Tríduo Pascal

sábado, 27 de setembro de 2014

EVANGELHO – XXVII DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO A - Mt 21, 33-43

COMENTÁRIOS AO EVANGELHO – 27º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO A
Naquele tempo, Jesus disse aos sumos sacerdotes e aos anciãos do povo: 33 “Escutai esta outra parábola: Certo proprietário plantou uma vinha, pôs uma cerca em volta, fez nela um lagar para esmagar as uvas, e construiu uma torre de guarda. Depois, arrendou-a a vinhateiros, e viajou para o estrangeiro.
34 Quando chegou o tempo da colheita, o proprietário mandou seus empregados aos vinhateiros para receber seus frutos. 35 Os vinhateiros, porém, agarraram os empregados, espancaram a um, mataram a outro, e ao terceiro apedrejaram. 36 O proprietário mandou de novo outros empregados, em maior número do que os primeiros. Mas eles os trataram da mesma forma.
37 Finalmente, o proprietário enviou-lhes o seu filho, pensando: ‘Ao meu filho eles vão respeitar’. 38 0s vinhateiros, porém, ao verem o filho, disseram entre si: ‘Este é o herdeiro. Vinde, vamos matá-lo e tomar posse da sua herança!’  Então agarraram o filho jogaram-no para fora da vinha e o mataram.
40 Pois bem, quando o dono da vinha voltar, o que fará com esses vinhateiros?” 41 Os sumos sacerdotes e os anciãos do povo responderam: “Com certeza mandará matar de modo violento esses perversos e arrendará a vinha a outros vinhateiros, que lhe entregarão os frutos no tempo certo”.
42 Então Jesus lhes disse: “Vós nunca lestes nas Escrituras: ‘A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular; isto foi feito pelo Senhor e é maravilhoso aos nossos olhos?’  Por isso, Eu vos digo: o Reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que produzirá frutos” (Mt 21, 33-43).
A grave responsabilidade dos que cuidam da vinha do Senhor
Do mesmo modo que outrora ao povo eleito, Deus nos trata como uma vinha escolhida para mais facilmente alcançarmos a bem-aventurança eterna. Que frutos daremos ao seu Dono?
I – A VINHA, SÍMBOLO DE REALIDADES SOBRENATURAIS
Em nossos dias, por vivermos numa civilização excessivamente industrializada, nem todos estamos familiarizados com o processo da produção de vinho, e é possível que para muitos a figura da vinha não tenha maior significado. Hoje compramos esta bebida já engarrafada, talvez desconhecendo vários detalhes do longo processo iniciado com a uva. E uma tarefa que exige esforço, dedicação e conhecimento dos segredos do cultivo de cada tipo de vide, do melhor modo de cuidá-la e da época certa para a vindima, segundo a qualidade do vinho que se deseja obter. E preciso levar as uvas para um lagar, espremê-las — o método tradicional consiste em pisá-las —, deixar repousar o mosto até a fermentação e decantá-lo para então ser, eventualmente, depositado em barris, em certos casos durante anos, e, por fim, ser envasado. Trata-se de uma arte que só se adquire depois de longa experiência, acumulada no decorrer de gerações em que a tradição familiar vai aprimorando as técnicas: é o métier dos vinicultores. Assim, eles acabam criando enorme apreço por seus vinhedos.
Ora, Deus idealizou e criou a uva, impulsionando o homem ao seu cultivo, para que representasse a realidade — quão mais elevada! — de sua relação com o povo eleito, como veremos nas leituras do 27º Domingo do Tempo Comum.
Israel, vinha escolhida do Senhor
O cultivo da vide se havia estendido amplamente na Terra Prometida e em outras regiões do mundo antigo, desde épocas remotas. Ainda que o quintal da casa fosse muito pequeno, não faltava lugar para alguma videira; e mesmo que seus cachos produzissem uma só talha de vinho, isso bastava para fazer a alegria da família, sobretudo por ter sido preparado por seus próprios membros. Entretanto, para se ter uma vinha considerável era mister dispor de boa terra, vigiá-la e defendê-la contra ladrões e animais. Com este objetivo costumava-se nela edificar um posto de guarda, além de circundá-la com uma cerca — como ainda se faz em diversos lugares — construída com as pedras soltas retiradas do terreno, de forma a constituírem uma pequena muralha.
