Comentários ao Evangelho I Domingo da Quaresma - Ano A
Naquele tempo, 1 o Espírito conduziu Jesus ao
deserto, para ser tentado pelo diabo.
2 Jesus
jejuou durante quarenta dias e quarenta noites, e, depois disso, teve
fome. Então, o tentador aproximou-se e disse a Jesus: “Se és Filho de
Deus, manda que estas pedras se transformem em pãesl” 4Mas Jesus respondeu:
“Está escrito: ‘Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca
de Deus”.
5 Então o
diabo levou Jesus à Cidade Santa, colocou-O sobre a parte mais alta do Templo,
6 Lhe disse: “Se és Filho de Deus, lança-Te daqui abaixo! Porque está escrito
Deus dará ordens aos seus Anjos a teu respeito, e eles Te levarão nas mãos,
para que não tropeces em alguma pedra”. Jesus lhe respondeu: “Também está
escrito: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus!”
8 Novamente,
o diabo levou Jesus para um monte muito alto. Mostrou-Lhe todos os reinos do
mundo e sua glória, Lhe disse: “Eu Te darei tudo isso, se Te ajoelhares
diante de mim, para me adorar”. 10 Jesus lhe disse: “Vai-te embora, satanás,
porque está escrito: ‘Adorarás ao Senhor teu Deus e somente a Ele prestarás
culto”. 11 Então o diabo O deixou. E os Anjos se aproximaram e serviram a Jesus
(Mt 4, 1 - 1 1).
Sua vitória é nossa força
Ao triunfar
sobre o demônio e as tentações no deserto, Nosso Senhor nos dá a principal
garantia de que também nós, sustentados pela graça, podemos transpor incólumes
todas as lutas espirituais.
“A VIDA DO HOMEM
SOBRE A TERRA É UMA LUTA”
Os fenômenos da
natureza humana, mesmo os mais comuns, não raras vezes obedecem a leis que, ao
serem analisadas com atenção, podem nos proporcionar valiosas lições. E o que
acontece quando sofremos uma fratura e somos obrigados, por exemplo, a manter
engessado durante longo período um braço ou uma perna. No momento em que o
gesso é retirado comprovamos que o membro atingido, embora antes fosse forte e
vigoroso, tornou-se flácido. A musculatura ficou atrofiada pela imobilidade,
sendo necessário submetê-la a sessões de fisioterapia para readquirir seu
aspecto normal. Algo parecido se verifica com o homem que trabalhou a vida
inteira e, ao se aposentar, opta por uma existência sedentária, permanecendo
sentado na maior parte do dia numa confortável cadeira de balanço. Tal regime o
expõe, com o tempo, a alguma grave doença, pois a constituição do ser humano
exige movimento, esforço e combate.
Isso tem sua
reversibilidade na vida espiritual, e até com maior razão. Nossa alma precisa
exercitar-se constantemente na virtude a fim de aderir ao bem com toda a força,
para o que as dificuldades, sobretudo a tentação, contribuem com um importante
estímulo, como recorda Santo Agostinho: “Nossa vida neste desterro não pode
existir sem tentação, já que o nosso progresso é levado a cabo pela tentação.
Ninguém se conhece a si mesmo se não é tentado; nem pode ser coroado se não
vence; nem vence se não peleja; nem peleja se lhe faltam inimigo e tentações” .
A Liturgia
deste 1º Domingo da Quaresma nos ensina a reconhecer a necessidade e o valor da
tentação.
O Paraíso
Terrestre: uma maravilha que excede a natureza humana
A primeira
leitura (Gn 2, 7-9; 3, 1-7) relata como Deus, depois de criar o homem, o
introduziu no Paraíso Terrestre onde “fez brotar da terra toda sorte de árvores
de aspecto atraente e de fruto saboroso ao paladar, a árvore da vida no meio do
jardim e a árvore do conhecimento do bem e do mal” (Gn 2,9). Segundo São Tomás
de Aquino,2 era um lugar muito superior à natureza do homem — moldado com a
terra deste mundo e só depois levado para o Eden (cf. Gn 2, 7-8) —, mas ao qual
ele se adequava em virtude do dom sobrenatural da incorruptibilidade, infundido
por Deus. Podemos supor que a natureza vegetal ali era esplendorosa, com flores,
frutos e folhagens dotados de um brilho especial, e animais mais perfeitos que
os atuais.
