Tríduo Pascal

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Evangelho  Quarta-Feira de Cinzas  Mt 6, 1-6.16-18 - 2013

Continuação dos comentários ao Evangelho  Quarta-Feira de Cinzas  Mt 6, 1-6.16-18 - 2013

1“Guardai-vos de fazer as boas obras diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles. Do contrário não tereis direito à recompensa do vosso Pai que está nos Céus”.
Difícil era fariseus serem alheios à hipocrisia. Levados por um supino orgulho, voltavam-se para si mesmos a ponto de se esquecer de Deus, fazendo suas boas obras com o intuito de angariar prestígio “diante dos homens”.
O defeito apontado por Nosso Senhor neste versículo era comum entre eles, e infelizmente não é raro também em nossos dias. Trasbordam das Sagradas Escrituras conselhos sobre esse pecado capital, raiz de muitos vícios, principalmente no livro do Eclesiastes: “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade” (Ecl 1, 2). É essa a preocupação do Divino Mestre.
A respeito dos atos humanos podemos afirmar que alguns são neutros, como por exemplo, cantar ou pintar. A substância e o mérito lhes advêm da intenção e da finalidade com as quais os executamos. Outros são bons de per se, por estarem ordenados pela razão a um objetivo honesto. Mas, segundo o Doutor Angélico, “pode acontecer que um ato em si mesmo virtuoso se torne, eventualmente, vicioso, devido a certas circunstâncias”.6
Ora, a vaidade macula muitas vezes nossos atos de virtude e nos rouba os méritos. Pois, como sublinha o Cardeal Gomá, ela é “um perniciosíssimo inimigo das boas obras: praticá-las com o escopo de ser visto e admirado pelos outros, é perder a recompensa que lhes corresponde quando são feitas com reta intenção”.7
Afirmam os mestres da vida espiritual ser a vaidade um vício tão arraigado no homem que, por assim dizer, somente o abandona meia hora depois de sua morte. Para vencêlo, requer-se muita oração, paciência e esforço. Oração, porque por meio dela se obtêm as graças para combatê-lo. Paciência e esforço, porque devemos lutar contra ele dia e noite, impedindo-o de instalar-se em nossa alma, como recomenda São João Crisóstomo: “É necessário prestar muita atenção em sua entrada, do mesmo modo como alguém põe-se em guarda contra uma fera prestes a atacar quem não está vigilante”.8
Poderíamos, então, usar uma expressão forte, mas muito verdadeira: a vaidade é o principal sorvedouro por onde se escoam os méritos das nossas orações e boas obras. Ela é também um veneno para a alma, porque a deixa desprovida de forças para enfrentar as tentações e, portanto, exposta a toda espécie de fraquezas e capitulações.
Convém notar, de outro lado, que ao dizernos: “Guardai-vos de fazer as boas obras diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles”, não nos convida o Mestre a sempre nos ocultarmos para fazer o bem, pois praticar a justiça diante dos homens pode ser motivo de edificação para o próximo e de glória para o Criador, como sublinha o grande Bossuet: “Ele não nos proíbe de praticar a justiça cristã em todas as oportunidades, para edificação do próximo; pelo contrário, disse Ele: ‘Brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos Céus’. [...] Edificai o próximo, por vossas ações externas, e tudo em vós, até mesmo um piscar de olhos, seja ordenado, mas tudo se faça com naturalidade e simplicidade, visando dar glória a Deus”.9
Dar esmola visando o aplauso
2 “Quando, pois, dás esmola, não faças tocar a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa”.
Não tendo recebido ainda a seiva regeneradora do Cristianismo, na humanidade daquela época imperava de tal modo o egoísmo, que o dar esmola era prática incomum. Quem o fazia, julgava-se merecedor do aplauso dos demais, por sua pretensa bondade. Daí ser costume dar esmola “com muita ostentação”.10
Mais ainda: “Parece que, para excitar a generosidade, estabeleceu-se o hábito de proclamar o nome dos doadores [...] e chegava-se mesmo a honrá-los, oferecendo-lhes os primeiros lugares na sinagoga”.11
Ora, ensina Nosso Senhor, nesta passagem do Evangelho, que quem dá esmola para obter a aprovação dos outros pode considerar-se bem pago pelos elogios assim obtidos. Não lhe cabe esperar um prêmio sobrenatural, pois, conforme acentua o padre Tuya, “Deus recompensa em justiça sobrenatural somente aquilo que se faz sobrenaturalmente por amor a Ele, assim como repugna-Lhe esse censurável procedimento que é a hipocrisia farisaica”.12
Quem, entretanto, dá esmola discretamente, apenas diante de Deus e por amor a Deus, este sim, d’Ele receberá a recompensa.
O prêmio, devemos esperá-lo apenas de Deus
3 “Mas, quando dás esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita, 4 para que a tua esmola fique em segredo, e teu Pai, que vê o que fazes em segredo, te pagará”.
 No versículo anterior, Nosso Senhor recrimina aqueles que visam a vanglória na prática da esmola; neste, censura-nos o comprazimento vaidoso ao realizarmos as boas obras. Para combater esse defeito, precisamos esforçar-nos para não deter nossa atenção naquilo que fazemos de bom. “Se fosse possível — comenta Bossuet —, seria necessário esconder de vós mesmos o bem que fazeis; procurai ocultar a vossos olhos pelo menos o seu mérito; [...] empenhai-vos na prática da boa obra a ponto de jamais vos preocupar com o que dela vos resultará: deixai tudo por conta de Deus, assim só Ele vos verá, vos ocultareis de vós mesmos”.13
Na mesma linha opina o Cardeal Gomá: “Se possível fosse, até nós deveríamos ignorar nossas esmolas. A recompensa, devemos esperá-la somente de Deus”.14
Complementando essas afirmações, esclarece Maldonado: “Não há culpa em ser visto pelos outros quando se faz o bem, mas sim em desejar ser visto. Também não há culpa em querer ser visto, desde que não seja para conseguir o elogio dos homens. ‘Brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos Céus’”.15