“A vinha do Senhor é a casa de Israel” (Is 5, 7a), diz o refrão do Salmo Responsorial, que continua com eloquência: “Arrancastes do Egito esta videira, expulsastes as nações para plantá-la; até o mar se estenderam seus sarmentos, até o rio os seus rebentos se espalharam” (Sl 79, 9.12). Foi o que de fato aconteceu, pois Ele tirou os israelitas da escravidão e expulsou os povos que habitavam Canaã para ali instalar a sua vinha, entregando-lhes aquela terra desde o Mar Mediterrâneo até seus longínquos confins. Israel, separado dentre todas as nações para ser o povo predileto, cumulado de privilégios e de dons, mais tarde seria chamado a converter os outros. Deus firmou com ele uma aliança e prometeu protegê-lo, se cumprisse a Lei, praticas se o culto e não se entregasse à idolatria. Enfim, como recorda a primeira leitura (Is 5, 1-7), extraída do Livro do Profeta Isaías, era uma vinha especialmente escolhida e cuidada pelo Senhor.
Por seus frutos ruins, Deus abandona a vinha
Todavia, pelos lábios do profeta Ele lamenta que a videira não tenha dado os frutos desejados: “esperava que ela produzisse uvas boas, mas produziu uvas selvagens” (Is 5, 2). Estas não servem para elaborar vinho, nem sequer como alimento, pois são agrazes. Quando consumidas deixam o céu da boca áspero, os dentes embotados e a língua com uma acidez e um ardor que fazem perder o paladar. Isaías compõe este poema em meio às festas do início do outono, período da colheita das uvas, na exata quadra histórica em que a Assíria ameaçava invadir Israel, que em pouco tempo seria deportado para outras regiões.’ E então que Deus cobra dos hebreus todos os benefícios de que foram objeto, dizendo: “O que poderia Eu ter feito a mais por minha vinha e não fiz? [...] Pois bem, a vinha do Senhor dos exércitos é a casa de Israel, e o povo de Judá sua dileta plantação; eu esperava deles frutos de justiça — e eis injustiça; esperava obras de bondade — e eis iniquidade” (Is 5, 4.7).
Quando temos um ente querido sobre o qual deitamos rios de benevolência, embora o façamos com desinteresse, sem visar a reciprocidade, o instinto de sociabilidade pede de algum modo uma devolução. E, em consequência, nada há de mais duro que sermos retribuídos com o mal. E uma das provas mais terríveis e dolorosas que existem!
Deus amou seus eleitos de uma maneira extraordinária e queria ver florescer a santidade entre eles, porém só Lhe deram os amargos frutos do pecado. E assim como os grãos de sal se dissolvem à medida que são acrescentados a um recipiente com água, até um ponto exato de saturação em que se cristaliza no fundo, ou como um pai tem paciência com o filho desviado até que este ultrapasse os limites e provoque a sua cólera, também Deus decide, em certo momento, castigar o povo rebelde.
A essa punição alude o Salmo Responsorial: “Por que razão vós destruístes sua cerca, para que todos os passantes a vindimem, o javali da mata virgem a devaste, e os animais do descampado nela pastem?” (51 79, 13-14). Era o que acontecia aos hebreus ao longo dos séculos: quando a ingratidão atingia um auge, Deus deixava cair a cerca e os animais invadiam e arrasavam a vinha, ou seja, Israel era dominado pelos pagãos que o rodeavam, e desgraças sem conta lhe eram infligidas para que sentisse que com suas próprias forças não era nada, e só se desenvolvia graças a um dom divino. E conclui o salmista, pedindo auxílio: “Voltai-vos para nós, Deus do universo! Olhai dos altos céus e observai. Visitai a vossa vinha e protegei-a! Foi a vossa mão direita que a plantou; protegei-a, e ao rebento que firmastes! E nunca mais vos deixaremos, Senhor Deus! Dai-nos vida, e louvaremos vosso nome! Convertei-nos, ó Senhor Deus do universo, e sobre nós iluminai a vossa face! Se voltardes para nós, seremos salvos!” (Sl 79, 15-16.19-20).