Apesar de
estarem cercados de maravilhas, algo faltava a nossos primeiros pais: não
tinham o mérito da fidelidade face às vicissitudes e reveses, o mérito da luta.
A este propósito, comenta o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira: “Até aquele
momento, que luta tinha travado Adão? Nenhuma. Ele não tinha más inclinações,
ele não tinha [defeitos] nativos, [...] ele não tinha apetência para o mal.
[...] No Paraíso havia tudo, exceto um herói!”.3
Em meio ao
esplendor, surge a tentação
Nessa situação
de felicidade — narra o Gênesis —, aproxima-se o demônio para tentá-los através
da serpente, “o mais astuto de todos os animais dos campos que o Senhor Deus
tinha feito” (3, la). Ladino, ele inicia um diálogo com Eva e lhe indaga: “E
verdade que Deus vos disse: ‘Não comereis de nenhuma das árvores do jardim?”
(Gn 3, lb). Deturpação característica do pai da mentira, pois Deus não havia
dito isto a Adão, apenas proibira de comer do fruto da árvore da ciência do bem
e do mal, acrescentando uma advertência: “no dia em que dele comeres, morrerás
indubitavelmente” (Gn 2, 17). Uma vez estabelecida a conversa, o demônio já
havia alcançado metade de seu intento. Só faltava levá-los à queda.
Adão e Eva sucumbiram à tentação, mas o
Evangelho deste domingo nos ensina a opor resistência ao inimigo infernal,
seguindo as pegadas de Nosso Senhor. Por ter assumido a natureza humana, Jesus
adquiriu o direito de nos conferir seus méritos e força para enfrentar o
demônio, tornando-nos também triunfantes à medida que nos unimos a Ele. E neste
episódio nos dá uma lição de como combater.
NOSSO SENHOR QUIS
SER TENTADO
A tentação de Jesus se deu no início de sua vida pública, logo
depois de ter recebido o Batismo de São João. Estendeu-se ao longo de quarenta
dias no deserto de Judá, região isolada, inóspita e habitada por feras
selvagens. Segundo a tradição, Ele permaneceu em oração e rigoroso jejum numa
elevação existente nas proximidades de Jericó, hoje chamada Monte da
Quarentena. Encontramos uma pré-figura desse acontecimento nas vidas de Moisés
e Elias, que também se retiraram pelo mesmo período durante o desempenho de sua
missão profética (cf. Ex 34, 28; I Rs 19, 5-8).
Deus permite a
tentação para o nosso bem
Naquele
tempo, 1 o Espírito conduziu Jesus ao deserto, para ser tentado pelo diabo.
Neste primeiro
versículo, chama-nos especial atenção o fato de Nosso Senhor ter sido conduzido
pelo Espírito Santo. No Batismo do Jordão Ele fora glorificado pelo Pai, cuja
voz se ouviu enquanto o Paráclito descia sob a forma de uma pomba, em
circunstâncias que à primeira vista diríamos muito propícias para inaugurar seu
período de pregação. Ao invés disso, quis Se dirigir ao deserto. Sua atitude
nos mostra que quando somos chamados a realizar alguma obra importante devemos
rezar antes, tal como a Igreja recomenda fazer, no início de todas as
atividades.
Disso nos dá
exemplo o Filho de Deus ao escolher o isolamento. E não somente com vistas à
contemplação, mas também para “ser tentado pelo diabo”, como deixa claro São
Mateus. Por que motivo isso teria sido permitido por Deus? Ora, enquanto
Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Nosso Senhor era incapaz de sofrer a
menor tentação; como Homem, todavia, quis padecê-la para vencer o demônio e
quebrar seu poder. Assim, o anjo decaído seria derrotado por uma criatura
humana.
