COMENTÁRIO
AO EVANGELHO DA SOLENIDADE DE CRISTO REI CRISTO REI - Lc 23, 35-43 ANO C - 2013
Mons.
João Scognamiglio Clá Dias,EP
O
povo estava a observar. Os príncipes dos sacerdotes com o povo O
escarneciam dizendo: “Salvou os outros, salve-Se a Si mesmo, se é
o Cristo, o escolhido de Deus!” 36 Também o insultavam os soldados
que, aproximando-se dele e oferecendo-lhe vinagre, 37 diziam: “Se
és o Rei dos judeus, salva-Te a Ti mesmo!” 38 Estava também por
cima de sua cabeça uma inscrição: “Este é o Rei dos judeus”.
39 Um daqueles ladrões que estavam suspensos da cruz, blasfemava
contra ele, dizendo: “Se és o Cristo, salva-Te a Ti mesmo e a nós”
40 O outro, porém, tomando a palavra, repreendia-o dizendo: “Nem
tu temes a Deus, estando no mesmo suplício? 41 Quanto a nós se fez
justiça, porque recebemos o castigo que mereciam nossas ações, mas
Este não fez nenhum mal.” 42 E dizia a Jesus: “Senhor, lembra-Te
de mim, quando entrares no teu Reino!” 43 Jesus disse-lhe: “Em
verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso.”
(Lc 23, 35-43).
REI
NO TEMPO E NA ETERNIDADE
Ao
ouvirmos este Evangelho da Paixão, de imediato surge em nosso
interior uma certa perplexidade: por que a Liturgia, para celebrar
uma festa tão grandiosa como a de Cristo Rei, terá escolhido um
texto todo ele feito de humilhação, blasfêmia e dor?
Tanto
mais que, em extremo contraste com esse trecho de São Lucas, a
segunda leitura de hoje nos apresenta Jesus Cristo como sendo “a
imagem do Deus invisível, o Primogênito de toda a criação (...)
porque foi do agrado do Pai que residisse n’Ele toda a plenitude”
(Col 1, 15 e 19). Como conciliar esses dois textos, à primeira
vista, tão contraditórios?
Para
melhor compreendermos esse paradoxo, devemos distinguir entre o
Reinado de Cristo nesta terra e o exercido por Ele na eternidade. No
Céu, seu reino é de glória e soberania. Aqui, no tempo, ele é
misterioso, humilde e pouco aparente, pelo fato de Jesus não querer
fazer uso ostensivo do poder absoluto que tem sobre todas as coisas:
“Foi-me dado todo o poder no Céu e na terra” (Mt 28, 18).
Apesar
de as exterioridades nos causarem uma impressão enganosa, Ele é o
Senhor Supremo dos mares e dos desertos, das plantas, dos animais,
dos homens, dos anjos, de todos os seres criados e até dos criáveis.
Porém, diante de Pilatos, assevera: “O meu Reino não é deste
mundo” (Jo 18, 36), porque não quer manifestar seu império em
todas as suas proporções, a não ser por ocasião do Juízo Final.
Assim,
enquanto o Evangelho nos fala de seu Reinado terreno, a Epístola
proclama o triunfo de sua glória eterna. No tempo, vemo-Lo exangue,
pregado na Cruz entre dois ladrões, sendo escarnecido pelos
príncipes dos sacerdotes e pelo povo, insultado pelos soldados e
objeto das blasfêmias do mau ladrão. A Liturgia exige de nós um
esforço de fé para, indo além do fracasso e da humilhação,
crermos na grandiosidade do Reino de Jesus.
Por
outro lado, errôneo seria imaginar que Ele não deve reinar aqui na
terra. Para compreender bem o quanto Cristo é Rei, é preciso
diferenciar seu modo de governar daquele empregado pelo mundo.
O
governo humano, quando ateu, encontra sua força nas armas, no
dinheiro e nos homens. Tem por finalidade as grandes conquistas
territoriais, perdurar longamente e alcançar a felicidade terrena.
Porém, o tempo sempre demonstra o quanto esses objetivos são
ilusórios e até mentirosos. As armas em certo momento caem ao solo,
ou se voltam contra o próprio governante; o dinheiro é por vezes um
bom vassalo mas sempre um mau senhor; os homens, quando não
assistidos pela graça, neles não se pode confiar.
