensável, entretanto, transmiti-la sem a menor deturpação ao
longo das gerações. Para tal erigiu Deus um magistério infalível: o profetismo.
Além do magistério ordinário dos sacerdotes, Deus suscitou profetas que
transmitiam as novas revelações e, ao mesmo tempo, conservavam e interpretavam
as anteriores: .Muitas vezes e de
diversos modos, outrora falou Deus aos nossos pais pelos profetas. (Hb
1, 1).
A linhagem dos profetas culminou no
aparecimento de João Batista, o maior entre todos. A Sagrada Escritura canta as
glórias desses varões que eram infalíveis quando transmitiam suas revelações,
conselheiros de grande prudência, que tudo conheciam por meio de visões
proféticas, como Elias, Isaías, Jeremias, Daniel, etc.
O profeta, no Antigo Testamento, “era a ‘seta eleita de Deus’, aquela flecha
que os reis guerreiros guardavam na sua aljava para matar no combate o monarca
inimigo. O programa de vida é muito parecido em todos os profetas: ‘romper e
destruir, edificar e plantar’; como bons viticultores do monte Carmelo que
podam e queimam as cepas velhas para tornar possível o fruto do outono. A
história dos profetas é a tragédia daqueles homens que ‘não podem deixar de
falar porque a Palavra de Yavé os queima por dentro’, e falam, ainda que
terminem sendo proscritos do Povo de Deus. O profeta é um mistério vivo de
força divina. Por isso, na hora da prova, o profeta está seguro em Yavé. Sua
aventura tem sempre êxito e a fé na sua missão aumenta. (…) Em nossas línguas modernas, o termo
.profeta. evoca sobretudo a idéia de um homem que anuncia o futuro. Na
linguagem da Bíblia, sem embargo, o profeta é um homem inspirado por Deus que
comunica aos homens o pensamento e o querer divinos”. (Frei Rafael
Maria López Melús, O.Carm., El
profeta San Elías).
Eis a alta vocação dos profetas, tão
elevada que a Sagrada Escritura os menciona frequentemente em paralelo com a
própria Lei: .A lei e os profetas
duraram até João. (Lc 16, 16); .Encorajou-os citando a lei e os profetas. (2 Mc 15, 9).
Eles, ademais, sempre foram os guias do
povo de Deus, indicando-lhe sem falha os caminhos do Senhor.
Nosso Senhor estabelece o magistério infalível da
Igreja
Ao operar a Redenção do gênero humano, instituiu o
Divino Mestre o Magistério infalível da Igreja, para ensinar e interpretar o
que oficialmente havia sido revelado.
Nada mais lógico. Se Deus concedeu a seu povo, no
Antigo Testamento, o magistério infalível através dos profetas, não iria deixar
sua Igreja desamparada.
Aos Apóstolos que escolhera, disse: “Toda
autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, e ensinai a todas as
nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as
a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até
o fim do mundo”. (Mt 28, 18- 20).
A transmissão do Evangelho . ordenada por Jesus e
necessária para que os homens conheçam a verdade e alcancem a salvação . passou
a fazer-se de duas maneiras: .pelos apóstolos, que na pregação
oral, por exemplos e instituições, transmitiram aquelas coisas que, ou
receberam das palavras, da convivência e das obras de Cristo, ou aprenderam das
sugestões do Espírito Santo., e .também por aqueles apóstolos e
varões apostólicos que, sob a inspiração do mesmo Espírito Santo, puseram por
escrito a mensagem da salvação. (CIC nº 76).
Por sua vez, os apóstolos deixaram aos seus
sucessores, os bispos, o encargo do Magistério, de modo que .o
Evangelho sempre se conservasse inalterado e vivo na Igreja., transmissão
esta que se denomina Tradição, distinta da Sagrada Escritura (cf CIC nºs 77 e
78).
Porém, como interpretar de maneira infalível a
própria Tradição e até mesmo a Escritura? Como jamais errar em matéria de Fé e
de Moral?
A resposta,
encontramo-la no Evangelho da celebração litúrgica de 22 de fevereiro.