Satanás, por
sua vez, não tinha conhecimento de que Nosso Senhor Jesus Cristo era Deus, e
apenas julgava que fos se seu Filho, sem possuir a mesma natureza do Pai.
Ignorava também o mistério da união hipostática, embora reconhecesse que Jesus
estava na graça de Deus. Em suma, o maligno arrastava uma forte insegurança a respeito
da identidade de Cristo, e daí o interesse em tentá-Lo para descobrir quem era,
na realidade. Seu objetivo, porém, terminará frustrado e ele se verá obrigado a
partir sem saber o que desejava, pois Nosso Senhor não lhe dará possibilidade
de chegar a uma conclusão, segundo comenta São Jerônimo: “Em todas as tentações
o diabo faz isto para saber se é Filho de Deus, mas o Senhor mede a resposta de
modo a deixá-lo na dúvida”.4 E evidente que Jesus jamais poderia ser logrado
pela astúcia do demônio, uma vez que era seu Criador.
Quando a
tentação se abate sobre nós, temos a tendência de perguntar: “Por que Deus a
permite?”. Certamente para o nosso bem, caso contrário Nosso Senhor não a teria
experimentado. Lembremo-nos de que Jesus é conduzido pelo Espírito Santo, e
quem permite a tentação é o Pai, o qual dissera pouco antes: “Eis meu Filho
muito amado em quem ponho minha afeição” (Mt 3, 17). Se o Pai manifesta sua
complacência pelo Filho e, em seguida, consente em sua ida para o deserto, por
que não quererá que nós, que recebemos a vida divina por meio d’Ele, sigamos o
mesmo caminho?
De fato, o Pai
quis que tivéssemos um paradigma, Cristo Jesus, e, ao passarmos por tentações,
agíssemos em conformidade com Ele. Não podemos tomar a provação como um
desastre ou um sinal de decadência na vida espiritual, pois se assim fosse
deveríamos concluir que Nosso Senhor havia passado por uma crise espiritual
nesse episódio, o que é absurdo e até blasfemo. Muito pelo contrário, deitemos
especial empenho em analisar o procedimento de Jesus, tendo presente que o
relato das tentações é tão só uma síntese do que na realidade aconteceu. Vários
Santos mostraram-se favoráveis à hipótese de que Ele tivesse sido provado
inúmeras vezes e de todos os modos, no decorrer dos quarenta dias, como já
tivemos oportunidade de comentar.5
O demônio se
aproveita das fraquezas humanas
2 Jesus
jejuou durante quarenta dias e quarenta noites, e, depois disso, teve fome.
O recolhimento
de Nosso Senhor no deserto atinge seu auge ao cabo de quarenta dias, e é esse o
momento escolhido por satanás para tentá-Lo de forma particular, o que
novamente encerra um ensinamento, pois muitas vezes as piores provações se
abatem sobre nós nas melhores fases da vida espiritual. Quando começamos a dar
passos firmes nas vias da virtude, o demônio costuma intensificar as tentações,
visando impedir a nossa santificação. Este versículo mostra ainda como Jesus
padecia as contingências físicas próprias à natureza humana, das quais o
demônio tirou proveito para pô-Lo à prova. Depois de enfrentar longos dias sem
comer nem beber, só uma sustentação sobrenatural O mantinha vivo. Ele estava
exangue, consumindo suas últimas energias, e o tentador, por sua vez,
encontrava-se à espreita para agir. Tal é o artifício que conosco emprega
satanás: ele se aproveita das debilidades humanas. No nosso caso, de maneira
diversa ao que se passava com Nosso Senhor, sofremos as fraquezas decorrentes
do pecado, como a concupiscência, a inclinação para o mal e as paixões
desregradas. Se consentimos nas propostas do espírito das trevas, ele alcança o
objetivo desejado ao nos tentar, fazendo-nos morrer para a vida sobrenatural.
A tentação tem
seu início na sensibilidade
3 Então, o
tentador aproximou-se e disse a Jesus: ‘Se és Filho de Deus, manda que estas
pedras se transformem em pães!”