Napoleão
Bonaparte é um bom exemplo do vazio enganador no qual se fundamentam
os Impérios neste mundo. Basta imaginá-lo proclamando seu fracasso
do alto de um penhasco na ilha Santa Helena, durante o penoso exílio
ao qual ficara reduzido. Em síntese, a plenitude da felicidade de um
governador terreno é um sonho irrealizável. E ainda que ela fosse
atingível, a nós caberia a frase do Evangelho: “Que
aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro se perder a sua alma?”
(Mc 8, 36).
A REALEZA ABSOLUTA DE CRISTO
A
Realeza de Cristo é bem outra. Ele de fato é Rei do Universo e, de
maneira muito especial, de nossos corações. Ele possui uma
autoridade absoluta sobre todas as criaturas e já muito antes de sua
Encarnação, quando se encontrava no seio do Padre Eterno, ouviu
estas palavras:
“Tu
és meu Filho, eu hoje te gerei. Pede-me; dar-te-ei por herança
todas as nações; tu possuirás os confins do mundo, tu governarás
com cetro de ferro” (Sl 2, 7-9).
Rei
por direito de herança
Ele
é o unigênito Filho de Deus e por Este foi constituído como
herdeiro universal, recebendo o poder sobre toda a criação, no
mesmo dia em que foi engendrado (1).
Rei
por ser Homem-Deus
Por
outro lado, Jesus Cristo é Deus e, assim sendo, tudo foi feito por
ele, o Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis. Senhor
absoluto de toda existência, do Céu, da terra, do sol, das
estrelas, das tempestades, das bonanças. Seu poder é capaz de
acalmar as mais terríveis ferocidades dos animais bravios e as
procelas dos mares encapelados. Os acontecimentos, as forças físicas
e morais, a guerra e a paz, a pobreza e a fartura, a humilhação e a
glória, o revés e o sucesso, as pestes, os flagelos, a doença e a
saúde, a morte e a vida, estão todos ao dispor de um simples ato de
sua vontade. Aí está um Governo incomparável, superior a qualquer
imaginação, e do qual ninguém ou nada poderá se subtrair.
O
título de Rei Lhe cabe mais apropriadamente do que às outras duas
Pessoas da Trindade Santíssima, por ser o Homem-Deus, conforme
comenta Santo Agostinho: “Apesar de que o Filho é Deus e o Pai é
Deus e não são mais que um só Deus, e se o perguntássemos ao
Espírito Santo, Ele nos responderia que também o é...; entretanto,
as Sagradas Escrituras costumam chamar de rei, ao Filho” (2).
De
fato, o título de Rei, quando aplicado ao Pai, é usado de forma
alegórica para indicar seu domínio supremo. E se quisermos
atribuí-lo ao Espírito Santo, faltará exatidão jurídica, por
tratar-se Ele de Deus não-encarnado, pois, para ser Rei dos homens é
indispensável ser Homem. Deus não encarnado é Senhor, Deus feito
homem é o Rei.
Rei
por direito de conquista
Jesus
Cristo é nosso Rei também por direito de conquista, por nos ter
resgatado da escravidão a Satanás.
Ao
adquirirmos um objeto às custas de nosso dinheiro, ele nos pertence
por direito. Mais ainda se o obtivermos através de duras penas,
pelos esforços de nosso trabalho, e muito mais, se for conseguido
pelo alto preço de nosso sangue. E não fomos nós comprados pelo
trabalho, sofrimentos e pela própria morte de Nosso Senhor Jesus
Cristo? É São Paulo quem nos assevera: “Porque fostes
comprados por um grande preço!” (I Cor 6, 20).
Rei
por aclamação
Cristo
é nosso Rei por aclamação. Antes mesmo das purificadoras águas do
Batismo serem derramadas sobre nossa cabeça, nós O elegemos para
ser o regente de nossos corações e de nossas almas, através dos
lábios de nossos padrinhos. Por ocasião do Crisma e a cada Páscoa,
de viva voz nós renovamos essa eleição, sempre de um modo solene.
Continua...
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