Ambos os textos do Antigo Testamento são complemento ao Evangelho, o qual é muito mais profundo e rico em significado.
II – A VINHA, SEU DONO E OS VINHATEIROS HOMICIDAS
A passagem apresentada neste 27º Domingo do Tempo Comum faz parte da pregação de Nosso Senhor nos últimos dias de sua vida mortal, na terça-feira da Semana Santa. Após a entrada triunfal em Jerusalém, no Domingo de Ramos, a luta contra aqueles que tramavam o deicídio tornou-se mais acirrada, a começar pela expulsão dos vendilhões do Templo, prosseguindo com uma série de enfrentamentos públicos, nos quais resplandeceu a divindade de Cristo. São Mateus se distingue dos demais evangelistas pela precisão com que registra toda a contenda, que terá seu auge no capítulo 23.
CONTINUA NO PRÓXIMO POST.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Evangelho XXVI Domingo do Tempo Comum – Ano A – Mt 21, 28-32

Conclusão dos comentários ao Evangelho – 26º Domingo do Tempo Comum – Ano A – Mt 21, 28-32
Negaram-se a ouvir o chamado do Precursor
32 “Porque veio a vós João pelo caminho da justiça, e não crestes nele; e os publicanos e as meretrizes creram nele. E vós, vendo isto, nem assim fizestes penitência depois, crendo nele.”
Com esta conclusão tão categórica, o Salvador deixa claro que, debaixo de certo ponto de vista, seus interlocutores fariseus se encontram numa situação muito pior que a dos dois filhos da parábola. Ouviram o chamado do Precursor; entretanto se negaram a seguir seus conselhos, e, ao surgir o Messias, tornaram-se ainda mais obstinados em sua falta de fé: “Porque Eu vos digo: Entre os nascidos de mulher não há maior profeta que João Batista; porém, o que é menor no Reino de Deus é maior do que ele. Todo o povo que O ouviu, mesmo os publicanos, deram glória a Deus, recebendo o batismo de João. Os fariseus, porém, e os doutores da lei frustraram o desígnio de Deus a respeito deles, não se fazendo batizar por ele” (Lc 7, 28- 30). Assim, não só se negaram a trabalhar na vinha, como de fato não o fizeram.
Esta seria a atitude de um terceiro filho, num extremo de mau comportamento em relação ao Pai!
Radical advertência
É tão radical a advertência contida neste v. 32 que alguns exegetas julgam-na uma inserção à força, realizada por Mateus. Discordamos de tal hipótese.
Em realidade, se a metáfora exposta por Jesus contivesse também a figura desse terceiro filho, levantaria a desconfiança de seus adversários e tornaria inúteis os esforços d’Ele. E se assim não fosse, como poderíamos explicar as outras duas parábolas consecutivas à dos dois filhos?
 V – O quarto filho
Faltaria dizer uma palavra sobre um quarto filho que, embora não esteja mencionado explicitamente pelo Divino Mestre, com facilidade é discernido por contraste em seu perfil moral. Este teria ouvido com entusiasmo o convite do Pai para trabalhar na vinha e entregado sua vida para, cultivando-a, Lhe dar alegria. A seguir esse exemplo nos convida a parábola de hoje.
Acima de tudo, o Pai tem o pleno direito de mandar sobre seu filho. Sendo Deus meu Pai, só me ordenará o que é justo, razoável e factível. Ora, seu preceito é inteiramente harmônico com meu senso do ser, ou seja, amá-Lo, servi-Lo, cumprir seus mandamentos, fugir do pecado, desejar a perfeição, temperar minhas paixões, etc. Para tal, Ele coloca à minha disposição os Sacramentos, a graça, os Anjos e até a sua própria Mãe. Em qualquer necessidade, bastar-me-á recorrer a Ele: “Em verdade vos digo que, se pedirdes a meu Pai alguma coisa em meu nome, Ele vo-la dará” (Jo 16, 23).
Exame de consciência
Cabe aqui, então, uma pergunta: em face desse convite, qual tem sido minha resposta e minha conduta? Qual dos quatro filhos melhor me simboliza? Eis um excelente exame de consciência para este 26º domingo do Tempo Comum.
Aliás, também nos poderíamos perguntar a qual desses filhos corresponde a humanidade em seu conjunto, na atual quadra histórica. Será que não constitui um ultraje ao Pai, nosso Deus, rejeitar coletivamente o convite para trilhar as vias da inocência e da santidade? Não seria isso uma verdadeira insolência?
Convite ao arrependimento e à gratidão
Possuidores como somos do senso do bem e do mal, da verdade e do erro, do belo e do feio, com todos os auxílios e amparos sobrenaturais colocados à nossa disposição, se dermos as costas à Majestade Suprema, não seria lógico que interviesse Deus, cobrando-nos a correspondência a tanta bondade e benefícios? Quando temos a desgraça de pecar, sabemos — até mesmo coletivamente — que ultrapassamos os limites impostos por Deus em sua Lei. Nossa consciência disso nos acusa.
Agradeçamos a Deus por nos ter aberto os olhos na Liturgia de hoje, dando-nos o ensejo de melhor compreendermos nossa presente vida espiritual, e por colocar à nossa disposição elementos de peso para analisarmos a fundo os destinos da presente era histórica.
1) Cf, por exemplo, Jz 14, 12-19; 1 Rs 10, 1-3 e 2 Cr 9, 1-2; Pr 1, 5-6; Sb 8, 8; Eclo 47, 17-18; Ez 17, 1-24; Dn 2, 1-47.
2 ) São João Crisóstomo apud Catena Aurea.
3 ) Biblia Comentada, vol. II, BAC, Madrid, 1964, pp. 465-466.
4 ) Cf, por exemplo, Mt 17, 24; 18, 12.
5) Comentarios a los cuatro Evangelios, vol. I, BAC, Madrid, 1950, pp. 750-751.
6 ) Cf, por exemplo, 2 Sm 12,1-7.
7 ) Os vinhateiros homicidas (Mt 21, 3346), e A festa de núpcias (Mt 22, 1-14).