O demônio,
conforme vimos, não sabia ao certo se Jesus Cristo era o Messias. E provável
que possuísse uma vaga noção a respeito disso, por ter-lhe sido revelado quando
era um Anjo de luz no Céu, mas, ainda neste caso, nem todo o plano divino sobre
a Encarnação chegou a ser de seu conhecimento. Recordemo-nos de que São Paulo
afirmou ter sido chamado a ensinar verdades ignoradas inclusive pelo mundo
angélico (cf. Ef 3, 10).
Dado o impasse
no qual estava, o tentador decidiu investir contra o Homem-Deus, tanto para
descobrir quem Ele era quanto para induzi-Lo a cair no apego à matéria. Como no
Paraíso, deu Início à conversa usando um método muito velhaco, de acordo com a
necessidade da ocasião e os elementos existentes no local. Observam os exegetas
que o deserto onde Nosso Senhor Se encontrava tinha pedras de aspecto muito
aprazível, com formato arredondado e cor dourada, parecido ao dos deliciosos
pães ázimos consumidos naquele tempo no Oriente.6 Portanto, em certo sentido,
semelhantes ao fruto proibido do Paraíso, que era “atraente para os olhos e
desejável” (Gn 3, 6), dando a ideia, sobretudo para quem tinha poder para isso,
de serem transformáveis em pão. Bastaria um ato de sua vontade e Jesus as
converteria num magnifico alimento saído do forno de sua palavra criadora,
suficiente para Lhe saciar a fome. Ele, que ainda multiplicaria pães e peixes,
transmutaria a água em vinho e operaria outros milagres sobre a comida, estava
em condições favoráveis de transformar aquelas pedras. E satanás O estimula, em
sua humanidade, para que use de suas capacidades sobrenaturais.
Eis a tática
empregada pelo anjo das trevas na hora da tentação: começa por excitar a
sensibilidade. Ao agir assim, atinge grande número de almas, sobretudo
fomentando o interesse pelos bens materiais. Estes, e em especial o dinheiro,
são simbolizados pela pedra e pelo pão, e constituem o maior empecilho para a
santificação dos que põem sua esperança nos valores deste mundo.
O demônio mente
ao fazer esta proposta a Nosso Senhor, pois promete a vida — comer, naquela
circunstância, era uma questão de subsistência —, mas é à morte que quer
conduzi-Lo, ao sugerir que use seu poder divino para satisfazer uma mera
necessidade humana. Na verdade, Ele tinha direito de operar o milagre, mas o
demônio não o sabia. Esta passagem nos confirma como satanás nunca promove a
vida nem produz união, pois só se empenha em levar as almas ao pecado e, após
lograr a queda de muitas delas, visa o aniquilamento da sociedade.
Uma vez lançado o desafio, iria Nosso Senhor
dialogar com o tentador?
Com o diabo não
se conversa
4 Mas Jesus respondeu: “Está escrito: ‘Não só de pão vive o
homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”.
Tomando uma
atitude radical, Ele cortou a conversa com o demônio. Como podemos comprovar
nesta e nas tentações seguintes, suas respostas são taxativas, dadas com a
nítida intenção de encerrar o colóquio. Além disso, o argumento utilizado por
Jesus baseia-se na autoridade da Escritura, contra a qual não há recurso. Ao
evocar as palavras do Deuteronômio, “não só de pão vive o homem” (8, 3), Ele
como que afirmava: “Não só de pão, mas também de pão”. Reconhece a necessidade
do alimento e até do dinheiro, porém, ensina que devem ser utilizados com a primeira
atenção posta em Deus. Seu divino exemplo é de desprendimento das coisas
concretas.
Outra lição que
daí decorre diz respeito ao modo de proceder de Jesus em face de uma
necessidade pessoal. Aquilo que o demônio queria que realizasse em proveito próprio,
ao converter as pedras em pão, Ele o faz depois, em favor de terceiros, nas
Bodas de Caná, ao converter a água em vinho (cf. Jo 2, 1-11), e multiplicando
pães e peixes ao longo da vida pública (cf. Mt 14, 15-21; Mc 6, 30-44; Lc 9,
10-17; Jo 6, 1-13). Sua conduta é perfeita, pois precisamos dar aos Outros
aquilo que o maligno sugere que obtenhamos para nós mesmos, e fazer-lhes o bem
que gostaríamos de receber.