II – Prêmio pela proclamação da divindade de Jesus
Faltava pouco tempo para a Paixão de Jesus. Antes
de o Divino Mestre chegar a Cesareia de Filipe, os fariseus e saduceus haviam-No
tentado, rogando-Lhe que lhes mostrasse algum sinal do Céu. Pelo modo como
Jesus lhes respondera, ficara evidente uma vez mais aos olhos dos Apóstolos a
sabedoria de nosso Salvador e a maldade de seus adversários. Os Doze estavam já
preparados para chegar à conclusão de quem era Jesus.
Nosso Senhor lhes conhecia os pensamentos, porém
desejava tornar explícito pelos lábios de seus seguidores o que estes haviam
discernido a respeito d’Ele. Por isso primeiro lhes pergunta o que ouviam sobre
o “Filho do Homem”.
Ficando claro que o comum das pessoas não via em
Jesus mais do que um precursor do Messias, o Mestre fez seus Apóstolos externarem,
baseados na virtude da fé, um juízo sobrenatural a respeito de sua natureza
divina. Causa admiração a superior didática: após ter apartado os Apóstolos dos
fariseus e saduceus, Jesus procurava alçá-los acima do povo. Que Jesus era
filho de Davi, todos o sabiam. Coube a São Pedro expressar a convicção de todos
ali e, numa curta frase, sintetizar a doutrina católica a respeito das verdades
essenciais: um só Deus, além do mais, vivo — para distingui-Lo dos deuses
mortos dos pagãos —, que dá a vida; a encarnação do Verbo, a distinção das
Pessoas divinas e a messianidade de Jesus.
Como essa afirmação de Pedro tinha um caráter
intensamente profético ― indicação de que havia sido ele escolhido pelo Pai,
que o inspirou ―, Jesus o tomou como a pedra fundamental de seu edifício, a
Igreja: “Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na Terra
será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na Terra será desligado nos Céus”
(Mt 16, 19).
Confirmação da efetiva primazia de Pedro
Jesus confirmou a escolha de Pedro, como chefe de
sua Igreja, em ocasiões diversas.
Essa responsabilidade do Príncipe dos Apóstolos foi
anunciada pelo Senhor, nos momentos trágicos que precederam a Paixão: .Simão,
Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como o trigo; mas eu
roguei por ti, para que a tua confiança não desfaleça; e tu, por tua vez,
confirma os teus irmãos. (Lc 22, 31-32).
Quase ao final do Evangelho de São João, vemos o
Mestre reafirmá-la: Jesus perguntou a Simão Pedro: Simão, filho de João,
amas-me mais do que estes? Respondeu ele: Sim, Senhor, tu sabes que te amo.
Disse-lhe Jesus: Apascenta os meus cordeiros. Perguntou-lhe outra vez: Simão,
filho de João, amas-me? Respondeu-lhe: Sim, Senhor, tu sabes que te amo.
Disse-lhe Jesus: Apascenta os
meus cordeiros. Perguntou-lhe pela terceira vez: Simão, filho de João, amas-me?
Pedro entristeceu-se porque lhe perguntou pela terceira vez: Amas-me?, e
respondeu-lhe: Senhor, sabes tudo, tu sabes que te amo. Disse-lhe Jesus:
Apascenta as minhas ovelhas. (Jo 21, 15-17).
Nosso Senhor confiava o seu rebanho (incluindo,
portanto, a própria Hierarquia) ao cuidado do Príncipe dos Apóstolos.
Dinastia indestrutível, instituída por Deus
Desde os primeiros dias da Igreja nascente, antes
ainda de Pentecostes, vemos a chefia de São Pedro reconhecida. Na primeira
decisão a ser tomada após a Ascensão do Senhor, quando se tratou de escolher um
substituto para Judas, foi São Pedro quem presidiu a reunião: .Num
daqueles dias, levantou-se Pedro no meio de seus irmãos, na assembléia reunida
que constava de umas cento e vinte pessoas, e disse…. (At 1, 15). É o
primeiro ato de São Pedro enquanto Vigário de Cristo, narrado pela Escritura.
Outras várias intervenções do Príncipe dos
Apóstolos na qualidade de Chefe da Igreja nos são narradas pelos Atos dos
Apóstolos (2, 14-41; 5, 29; 15, 7; 15, 19-20).