terça-feira, 23 de setembro de 2014

Evangelho XXVI Domingo do Tempo Comum – Ano A – Mt 21, 28-32

Continuação dos comentários ao Evangelho – 26º Domingo do Tempo Comum – Ano A – Mt 21, 28-32
III – Os dois filhos da parábola
28 “Mas que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Aproximando-se do primeiro, disse-lhe: Filho, vai trabalhar hoje na minha vinha. 29 Ele respondeu: Não quero — mas, depois, arrependeu-se e foi. 30 Dirigindo-se em seguida ao outro, falou-lhe do mesmo modo. E ele respondeu: Eu vou, senhor — mas não foi.”
É na sequência daquela desavença entre Jesus e os príncipes dos sacerdotes e anciãos do povo que ocorre o trecho do Evangelho do 26º domingo do Tempo Comum. Apesar da forma amena e quase familiar com que Jesus introduz a parábola — “Mas que vos parece?”, fórmula usada com certa largueza pelo Salvador (4) — não devemos nos esquecer da sanha invejosa dos interlocutores de Jesus, manifestada na discussão descrita anteriormente e estancada, nas suas conseqüências, pela diplomacia divina. Devido ao incômodo silêncio que lhes fora imposto, aguçaram sua atenção e inteligência para não errar em seu parecer a propósito da parábola que viria.
No desenrolar dos acontecimentos comuns e banais da vida, não é difícil aplicar com acerto o senso do ser e escolher o melhor, o verdadeiro, ou o mais belo. A evidência dos fatos nesses casos nos conduz à inerrância de nosso juízo. E esse será justamente o intuito do Divino Mestre: que seus ouvintes discirnam e apontem, de maneira imediata e quase espontânea, qual dos dois filhos agiu com retidão.
Os comentaristas antigos são unânimes em conceder o primeiro lugar ao filho que acaba por ir trabalhar na vinha, apesar de ter se negado a fazê-lo, a princípio. Ademais, são eles também concordes em interpretar que o filho desobediente, ou seja, aquele que não cumpriu com sua palavra, representa os judeus, mais especificamente os fariseus, os príncipes dos sacerdotes, etc., enquanto o obediente representa os gentios, publicanos e pecadores.
O pai da parábola representa Deus. Quem são os dois filhos?
Uma das apreciações mais interessantes é da lavra do Pe. Juan de Maldonado SJ. Segundo ele, pensavam os escritores antigos (tais como Orígenes, Atanásio, Crisóstomo, Jerônimo, Beda e Eutímio) que um dos filhos representava os gentios, aos quais Deus mandara trabalhar em sua vinha, impondo-lhes a lei natural. E embora eles não o tenham querido no início, porque não observavam a lei natural, arrependeram-se e não apenas passaram a obedecer a ela, mas também aceitaram os preceitos do Evangelho. Contrariamente, o povo judeu respondera que ia trabalhar na vinha, pelos preceitos de Moisés — “Faremos tudo o que o Senhor mandou” (Ex 19, 8) — mas depois não foi.
Mas — acrescenta o Pe. Maldonado — é provável que esses dois filhos representassem dois tipos de judeus. Um, o da plebe, com seus publicanos, meretrizes e pecadores. No início haviam respondido “não” a Deus, pelo menos com os fatos, não observando a Lei divina. Mas depois, tocados pela pregação de João Batista, arrependeram-se e aceitaram o Evangelho. O segundo tipo inclui os sacerdotes, os escribas e os fariseus, que haviam respondido afirmativamente a Deus, mas nem obedeceram à Lei nem acreditaram em João, de quem os profetas haviam falado.
IV –  Terceiro filho: os fariseus
Parábola aparentemente ingênua
31 “Qual dos dois fez a vontade do pai?” Responderam-lhe: “O primeiro”. Disse-lhes Jesus: “Em verdade vos digo que os publicanos e as meretrizes vos precederão no Reino de Deus”.
Na pergunta que antes lhes fizera Jesus, os fariseus se haviam recusado a responder (v. 27), agora eles se apressam em optar pelo primeiro dos filhos. Esse é, aliás, o juízo comum e corrente de qualquer pessoa com uma gota de bom senso, posta diante da mesma questão. Mas os interpeladores de Jesus não podiam imaginar fossem eles mesmos os acusados. Após, certamente, haver passado horas e horas em seus conciliábulos, maquinando as mais requintadas ciladas para apanhar o Messias em algum deslize, vêem-se de súbito numa situação bem pior do que a desejada para sua vítima.
O método empregado pelo Homem-Deus era clássico entre o povo judeu e consiste em propor uma parábola aparentemente ingênua, de fácil interpretação, sem despertar a suspeita do interlocutor, o qual, ao se engajar no caso, acaba por proferir sua auto condenação.
“Os publicanos e as meretrizes vos precederão”