Movido por sua
característica pertinácia, o anjo mau não desiste e faz nova proposta.
A quimera de uma
religião sem cruz
Então o diabo
levou Jesus à Cidade Santa, colocou-O sobre a parte mais alta do Templo, 6 e
Lhe disse: “Se és Filho de Deus, lança-Te daqui abaixo! Porque está escrito:
‘Deus dará ordens aos seus Anjos a teu respeito, e eles Te levarão nas mãos,
para que não tropeces em alguma pedra”. Jesus lhe respondeu: “Também está
escrito: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus!”
Ðiscutem os
autores se o demônio foi caminhando com o Divino Mestre até a parte mais alta
do Templo ou se usou de suas faculdades angélicas para conduzi-Lo até lá.7
Grande parte deles sustenta que O levou pelos ares, para dar-Lhe a sensação de
que tinha muito poder. Insensatez, pois o tentador não sabia que Jesus Cristo,
enquanto Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o criara e lhe outorgara a
capacidade de realizar este prodígio. “Levava Cristo como se Ele estivesse
obrigado, sem dar-se conta de que ia voluntariamente”.8 No alto do Templo o
diálogo continua, e como Nosso Senhor silenciou satanás na primeira tentação valendo-Se
da Escritura, ele agora contra-ataca, com inteligência, utilizando a mesma
arma. Seu argumento consiste em alegar a proteção que Deus Lhe daria se Ele Se
lançasse do pináculo do edifício sagrado. Não obstante, “as falsas flechas do
diabo, tiradas das Escrituras, são quebradas por Cristo com os escudos
verdadeiros das próprias Escrituras”.9
Nesta tentação
o demônio propunha uma caricatura da Religião verdadeira, excluindo o papel da
dor, do sacrifício e do caminho autêntico para a santidade. Uma religião
baseada no fabuloso, no portento e no prodígio, porque, do principal local de
culto de Israel desceria de forma fulgurante o Messias, muito diferente do
varão crucificado que Nosso Senhor estava destinado a ser, por amor à
humanidade pecadora. A resposta admite dois sentidos, para confundir o diabo e
dar a conversa, mais uma vez, por concluida: “Não me tentes porque Eu sou Deus”
ou “Eu não posso fazer isto, porque seria tentar a Deus”. Nós, porém, podemos
interpretá-la como um ensinamento a respeito da resignação que deve
caracterizar o nosso relacionamento com Jesus. É lícito pedirmos milagres e até
manifestações grandiosas, mas cientes de que se não formos atendidos a nossa fé
tem de permanecer intacta.
O príncipe das
trevas sempre tira o que promete
Novamente, o
diabo levou Jesus para um monte muito alto.
Mostrou-Lhe
todos os reinos do mundo e sua glória, 9 Lhe disse: “Eu Te darei tudo isso, se Te
ajoelhares diante de mim, para me adorar”, ‘° Jesus lhe disse: “Vai-te embora,
satanás, porque está escrito: ‘Adorarás ao Senhor teu Deus e somente a Ele
prestarás culto”. Então o diabo O deixou, E os Anjos se aproximaram e serviram
a Jesus.
Apesar de ter
sido vencido duas vezes, o demônio deseja chegar ao último ponto: ser adorado
por Nosso Senhor, o que suporia uma negação do culto a Deus. Para isto ele
oferece o domínio temporal que — sempre cobiçado ao longo da História —levou
muitos homens a seguir os ídolos, abandonando o verdadeiro Deus. No entanto,
com uma resposta que não prima pela diplomacia, Jesus, em primeiro lugar,
expulsa o príncipe das trevas e, depois, ainda sublinha que apenas ao Senhor —
ou seja, a Ele mesmo — é devido o culto que o maldito pretendia desviar para si.