O primado de Pedro foi – e continuará sendo, em
seus sucessores, até o fim dos tempos – de verdadeira jurisdição, suprema,
universal e plena. Suprema porque não reconhece na Terra autoridade superior
nem igual no terreno religioso; universal, por se estender a todos os membros
da Igreja; plena, com a plenitude de poderes que Jesus Cristo outorgou ao
Primeiro entre os Doze.
Vinte séculos de História confirmam o quanto a
Igreja está, de fato, assentada numa firme e inabalável rocha, conforme a
promessa do Salvador.
Tão íntimo é o liame entre a instituição eclesial e
seu Chefe, que Santo Ambrósio pôde dizer: “Onde está Pedro, aí está a
Igreja”.
III – A proclamação do dogma
Oportet et haereses esse – (é
necessário haver heresias), afirma São Paulo na primeira epístola aos coríntios
(11, 19).
Embora o princípio da infalibilidade pontifícia
viesse sendo aceito, em geral, ao longo da História da Igreja, uma surda
contestação começou a ganhar vitalidade no século XIX, época em que a
influência do livre pensamento caminhava para um auge no mundo inteiro.
Convocação
do Concílio Vaticano I: expectativas e oposições
Nessas circunstâncias, o Espírito Santo inspirou ao
grande Papa que então governava a nau de Cristo, a convocação de um Concílio.
Em dezembro de 1864, o Beato Pio IX resolveu comunicar secretamente aos
cardeais seu projeto, argumentando serem grandes as turbulências doutrinárias e
morais e numerosos os erros que pretendiam introduzir-se na Igreja.
A Bula de convocação foi lançada anos mais tarde
(29/6/1868), provocando entusiasmo em alguns e apreensão em outros. Da Cúria
Romana nada extravasava da matéria a ser tratada, apesar da intensa atividade
preparatória. Essa situação fazia crescer de muito a curiosidade e se
intensificar uma certa agitação.
A explosão se tornou inevitável quando, em seu
número de fevereiro de 1869, a famosa revista da Companhia de Jesus, .La
Civiltà Cattolica., noticiou que a definição do dogma da infalibilidade papal
seria o tema principal do Concílio.
Tratava-se de um assunto inadmissível para as
correntes de livre pensamento daqueles dias. Pela exigüidade de espaço, citamos
apenas três reações dignas de nota:
1º) Um sacerdote alemão, o Pe. Inácio Döllinger
(1799- 1890), professor de História Eclesiástica na Faculdade de Munique,
lançou de imediato numerosos escritos contra o princípio da infalibilidade, constituindo-se
líder do movimento de oposição.
2º) O príncipe Clodoveu de Hohenlohe, presidente
dos Ministros da Baviera (naquele tempo um reino independente), interveio junto
aos governos europeus, alarmando-os contra os .perigos. do Concílio.
3º) Em Fulda (setembro de 1869) reuniram-se os
bispos alemães e elaboraram um comunicado ao Papa, declarando categoricamente a
inoportunidade da proclamação do dogma.
Para se ter uma idéia do clima de efervescência
reinante, basta mencionar que, no mesmo dia e hora em que no Vaticano se abria
o Concílio, iniciava-se em Nápoles um anti-concílio, com a presença de 700
delegados do mundo inteiro. Em poucos dias esse conciliábulo se desfez, em
razão da revolta do povo, escandalizado pelas blasfêmias proferidas ali contra
Jesus Cristo e Maria.
Nenhuma pressão ou ameaça abalou o Beato Pio IX,
resolvido a levar o Concílio até o fim.
Começa o Concílio
A 8 de dezembro de 1869 realizou-se a sessão
inaugural do Concílio, na Basílica de São Pedro, com a participação de 764
prelados.
Entre os padres conciliares, formaram-se
imediatamente dois grupos, o dos partidários e o dos adversários da
infalibilidade pontifícia. Uma parte dos que se manifestavam contrários não
contestava a doutrina em si, mas a oportunidade de sua definição. Sempre
derrotada na contagem dos votos, a minoria anti-infalibilista não conseguiu
frear os trabalhos, que celeremente preparavam a proclamação do dogma. Certas
matérias obtiveram unanimidade de aceitação.