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Evangelho  Quarta-Feira de Cinzas  Mt 6, 1-6.16-18 - 2013

 Comentário ao Evangelho  Mt 6, 1-6.16-18 quarta-feira de cinzas - 2013

1 “Guardai-vos de fazer as boas obras diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles. Do contrário, não tereis direito à recompensa do vosso Pai que está nos Céus. 2 Quando, pois, dás esmola, não faças tocar a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa. 3 Mas, quando dás esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita, 4 para que a tua esmola fique em segredo, e teu Pai, que vê o que fazes em segredo, te pagará.
5 Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, a fim de serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa. 6 Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto, e, fechada a porta, ora a teu Pai; e teu Pai, que vê o que se passa em segredo, te dará a recompensa.
16 Quando jejuardes, não vos mostreis tristes como os hipócritas, que desfiguram o rosto para mostrar aos homens que jejuam. Na verdade vos digo que já receberam a sua recompensa. 17 Mas tu, quando jejuares, unge a tua cabeça e lava o teu rosto, 18 a fim de que não pareça aos homens que jejuas, mas sim a teu Pai, que está presente no oculto, e teu Pai, que vê no oculto, te dará a recompensa” (Mt 6, 1-6.16-18).
Comentário ao Evangelho – Quarta-Feira de Cinzas
O centro deve estar sempre ocupado por Deus
No jejum, na oração ou na prática de qualquer boa obra, não se pode erigir como fim último o benefício que daí possa nos advir, mas sim a glória d’Aquele que nos criou. Pois tudo quanto é nosso — exceção feita das imperfeições, misérias e pecados — pertence a Deus.
Tempo de penitência e reconciliação
Por meio do Ciclo Litúrgico, com sabedoria e didática, rememora a Igreja ao longo do ano os mais importantes episódios da existência terrena do Verbo Encarnado. As solenidades da Anunciação e do Natal, as comemorações do Tríduo Pascal e da Ascensão de Nosso Senhor aos Céus, entre outras, compõem um variado caleidoscópio, apresentando à piedade dos fiéis diferentes aspectos da infinita perfeição de nosso Redentor. As graças dispensadas pela Providência em cada um desses momentos históricos revivem, de certo modo, e se derramam sobre aqueles que devotamente participam dessas festividades.
Precedendo as solenidades mais importantes — o Nascimento do Salvador e sua Paixão, Morte e Ressurreição — a Igreja destina dois períodos de preparação: o Advento e a Quaresma, pois convém que, para celebrar tão elevados e sublimes mistérios, os fiéis purifiquem suas almas das misérias e apegos, tornando-as mais aptas a receber as dádivas celestes.
Na Quarta-Feira de Cinzas têm início os quarenta dias que antecedem a Semana Santa. As três leituras desse dia — uma passagem do Profeta Joel, um trecho de uma epístola de São Paulo e outro do Evangelho — nos falam da necessidade do jejum e da penitência como meios de melhor combater os vícios, pela mortificação do corpo, e propiciar a elevação da mente a Deus. Pois, segundo nos ensina o Papa São Leão Magno, “nós nos mortificamos para extinguir em nós a concupiscência. E o resultado da mortificação deve ser o abandono das ações desonestas e dos desejos injustos”.1