Ao fim do versículo encontra-se a aplicação nas palavras do próprio Divino Mestre. Nada mais desprezível aos olhos de um fariseu do que um publicano ou uma meretriz; entretanto, estes irão à frente indicando o caminho da salvação. Impossível maior humilhação, pois os conhecedores da Lei deveriam ser os vanguardeiros na entrada no Reino de Deus. O publicano Zaqueu (Lc 19, 1- 10), como também a pecadora (Lc 7, 37), num primeiro momento não haviam aceitado entrar pelas vias de acesso ao Reino, mas acabaram por fazê-lo. Essa recriminação, haviam eles já ouvido de forma ainda mais explícita no episódio da cura do servo do centurião (Mt 8, 11-12). Portanto, Jesus não afirma neste versículo que os fariseus e príncipes dos sacerdotes também se salvariam. Isto se torna ainda mais claro no trecho seguinte.
Continua no próximo post

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Evangelho XXVI Domingo do Tempo Comum – Ano A – Mt 21, 28-32

Continuação dos comentários ao Evangelho – 26º Domingo do Tempo Comum – Ano A – Mt 21, 28-32
Jesus responde: “De onde era o batismo de João?”
Jesus lhes respondeu: “Também Eu vos farei uma pergunta; se Me responderdes, Eu vos direi com que direito faço estas coisas. De onde era o batismo de João? Do Céu ou dos homens?” (Mt 21, 24-25). Os evangelistas traduzem o que os sinedritas pensavam: “Se Lhe dissermos que do Céu, Ele dirá: Então por que não crestes nele? Se Lhe dissermos que é dos homens, tememos o povo” (Mt 21, 25-26).
Frei Manuel de Tuya observa que Jesus, ao interrogá-los sobre o batismo de João, mantinha-se no terreno messiânico, pois o Batista só anunciava o Messias. E eles o compreenderam perfeitamente, daí terem respondido: “Não sabemos”. Temiam eles as multidões que consideravam São João Batista um verdadeiro profeta. Melhor, temiam que “todo o povo os apedrejasse”, como diz São Lucas (20, 6). O delito religioso acarretava o apedrejamento, e o povo costumava reagir impulsiva e cegamente nesses casos. Assim, o temor dos membros do Sinédrio era bem justificado!
Embaraço dos sinedritas
A resposta deles era, ela mesma, um juízo a respeito de sua incapacidade de pronunciar um veredicto em assuntos desse gênero. Afinal, se depois de tudo o que São João Batista fizera, não eram capazes de formar uma opinião sobre ele, quanto mais em se tratando de Jesus, que lhes fornecera inumeráveis signos de ser o Messias. A embaraçada resposta dos sinedritas deu oportunidade ao divino Mestre de dizer: “Nem Eu vos direi com que autoridade faço estas coisas” (Mt 21, 27).
III – Os dois filhos da parábola
28 “Mas que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Aproximando-se do primeiro, disse-lhe: Filho, vai trabalhar hoje na minha vinha. 29 Ele respondeu: Não quero — mas, depois, arrependeu-se e foi. 30 Dirigindo-se em seguida ao outro, falou-lhe do mesmo modo. E ele respondeu: Eu vou, senhor — mas não foi.”