O Concílio Vaticano I teve quatro sessões públicas.
A terceira delas – muito importante – promulgou a famosa Constituição
Dogmática Dei Filius (Filho de Deus), aprovada pela totalidade
dos padres conciliares, que tornava clara a doutrina da Igreja a respeito da
supremacia da Fé sobre a Razão e das relações
harmônicas entre ambas.
Essa doutrina constituiu um rude golpe contra
vários erros dominantes naqueles dias, como o panteísmo, o materialismo, o
ateísmo, o racionalismo, o positivismo e o kantismo.
A mais importante data do século XIX
A 18 de julho de 1870 realizou-se a quarta sessão
do Concílio, com 540 participantes (o restante havia retornado a suas dioceses
com autorização do Papa), e assim foi narrada pelo jornal Le Catholique:
“Entre as oito e as nove horas da manhã,
dirigiram-se os Padres para a Basílica de São Pedro, e depois de revestidos com
os ornamentos pontificais nas capelas destinadas para esse fim, e de ter
adorado o Santíssimo Sacramento, encaminharam- se individualmente para a sala
do concílio, tomando cada um o seu lugar do costume. “(Jornal .O
Católico., apud J. M. Villefranche, Pio IX, sua vida, sua história e
seu século).
Encerrado o cerimonial próprio para o ato – oração
ao Espírito Santo, hinos, ladainhas, etc. – com a duração de mais de uma hora,
ocorreu a votação dos padres conciliares presentes os quais, em sua quase
totalidade (538 contra 2), aprovaram a definição do dogma. Le Catholique
prossegue sua narrativa, escrevendo:
Depois de ter tomado conhecimento
do resultado dos votos, o Soberano Pontífice, de pé, com a mitra na cabeça,
proclamou e sancionou com sua suprema autoridade, os decretos e os cânones da
primeira Constituição Dogmática, a Pastor Aeternus.
“Dizem que o Papa quis falar logo depois do voto, mas nesse momento fez-se um tal rumor na assembléia, houve uma tal explosão de brados: .Viva Pio IX! Viva o Papa infalível!, que o Santo Padre teve de esperar. Depois disse com voz solene:
“Dizem que o Papa quis falar logo depois do voto, mas nesse momento fez-se um tal rumor na assembléia, houve uma tal explosão de brados: .Viva Pio IX! Viva o Papa infalível!, que o Santo Padre teve de esperar. Depois disse com voz solene:
“A autoridade do Soberano
Pontífice é grande, mas não domina, edifica. Ela sustenta, e muitas vezes
defende, os direitos de nossos irmãos, quero dizer, os direitos dos bispos. Que
aqueles que não votaram conosco, saibam que votaram com a desordem, e
recordem-se de que o Senhor é todo paz. Que se lembrem também de que há
alguns anos concordavam com nossas idéias e com as desta grande assembléia. E
então? Têm eles duas consciências e duas vontades a respeito da mesma coisa?
Deus tal não permita. Nós suplicamos a Deus, o único que faz os grandes
milagres, que ilumine seus espíritos e corações para que voltem ao seio de seu
Pai, isto é, do Soberano Pontífice, indigno Vigário de Jesus Cristo, a fim de
que os abrace, e que eles trabalhem conosco contra os inimigos da Igreja de
Deus. (Idem, ibidem).
Como Moisés no monte Sinai
Tal é a pálida descrição
do que se passou nessa imortal manhã de 18 de julho de 1870. A lembrança será
indelével para aqueles que tiveram a felicidade de assistir a esta bela
cerimônia religiosa. Um fato todo particular e notável nos é assinalado por um
correspondente. O Espírito Santo não deixou de sublinhar com
fenômenos naturais ato tão importante para a História da Igreja e dos homens.
Eis ainda um relato da época: .