Como mais adiante veremos, os textos litúrgicos em questão fazem referência, sobretudo, a um tipo de penitência que agrada especialmente a Deus e que é essencial para nossa vida espiritual. Trata-se de evitar os exageros do amor próprio, procurando não atrair as atenções dos outros sobre si mesmo, de maneira que a alma, limpa e ornada da virtude da humildade, ofereça ao Senhor um sacrifício de agradável perfume.
“Lembra-te, homem, de que és pó”
De forma cogente, a liturgia da Quarta-Feira de Cinzas recorda-nos também nossa condição de mortais: “Memento homo quia pulvis es et in pulverem reverteris — Lembra-te, homem, de que és pó e ao pó hás de voltar”, diz, de modo categórico, uma das duas fórmulas usadas pela Igreja para a imposição das cinzas.2 Após a cerimônia, a fronte dos fiéis fica marcada por um traço escuro cujo aspecto trágico e carente de beleza parece proclamar: “De uma hora para outra, podemos ser levados pela morte, retornando ao pó!”.
A consideração da árdua passagem desta vida para a eternidade muitas vezes nos inquieta. Entretanto, tal pensamento é altamente benfazejo para compenetrar-nos da necessidade de evitar o pecado que, sem o arrependimento e o imerecido perdão, poderá fechar-nos, para sempre, as portas do Céu: “Lembra-te de teu fim, e jamais pecarás” (Eclo 7, 40). A esse propósito, com propriedade, Dom Próspero Gueranger recomenda: “Se quisermos perseverar no bem, onde a graça de Deus nos restabeleceu, sejamos humildes, aceitemos a sentença, e não consideremos a vida senão como uma caminhada mais ou menos longa que termina no túmulo”.3
“Deixai-vos reconciliar com Deus”
Na própria primeira leitura de hoje, incentiva-nos São Paulo a vivermos na graça de Deus: “Em nome de Cristo, vos rogamos: reconciliai-vos com Deus!” (II Cor, 5, 20). E com toda razão, pois o pecado nos afasta de Deus, tornando necessária a reconciliação. A Doutrina Católica nos ensina que nem mesmo os incomensuráveis méritos de Nossa Senhora somados aos dos Anjos e dos Bemaventurados, e aos de todos aqueles que poderiam ter sido criados e não o foram, seriam suficientes para reparar a ofensa de um só pecado venial. Quanto mais em se tratando de uma falta grave!
Só mesmo o Adorabilíssimo Sangue de Deus teria mérito infinito para redimir as ofensas cometidas pelos homens, desde Adão e Eva, como, com a elevação de linguagem de sempre, mostra-nos São Paulo: “Aquele que não conheceu o pecado, Deus O fez pecado por nós, para que n’Ele nós nos tornássemos justiça de Deus” (II Cor 5, 21). A Encarnação da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, com sua Paixão e Morte na cruz, foi o meio escolhido para restituir à humanidade transviada a plena amizade com Deus. E, por serem insuperáveis as operações divinas, tal foi a superabundância de graça conquistada pelo sacrifício do Calvário que, mesmo a soma de todas as possíveis faltas dos homens jamais tornará insuficientes os méritos infinitos do Preciosíssimo Sangue de Cristo.4
Se Jesus não tivesse assumido sobre Si a dívida contraída por nossos primeiros pais, por meio da oblação de seu Corpo, impossível seria nossa reconciliação com Deus 5 e teríamos para sempre fechadas as portas do Céu.