É na seqüência daquela desavença entre Jesus e os príncipes dos sacerdotes e anciãos do povo que ocorre o trecho do Evangelho do 26º domingo do Tempo Comum. Apesar da forma amena e quase familiar com que Jesus introduz a parábola — “Mas que vos parece?”, fórmula usada com certa largueza pelo Salvador (4) — não devemos nos esquecer da sanha invejosa dos interlocutores de Jesus, manifestada na discussão descrita anteriormente e estancada, nas suas conseqüências, pela diplomacia divina. Devido ao incômodo silêncio que lhes fora imposto, aguçaram sua atenção e inteligência para não errar em seu parecer a propósito da parábola que viria.
No desenrolar dos acontecimentos comuns e banais da vida, não é difícil aplicar com acerto o senso do ser e escolher o melhor, o verdadeiro, ou o mais belo. A evidência dos fatos nesses casos nos conduz à inerrância de nosso juízo. E esse será justamente o intuito do Divino Mestre: que seus ouvintes discirnam e apontem, de maneira imediata e quase espontânea, qual dos dois filhos agiu com retidão.
Os comentaristas antigos são unânimes em conceder o primeiro lugar ao filho que acaba por ir trabalhar na vinha, apesar de ter se negado a fazêlo, a princípio. Ademais, são eles também concordes em interpretar que o filho desobediente, ou seja, aquele que não cumpriu com sua palavra, representa os judeus, mais especificamente os fariseus, os príncipes dos sacerdotes, etc., enquanto o obediente representa os gentios, publicanos e pecadores.
O pai da parábola representa Deus. Quem são os dois filhos?
Uma das apreciações mais interessantes é da lavra do Pe. Juan de Maldonado SJ. Segundo ele, pensavam os escritores antigos (tais como Orígenes, Atanásio, Crisóstomo, Jerônimo, Beda e Eutímio) que um dos filhos representava os gentios, aos quais Deus mandara trabalhar em sua vinha, impondo-lhes a lei natural. E embora eles não o tenham querido no início, porque não observavam a lei natural, arrependeram-se e não apenas passaram a obedecer a ela, mas também aceitaram os preceitos do Evangelho. Contrariamente, o povo judeu respondera que ia trabalhar na vinha, pelos preceitos de Moisés — “Faremos tudo o que o Senhor mandou” (Ex 19, 8) — mas depois não foi.

Mas — acrescenta o Pe. Maldonado — é provável que esses dois filhos representassem dois tipos de judeus. Um, o da plebe, com seus publicanos, meretrizes e pecadores. No início haviam respondido “não” a Deus, pelo menos com os fatos, não observando a Lei divina. Mas depois, tocados pela pregação de João Batista, arrependeram-se e aceitaram o Evangelho. O segundo tipo inclui os sacerdotes, os escribas e os fariseus, que haviam respondido afirmativamente a Deus, mas nem obedeceram à Lei nem acreditaram em João, de quem os profetas haviam falado.
Continua no próximo post