No momento em que tinha lugar a
proclamação [do dogma da infalibilidade], uma tempestade que
desde a madrugada pairava surdamente sobre Roma, rebentou subitamente, abalando
as abóbadas de São Pedro, e um clarão enorme envolveu os assistentes. O trovão
não cessou de ribombar até o fim da leitura. Todos os assistentes pensaram
então no Sinai; parecia que uma nova revelação descia sobre o povo, assim como
sucedera com a lei de Moisés, no meio dos relâmpagos e dos trovões.
De repente, porém, quando se
ouviam as derradeiras palavras, a atmosfera serenou, e quando Pio IX entoou o
Te Deum, um raio de sol bateu em cheio no seu nobre e meigo semblante. O coro
da Capela Sistina, que deveria continuar o Te Deum, não pôde ser ouvido, as
vozes eram abafadas pelas dos Bispos e da multidão. (Idem,
ibidem).
Os termos da definição dogmática
Praça de São Pedro, 18 de julho de 1870: nesse dia
tão importante para a História da Igreja e dos homens, o Papa Pio IX proclama o
dogma da infalibilidade pontifícia, confirmando solenemente a suprema
autoridade apostólica do Vigário de Cristo
A
Constituição Pastor Aeternus, aprovada nessa última sessão do Concílio,
distribuída em quatro capítulos, fundamenta magistralmente na Bíblia e na
Patrística o valor e a substância do primado romano e sua perpétua duração; a
perpetuidade do primado de São Pedro nos Romanos Pontífices; o sumo, imediato e
universal poder de jurisdição do Santo Padre sobre a Igreja; e, por fim, no
capítulo 4º, define o dogma da infalibilidade pontifícia nos seguintes termos:
Por isso, Nós, apegando-nos à
Tradição recebida desde o início da fé cristã, para a glória de Deus, nosso
Salvador, para exaltação da religião católica, e para a salvação dos povos
cristãos, com a aprovação do Sagrado Concílio, ensinamos e definimos como dogma
divinamente revelado que o Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, isto
é, quando, no desempenho do ministério de pastor e doutor de todos os cristãos,
define com sua suprema autoridade apostólica alguma doutrina referente à fé e à
moral para toda a Igreja, em virtude da assistência divina prometida a ele na
pessoa de São Pedro, goza daquela infalibilidade com a qual Cristo quis munir
sua Igreja quando define alguma doutrina sobre a fé e a moral; e que, portanto,
tais declarações do Romano Pontífice são por si mesmas, e não apenas em virtude
do consenso da Igreja, irreformáveis.
“Se, porém ― o que Deus não
permita ―, alguém ousar contradizer esta nossa definição seja anátema”.
O Concílio aumenta o prestígio do Papado
Infelizmente, tornou-se
necessário interromper a magna assembléia, pois logo no dia seguinte foi
deflagrada a guerra franco-prussiana (19/7/1870). A maioria dos bispos teve de
regressar a seus países. E em 20 de setembro, Roma foi ocupada, tornando
impraticável a continuação dos trabalhos conciliares, que não mais foram
retomados.
Um grande historiador
eclesiástico assim narra os acontecimentos do pós-Concílio:
O Concílio foi, pois, adiado ‘sine
die’ Dos cinquenta e um assuntos que constavam da ordem das sessões, só foram
resolvidos dois. (…) .Embora o Concílio Vaticano I não tenha
terminado, sua transcendência foi extraordinária. Já no seu tempo, o mundo pôde
constatar como, graças a ele, havia acrescido o prestí- gio moral da Igreja e
do Papado. Essa é a razão da contrariedade manifestada por todos os adversários
do catolicismo. (Ludwig Hertling, SJ, Historia de la Iglesia).
O poder supremo e a infalibilidade do Papa, reafirmados pelo Concílio
Vaticano II
A Cátedra infalível de
Pedro é um ponto fundamental para a vida sobrenatural e até mesmo intelectual
de todo católico. Sem esse grande dom concedido pelo Divino Fundador à sua
Igreja, não teria ela atravessado um só século de História. Esta talvez seja
uma das razões pelas quais o Concílio Vaticano II, em sua Constituição
Dogmática Lumen gentium, tenha afirmado:
“Mas o colégio ou corpo
episcopal não tem autoridade, se nele não se considerar incluído, como cabeça,
o Romano Pontífice, sucessor de Pedro, permanecendo sempre íntegro o
seu poder primacial sobre todos, tanto pastores como fiéis. Pois o Romano
Pontífice, em virtude de seu cargo de Vigário de Cristo e de Pastor de toda a
Igreja, tem poder pleno, supremo e universal sobre a Igreja, e pode sempre
exercê-lo livremente. O primado foi dado a Pedro para mostrar que a
Igreja de Cristo e a Cátedra são uma só. Quem se opõe e resiste à Igreja, quem
abandona a Cátedra de Pedro sobre a qual aquela está fundada, pode pensar que
se acha dentro da Igreja?