Amor próprio, oração e jejum

Na passagem do Evangelho que hoje analisamos, vemos o Divino Mestre tomar como exemplo didático uma cena característica daqueles tempos. Sob uma perspectiva histórica, Ele censura uma atitude corrente, sobretudo entre os fariseus. Mas, sendo eterna a palavra de Deus, contém ela uma lição para os homens de todos os séculos.

Continua no próximo post.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Evangelho 5º Domingo do Tempo Comum Lc 5 1-11 - Ano C 2013

O principal fruto da pesca
‘‘Então levaram as barcas para a margem, deixaram tudo e seguiram a Jesus”.
Grande parte dos comentaristas reúne num só episódio os relatos dos sinópticos a respeito da vocação dos referidos Apóstolos, considerando o convite do Mestre, na resumida narração de São Mateus e de São Marcos, como tendo sido feito logo após os pescadores terem regressado com as barcas: “Vinde após mim e vos farei pescadores de homens” (Mt 4, 19; Mc1, 17). Os dois primeiros Evangelistas o registram em forma de mandado oficial, dado a Pedro e André e, logo em seguida, a Tiago e João, o que, segundo São Lucas, havia sido prenunciado como missão de Pedro, em meio às águas: “Não tenhas medo! De hoje em diante tu serás pescador de homens” (Lc 5, 10).
“Jesus, com sua graça, dá eficácia ao chamado, sua voz é ouvida sem demora nem réplica. ‘No mesmo instante’, produzindo em suas almas um total desapego a tudo parentes, amigos, relações, posses —, ‘deixando tudo’, e sentindo uma atração irresistível por Jesus, ‘O seguiram’, sem se preocupar aonde iam”,9 aponta Gomá y Tomás. A conquista dos futuros Apóstolos fora o principal fruto da pesca milagrosa, confirmando a eficácia plena da didática do Divino Pescador.
CHAMADO PARA TODOS OS SÉCULOS
O eco do encargo entregue aos Apóstolos às margens do lago de Genesaré repercute ao longo dos séculos e chega também a nós, conclamando-nos à missão de trabalhar pela glória de Deus e da Igreja, quer sejamos clérigos, religiosos ou leigos. Como católicos, devemos buscar a edificação de uma sociedade conforme aos preceitos evangélicos e, para isso, cabe-nos a responsabilidade de atrair as almas dispersas no mar revolto do mundo moderno e levá-las à barca de Pedro.
Não obstante, não poucas serão as dificuldades para exercer tão elevada função, sobretudo quando nos deparamos com nossas próprias insuficiências e falhas. Diante dessa desproporção, avançar e lançar as redes se afigura como algo impossível. O que nos é necessário para corresponder a uma missão tão superior às nossas capacidades? E o próprio Mestre quem nos responde, pela pena de São Paulo: “Basta-te minha graça, porque é na fraqueza que se revela totalmente a minha força” (II Cor 12, 9).
Portanto, quanto mais nos sentirmos incapazes de cumprir a vocação à qual Deus nos chama, maior deve ser nossa confiança no poder da voz que nos convoca. E vendo uma atitude de humildade cheia de fé que Nosso Senhor opera a pesca milagrosa, deixando patente que os bons resultados não dependem das qualidades nem dos esforços humanos. Ele confunde os fortes deste mundo e conduz os fracos à realização de obras grandiosas (cf. I Cor 1, 27).
A exemplo de Pedro, sejamos generosos e confiantes, pois também em nossas vidas Cristo apareceu ordenando: “Duc in altum! Eu os quero como instrumentos para renovar a face da Terra! Não tenham medo, pois Eu mesmo lhes darei as forças para a obtenção de um glorioso resultado!”
9) GOMA Y TOMÁS, op. cit., p.78.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Evangelho 5º Domingo do Tempo Comum Lc 5 1-11 - Ano C 2013