Grande é o
contraste entre Adão e Nosso Senhor Jesus Cristo. O primeiro deu ouvidos à
recomendação da serpente, transmitida por Eva, e comeu o fruto, perdendo aquilo
que o demônio prometera: “sereis como Deus” (Gn 3, 5). Pois com o pecado a vida
divina se extinguiu em sua alma, enquanto se tivesse correspondido ao mandado
do Senhor receberia um acréscimo de felicidade, manteria o estado de graça e
teria feito notável progresso na vida espiritual. Portanto, aquilo que o
tentador fingia querer dar foi justamente o que lhe roubou. A Nosso Senhor ele
ofereceu o serviço dos Anjos e todos os tesouros da Terra, coisas que era
incapaz de conceder, mas que foram entregues a Jesus-Homem junto com a realeza
sobre toda a humanidade e sobre a ordem da criação, por ter vencido satanás e
ter abraçado os tormentos do Calvário. Eis um princípio que deve nortear
constantemente a nossa vida, até a hora da morte: nunca podemos dialogar com o
demônio, criatura maldita que sempre tira aquilo que promete. Devemos encerrar
qualquer conversa com ele logo no início, com o apoio da Palavra de Deus, à imitação
de Nosso Senhor Jesus Cristo.
O VALOR DAS
TENTAÇÕES
Na segunda leitura (Rm 5, 12.17-19), São Paulo sintetiza o
ensinamento da Liturgia deste 1 Domingo da Quaresma: se “o pecado entrou no
mundo por um só homem [...], pela obediência de um só, toda a humanidade
passará para uma situação de justiça” (Rm 5, 12.19). Sua afirmação deixa
patente como toda graça, força e poder foram franqueados ao gênero humano pela
fidelidade de Cristo, modelo supremo no combate às tentações.
Existem doentes
com uma espécie de complexo causado por verem pessoas saudáveis, a quem muitas
vezes gostariam de transmitir suas enfermidades para aliviar o instinto de
sociabilidade ferido, por se sentirem diferentes ou inferiores. Assim também
age satanás. Ao cair no inferno, por ter-se revoltado contra Deus, passou a
detestar os que batalham para obter a salvação, por serem seus inimigos e
adoradores de quem ele odeia. Então, quer o demônio a nossa perdição e
permanece à espreita, andando em derredor, “como o leão que ruge, buscando a
quem devorar” (I Pd 5, 8), pronto para nos empurrar precipício abaixo e nos
lançar na mesma infelicidade eterna na qual ele se jogou.
A tentação é um
benefício
Deus lhe
permite tentar-nos, com vistas ão nosso benefício, para nos dar oportunidade de
adquirir força, experiência e sagacidade na luta contra ele, e, derrotado este,
outorgar-nos o prêmio de não ter cedido. Mas se tivermos a desgraça de
sucumbir, não nos esqueçamos do Salmo Responsorial (cf. Sl 50, 3a), que diz:
“Piedade, ó Senhor, tende piedade, pois pecamos contra Vós”. Estas palavras do
rei Davi, o perfeito arrependido, recordam como, desde que reconheçamos nosso
pecado com verdadeira contrição e desejo de nunca recair na falta cometida,
nossas culpas serão apagadas. Quando nos apegamos a Nosso Senhor e à
misericórdia de Nossa Senhora, recebemos o consolo de sermos perdoados.
Foi o que
aconteceu a Adão e Eva. À medida que foram comprovando as consequências da
falta cometida, deram-se conta de que não valera a pena ter comido o fruto
proibido e, sem dúvida, choraram seu crime. Quantas vezes algo semelhante se
passa conosco quando, depois de ter percorrido um bom trecho da vida, olhamos
para trás e verificamos que o pecado não compensou. Nessas horas a lembrança de
nossas quedas servirá para ilustrar e fortalecer as atitudes do presente,
ajudando-nos a tomar decisões bem firmes e acertadas.