Por outro lado, a ordem
dos bispos, que sucede ao colégio apostólico no magistério e no regime
pastoral, e na qual perdura continuamente o corpo apostólico em união com a sua
cabeça, o Romano Pontífice, e nunca sem ele, é também detentora do poder supremo
e pleno sobre a Igreja universal, mas este poder não pode ser exercido senão
com o consentimento do Pontífice romano. Só a Pedro o Senhor pôs como rocha e
portador das chaves da Igreja (cf. Mt. 16, 18- 19) e constituiu pastor de toda
a sua grei (cf. Jo 21, 15ss); mas o ofício que deu a Pedro de ligar e desligar
(Mt 16, 19) é sabido que o deu também ao colégio dos apóstolos, unidos com a
sua cabeça (Mt 18, 18; 28, 16-20). (…) Não pode haver Concílio
ecumênico que como tal não seja aprovado ou ao menos reconhecido pelo sucessor
de Pedro; e é prerrogativa do Romano Pontífice convocar esses Concílios,
presidi-los e confirmá-los. (nº 22).
A infalibilidade, de que
o Divino Redentor dotou a sua Igreja para definir a doutrina de fé e costumes,
abrange o depósito da Revelação que deve ser guardado com zelo e exposto com
fidelidade. O Romano Pontífice, cabeça do colégio episcopal, goza desta
infalibilidade em virtude do seu ofício, quando define uma doutrina de fé ou de
costumes, como supremo Pastor e Doutor de todos os cristãos, confirmando na fé
os seus irmãos (cf. Lc 22, 32). Por isso, as suas definições são irreformáveis
em si mesmas, sem necessidade do consentimento da Igreja, uma vez que são
pronunciadas sob a assistência do Espírito Santo, prometida ao Papa na pessoa
de Pedro: não precisam da aprovação de ninguém, nem admitem qualquer apelo a
outro juízo. É que nestes casos, o Romano Pontífice não dá uma opinião como
qualquer pessoa privada, mas propõe ou defende a doutrina da fé católica como
mestre supremo da Igreja universal, dotado pessoalmente do carisma da
infalibilidade que pertence à Igreja. (nº 25).
Quem não crê na infalibilidade pode ser
autenticamente católico?
Nós, os Arautos do
Evangelho, escolhemos esta festa litúrgica da Santa Igreja, a da Cátedra
de Pedro, para a aprovação de nossa entidade por S.S. o Papa João Paulo II,
em 2001. Com isto queríamos mostrar a nossa total consonância com as razões que
levaram a Igreja a instituir esta comemoração.
É com enorme júbilo que
celebramos neste mês nosso segundo aniversário de existência enquanto
Associação Internacional de Direito Pontifício. E aproveitamos este ensejo para
reafirmar nossa amorosa adesão ao Papado, sentimento que é um dos mais caros de
todos aqueles que, com fervor, abraçam a Fé católica na sua autenticidade.
Terminemos com as
palavras de São Cipriano: “Para manifestar a unidade, estabeleceu uma
cátedra, e com sua autoridade dispôs que a origem dessa unidade se
fundamentasse em uma pessoa. (…) o princípio dimana da unidade, e o
primado foi dado a Pedro para mostrar que a Igreja de Cristo e a Cátedra são
uma só. (…) .Quem não crê nessa unidade pode ter fé? Quem se opõe e
resiste à Igreja, quem abandona a Cátedra de Pedro, sobre a qual aquela está fundada,
pode pensar que se acha dentro da Igreja?” (De unitate sobre a
unidade da Igreja Católica).
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