Continuação dos comentários ao Evangelho Lc 5 1-11  5º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013
A humildade, condição para corresponder ao chamado
8 Ao ver aquilo, Simão Pedro atirou-se aos pés de Jesus, dizendo: “Senhor, afasta-te de mim, porque sou um pecador!” E que o espanto se apoderara de Simão e de todos os seus companheiros, por causa da pesca que acabavam de fazer.10a Tiago e João, filhos de Zebedeu, que eram sócios de Simão, também ficaram espantados.
Embora Pedro já tivesse presenciado outros milagres — inclusive a cura de sua sogra (cf. Lc 4, 38-39) —, ficou de fato impressionado diante do acontecido. E este é outro aspecto da pedagogia usada pelo Redentor: adaptar o chamado ao modo de ser e às aptidões de cada pessoa. “Era o milagre que faltava para convencer um pescador, como era Simão Pedro”,5 comenta o padre Cantalamessa. Por essa mesma razão São Lucas nomeia Tiago e João, entre os outros pescadores, para assinalar como o ocorrido lhes tocara fundo a alma, pois, apesar de haverem testemunhado em outras ocasiões diversos prodígios do Mestre, “também ficaram espantados”.
Pouco antes de retornar à Galileia, Jesus agira de forma semelhante à beira do poço de Jacó, ao oferecer à samaritana uma água que a saciaria para sempre (cf. Jo 4, 1-42). 0 assunto logo despertou a atenção da mulher: “Senhor, dá-me dessa água, para eu já não ter sede nem vir aqui tirá-la!” (Jo 4, 15) e, abrindo a alma à ação da graça, após esse encontro tornou-se propagadora de Nosso Senhor entre seus concidadãos, levando muitos samaritanos a crerem n’Ele.
No caso de Pedro, só nesse momento ele compreendeu a fundo a infinita diferença que o separava de Cristo, cuja grandeza a descomunal pesca evidenciava de modo particular a seus olhos de pescador. Veio-lhe, então, o imediato reconhecimento da própria insuficiência e, sentindo-se analisado pelo olhar de Jesus, percebeu em que medida Ele conhecia por inteiro o fundo de sua alma, bem como suas faltas. Compenetrado dessa condição de pecador, prostrou-se diante do Homem-Deus e pediu que dele se afastasse. Não cogitava ser tal manifestação de humildade o último precedente da missão que o aproximaria do Salvador de modo definitivo.
Pescador de homens
10b Jesus porém, disse a Simão: “Não tenhas medo! De hoje em diante tu serás pescador de homens”.
Relacionando pela primeira vez o milagre com o chamado, o Mestre tranquilizou Pedro, “como se dissesse: Não te espantes, mas alegra-te e crê que estás designado por minha Providência a uma pesca superior. Outra barca e outras redes te serão dadas, porque até agora pescavas peixes com tuas redes, mas doravante, e em breve, pescarás homens através de tuas palavras, trazendo-os pela sã doutrina ao caminho da salvação”.6
Convém notar que, associando o conceito de pesca ao apostolado, Jesus também deixava entrever a Pedro e a seus companheiros como “esse penoso ofício havia sido excelente escola de preparação para serem dignos discípulos do Messias. Nele haviam aprendido a paciência e o animoso trabalhar”,7 observa Fillion. Com efeito, do mesmo modo que para obter peixes não temiam os perigos da noite e os demais contratempos da profissão, também audazes deveriam ser enquanto missionários, arriscando-se aos mais ousados lances de evangelização. Ademais, na pesca apostólica, cujas redes “impedem que pereçam os que foram colhidos, mas os conservam e os trazem do abismo até à luz”,8 nunca deveriam desanimar, mesmo após muito se empenharem sem nada obter, sabendo esperar o momento propício para o agir da graça nas almas, o qual não depende dos esforços do apóstolo, mas, sim, da vontade de Deus.
Importante é ressaltar não ter Nosso Senhor confirmado nem negado a condição de pecador de Pedro, visando mostrar-lhe que Deus jamais outorga uma vocação em função das virtudes ou defeitos dos homens, conhecidos por Ele desde toda a eternidade. Um chamado resulta de um desígnio de sua infinita misericórdia. Jesus não se atém à consideração das fraquezas de Pedro, pois assim como elas não constituíram impedimento para sua escolha como Príncipe dos Apóstolos, também não o seriam para a realização de tal missão.
Continua no próximo post.