As tentações
nos obtêm, sobretudo, méritos para a eternidade. Tanto o santo quanto o pecador
são tentados, e às vezes oprimeiro mais que o segundo, a julgar pelo modo atroz
com que satanás investiu contra Nosso Senhor. A grande diferença entre ambos é
que um recusa as solicitações e o outro se rende. Logo, ser tentado não é um
desastre, pelo contrário, pode ser até um bom sinal. De nossa parte é preciso
não consentir e, para isso, apoiemo-nos no auxílio divino, pois seria uma
insensatez concebermos nossas qualidades como o fator essencial na luta contra
o demônio, o mundo e a carne.
A nossa força
está na graça
Diante da
tentação, devemos crer na força de Nosso Senhor Jesus Cristo e não nas nossas.
No deserto, o diabo quis convencê-Lo do quanto Ele era poderoso, capaz e apto a
estar no centro dos acontecimentos, e faz o mesmo conosco incitando-nos, pelo
orgulho, a esquecer a graça e a vida interior, imprescindíveis para resistir.
Daí a necessidade absoluta de nos aproximarmos dos Sacramentos com a maior
frequência possível, de “orar sempre sem jamais deixar de fazê-lo” (Lc 18, 1);
de recorrermos à mediação de Nossa Senhora e à intercessão dos Santos; de
termos, enfim, ao longo de todo o dia, a nossa primeira atenção posta no
sobrenatural, como São Paulo: “A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé
no Filho de Deus, que me amou e Se entregou por mim” (Gal 2, 20). Assim
obteremos forças para enfrentar todos os problemas, pois quem é negligente em
sua vida interior perde o principal instrumento de combate. O Apóstolo,
confiante na ajuda divina, não se sentia intimidado por nenhuma adversidade:
“Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação? A angústia? A perseguição?
A fome? A nudez? O perigo? A espada? Realmente, está escrito: ‘Por amor de Ti
somos entregues à morte o dia inteiro; somos tratados como gado destinado ao matadouro’.
Mas, em todas essas coisas, somos mais que vencedores pela virtude d’Aquele que
nos amou. Pois estou persuadido de que nem a morte, nem a vida, nem os Anjos,
nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem as
alturas, nem os abismos, nem outra qualquer criatura nos poderá apartar do amor
que Deus nos testemunha em Cristo Jesus, Nosso Senhor” (Rm 8, 35-39).
Se uma criança
recém-batizada tem mais poder do que todos os infernos reunidos, os que possuem
a vida divina nada devem temer! Quando o inimigo nos assalta, unamo-nos ainda
mais a Nosso Senhor Jesus Cristo, animados pela lição deste início de Quaresma:
para vencer todas as tentações é indispensável contar com a graça divina.
1) SANTO
AGOSTINHO. Enarratio in psalmum LX, n.3. In: Obras. Madrid: BAC, 1965, v.XX, p.519.
2) Cf. SAO
TOMAS DE AQUINO. Suma Teológica. T, q.102, a.4.
3) CORREA DE
OLIVEIRA, Plinio. Palestra. São Paulo, 21 set. 1985.
4) SÃO
JERÔNIMO. Comentario a Mateo. L.I (1,1-10, 42), c.4, n.21. In: Obras Completas.
Comentario a Mateo y otros escritos. Madrid: BAC, 2002, v.11, p.39.
5) Cf. CLA
DIAS, EP, João Scognamiglio. Convertei-vos e crede no Evangelho. In: Arautos do
Evangelho. São Paulo. N.122 (Fey., 2012); p.10-i7; Os benefícios das tentações.
In:Arautos do Evangelho. São Paulo. N.62 (Fey., 2007); p.10-I7
6) Cf. WILLAM,
Franz Michel. A vida de Jesus no país e no povo de Israel. Petrópolis: Vozes,
1939, p.85.
7) Cf.
MALDONADO, SJ, Juan de. Comentario a los Cuatro Evangelios. Evangelio de San
Mateo. Madrid: BAC, 1950, v.1, p.213-214.
8) AUTOR
INCERTO. Opus impeifectum in Matthceum. Homilia V, c.4, n.5: MG 56, 665.
9) SAO JERONIMO, op. cit., p.41.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Escreva seus comentarios e sugerencias