5) CANTALAMESSA, OFMCap, Raniero. Echad ias redes. Reflexiones sobre los Evangelios. Ciclo C. Valencia: Edicep, 2003, p.196.
6) GARCÍA MATEO, SJ, Rogelio. El misterio de la vida de Cristo en los ejercicios ignacianos y en el “Vita Christi” Cartujano, de Ludoif von Sachsen. Antología de Textos. Madrid: BAC, 2002, p.103.
7) FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Vida pública. Madrid: Rialp, 2000, v.11, p.23. “Não tenhas medo! De hoje em diante tu serás pescador de homens” (Lc 5, 10)
8) SANTO AMBROSIO. Tratado sobre el Evangelio de San Lucas. LIV, n.72. In: Obras. Madrid: BAC, 1966, vi, p.227.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Evangelho 5º Domingo do Tempo Comum Lc 5 1-11 - Ano C 2013

Continuação dos comentários ao Evangelho 5º Domingo do Tempo Comum Lc 5 1-11  - Ano C  2013
“Avança para águas mais profundas!”
4Quando acabou de falar, disse a Simão: ‘Avança para águas mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca”.
Com esta ordem de avançar “para águas mais profundas”, o Redentor indicava a ousadia que deveria caracterizar as metas daqueles pescadores dali em diante, predispondo-os a uma ação mais ampla do que os limitados horizontes lacustres nos quais trabalhavam: o plano divino da salvação dos homens. Em outras palavras, Nosso Senhor pedia corações generosos.
Ora, Simão era pescador veterano, e a prática lhe dizia não haver a menor possibilidade de pescar algo na manhã seguinte a uma noite de trabalho infrutífero. Desse modo, tinha razões válidas e escusas suficientes para não atender à ordem de Jesus e poderia ter argumentado em favor de uma resposta negativa, valendo-se de seus conhecimentos na matéria e alegando ser inconveniente — ou até mesmo inútil — lançar as redes. Entretanto, agiu de modo diferente.
5Simão respondeu: “Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes”.
Longe de ser uma manifestação de falta de fé, a explicação dada por Simão — em um tom de voz que podemos conjecturar cheio de deferência — ratifica sua confiança na palavra do Mestre. Agindo de modo coerente, pratica um ato de perfeita obediência, pois, sendo experimentado, suspende o próprio juízo e cumpre de imediato a ordem recebida. Tal fé e docilidade à determinação divina, atributos imprescindíveis de um genuíno apóstolo, eram a resposta esperada por Jesus para realizar o milagre.
Pesca prodigiosa
6Assim fizeram, e apanharam tamanha quantidade de peixes que as redes se rompiam. 7Então fizeram sinal aos companheiros da outra barca, para que viessem ajudá-los. Eles vieram, e encheram as duas barcas, a ponto de quase afundarem.
Como resultado final da pesca, “obteve-se tal quantidade de peixes quanto quis o Senhor do mar e da terra”,3 afirma São Gregório Niceno. Além de representar a messe abundante — para a qual, já prevenia os futuros Apóstolos, eram poucos os operários... , Cristo também lhes mostrava a importância da harmonia e do mútuo auxílio entre eles. Sem a colaboração dos companheiros da segunda barca, teria sido impossível retirar das águas aqueles peixes, assim como para a evangelização do mundo seria necessária a união de forças dos apóstolos, a fim de conduzir ao caminho da salvação cada uma das almas que a Providência lhes confiaria.
A fartura de peixes traz ainda outra marca da tão insuperável didática utilizada por Jesus: peritos na arte pesqueira, os discípulos logo concluíram não ser naturalmente explicável o acontecido, O Mestre já realizara um milagre sobre uma criatura inanimada, transformando a água em vinho nas Bodas de Caná, e agora, demonstrando pela primeira vez seu poder sobre a natureza animal, levava-os a compreender que dominava de modo absoluto todos os seres. Desta maneira, antes de convocar aqueles discípulos a segui-Lo sem reservas, quis Jesus manifestar seu poder sobre a criação através dessa pródiga pesca, para convencê-los de que Ele sempre os proveria em quaisquer necessidades temporais na vida missionária, facilitando-lhes a renúncia às preocupações terrenas.
Não obstante, o mais importante objetivo de Jesus era fazer Simão compreender — e, com ele, os demais discípulos — “que, se durante a noite inteira não havia pegado nada, era inútil todo seu esforço sem Cristo, como o são todos os nossos atos humanos sem a graça divina”,4 explica Maldonado. O Salvador queria deixar consignado o quanto a missão de salvar as almas será continuamente uma pesca milagrosa, na qual o apóstolo figura como mero instrumento. Sua habilidade e diligência serão frustradas se não forem movidas pela voz d’Aquele que disse de Si mesmo: “Sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15, 5).
Continua no próximo post.

3) SÃO GREGÓRIO NICENO, apud SÃO TOMÁS DE AQUINO. Catena Aurea. In Lucam, cV, v.5-7; 8-11.
4) MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los Cuatro Evangelios. Evangelios de San Marcos y San Lucas. Madrid: BAC, 1951, v.11, p.478.
 

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Evangelho 5º Domingo do Tempo Comum Lc 5 1-11 - Ano C 2013


Continuação dos comentários ao Evangelho 5º Domingo do Tempo Comum Lc 5 1-11  - Ano C  2013

2 Jesus viu duas barcas paradas na margem do lago. Os pescadores haviam desembarcado e lavavam as redes.
Naquela época o lago de Genesaré era centro de intensa atividade pesqueira, que constituía o principal meio de subsistência da população local. Como o exercício da profissão exigia sempre a ação em conjunto, os pescadores se reuniam em pequenas equipes, sendo comum duas ou mais dessas corporações se associarem. Com barca própria e sob a direção de um arrais, os grupos de consócios uniam esforços na faina de cada jornada e partilhavam o produto final obtido.
No episódio aqui contado, as duas embarcações — uma, de Simão; outra, de Zebedeu — haviam regressado após uma noite de vãs tentativas. Ao estado de desapontamento geral dos pescadores somavam-se os incômodos de outros fatores humanos, como o cansaço da noite passada em claro e a necessidade de lavar as redes, labor indispensável depois da pesca, fosse esta bem ou mal sucedida.
Segundo a cuidadosa pedagogia do Mestre, era assim, exaustos e sentindo-se fracassados, que os pescadores se encontravam nas condições ideais para receber a missão a eles reservada.
A barca, símbolo da Igreja
3Subindo numa das barcas, que era de Simão, pediu que se afastasse um pouco da margem. Depois sentou-se e, da barca, ensinava as multidões.
Como todos os atos de Nosso Senhor, a escolha da barca tem profundo significado. Os comentários a esse respeito são unânimes: com tal gesto, Cristo quis indicar a proeminente posição de Simão no colégio apostólico, o qual em breve seria constituído, simbolizando a barca a Igreja, então nascente. “A partir da Igreja, Jesus, pessoalmente ou através de Pedro, seu Vigário, instrui o mundo. ‘Onde está Pedro, aí está a Igreja’. Isto nos dá a medida da adesão que devemos professar à Sé de Pedro”,2 explica o Cardeal Gomá y Tomás.
Ademais, um pequeno detalhe desperta nossa atenção: terá Jesus subido na barca estando ela na areia — sem molhar os pés, portanto — ou foi preciso dar alguns passos dentro da água, até chegar à embarcação? Tanto em uma quanto na outra hipótese, a areia se beneficiou por ser próprio Deus feito homem. Terá o mesmo acontecido E uma das muitas curiosidades provocadas pelas si ativas evangélicas...
Aproveitando o natural declive da praia, onde o público se encontrava apinhado, o Mestre pediu a Simão que se distanciasse um pouco da margem, formando um original anfiteatro. Admirável era a poesia da cena: enquanto a embarcação balançava pausadamente nas águas ao sabor da ondulação, o Criador do Céu e da Terra, Deus Encarnado, doutrinava a multidão!

Continua no próximo post.

2) GOMA Y TOMAS, Isidro. El Evangelio explicado. Años primero y segundo de la vida pública de Jesús. Barcelona: Balmes, 1930, v.11, p.80.