Tríduo Pascal

sábado, 25 de maio de 2013

Evangelho 9º Domingo do Tempo Comum — Lc 7, 1-10 — Ano C 2013


Comentários ao Evangelho  9º Domingo do Tempo Comum  Lc 7, 1-10 — Ano C 2013
Naquele tempo, 1 quando acabou de falar ao povo que o escutava, Jesus entrou em Cafarnaum. 2 Havia lá um oficial romano que tinha um empregado a quem estimava muito, e que estava doente, à beira da morte.3 O oficial ouviu falar de Jesus e enviou alguns anciãos dos judeus, para pedirem que Jesus viesse salvar seu empregado.4 Chegando onde Jesus estava, pediram-lhe com insistência: “O oficial merece que lhe faças este favor, 5 porque ele estima o nosso povo. Ele até nos construiu uma sinagoga”.
6 Então Jesus pôs-se a caminho com eles. Porém, quando já estava perto da casa, o oficial mandou alguns amigos dizerem a Jesus: “Senhor, não te incomodes, pois não sou digno de que entres em minha casa.7 Nem mesmo me achei digno de ir pessoalmente a teu encontro. Mas ordena com a tua palavra, e o meu empregado ficará curado. 8 Eu também estou debaixo de autoridade, mas tenho soldados que obedecem às minhas ordens. Se ordeno a um: ‘Vai!’, ele vai; e a outro: ‘Vem!’, ele vem e ao meu empregado ‘Faze isto!’, e ele o faz”.
Ouvindo isso, Jesus ficou admirado. Virou-se para a multidão que o seguia, e disse: “Eu vos declaro que nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé”.10 Os mensageiros voltaram para a casa do oficial e encontraram o empregado em perfeita saúde (Lc 7, 1 -10).

A medida de nossa fé é nossa esperança
Nosso Senhor Jesus cristo pode e quer nos auxiliar em todas as nossas necessidades. Mas Ele condiciona a manifestação de sua onipotência misericordiosa à intensidade de nossa fé.
O VERBO DIVINO É ONIPOTENTE
Pelo semblante se conhece um homem; pelo aspecto do rosto se reconhece o sábio. A maneira como um homem se veste e como sorri, e a sua maneira de andar revelam aquilo que ele é”, observa o Eclesiástico (19, 26-27), transformando em máxima esse curioso matiz do relacionamento social. De fato, observar o exterior de uma pessoa leva-nos a melhor conhecê-la, pois algo da própria personalidade transparece tanto através da constituição física do corpo, quanto por meio de suas reações temperamentais.
Assim, embora o homem não veja o que se passa no interior de seu semelhante, pode discerni-lo pelas manifestações exteriores. Tal capacidade de percepção ocupa importante papel na vida em sociedade, pois, permitindo ao homem formar uma noção mais completa a respeito de seu próximo, propicia certa facilidade de mútua compreensão e adaptação, fatores indispensáveis para uma boa convivência.
Não obstante, essa regra teve uma singular exceção na História: Nosso Senhor Jesus Cristo. Sem dúvida, seu semblante e modo de ser denotavam, de forma indiscutível, um caráter superior. No aspecto físico não havia a mínima incorreção; dos gestos e do olhar emanavam nobreza e sublimidade, além de uma irresistível força de atração sobre quem O contemplasse, mesmo por poucos instantes. Contudo, por mais extraordinária que fosse a compleição de Jesus — a qual refletia sua perfeitíssima alma humana —, ela não evidenciava sua personalidade divina. E essa foi a prova de todos os que d’Ele se aproximaram durante os 33 anos de sua vida mortal: crer na divindade d’Aquele Mestre “exteriormente reconhecido como homem” (Fl 2, 7).
Com efeito, se o Verbo Se apresentasse em toda a magnificência de sua personalidade, ninguém cogitaria ser Aquele o “filho do carpinteiro”, e todos — até os que se recusassem a aceitá-Lo — seriam obrigados, pela força da evidência, a ver n’Ele o próprio Deus. Entretanto, além dos outros efeitos da sua vinda ao mundo, Deus quis dar aos homens o mérito da fé diante do mistério da Encarnação. Para tal, assumiu totalmente nossa débil natureza, à exceção do pecado, sujeitando-Se à fome (cf. Mt 4, 2), à fadiga (cf. Jo 4, 6), à sede (cf. Jo 4, 7) e ao sono (cf. Mc 4, 38).
Sendo patente que Nosso Senhor era verdadeiro homem, fazia-se necessário demonstrar que Ele era também verdadeiro Deus. Foi o que fez durante sua vida pública, ensinando com autoridade e operando milagres. Estes revelavam de modo inequívoco sua divindade, quer confirmando a veracidade da doutrina — a qual continha revelações acerca de sua origem divina —, quer por serem feitos por sua própria virtude, ou ainda porque transcendiam todo o poder criado.1
A onipotência manifestada ao operar os milagres é um atributo próprio de Deus, intransferível a qualquer criatura, inclusive à humanidade de Cristo. Portanto, ao usar os predicados humanos para suspender as leis da natureza — por exemplo, tocando o leproso e dizendo-lhe: “Eu quero, sê curado!” (Mt 8, 3) —, Jesus mostrava a realidade de sua Encarnação, na qual, conforme ensina São Tomás, “a natureza humana é instrumento da ação divina, e a ação humana recebe poder da natureza divina”.2
Daí decorre que, presenciando um só milagre, até mesmo os que recusavam seus ensinamentos não tinham mais motivos para duvidar de seu poder divino, como declarou o próprio Re dentor: “Se eu não faço as obras de meu Pai, não me creiais. Mas se as faço, e se não quiserdes crer em mim, crede nas minhas obras, para que saibais e reconheçais que o Pai está em mim e eu no Pai” (Jo 10, 37-38).
As páginas do Evangelho guardam numerosas passagens nas quais reluz essa onipotência do Homem-Deus. 0 90 Domingo do Tempo Comum traz à nossa consideração uma delas, realçando a nossos olhos a figura de um pagão cuja fé é elogiada pelo próprio Jesus.
PRENÚNCIO DA CONVERSÃO DOS GENTIOS
Naquele tempo,1 quando acabou de falar ao povo que o escutava, Jesus entrou em Cafarnaum.
Pouco antes de se dirigir à cidade, Nosso Senhor concluíra uma de suas mais belas pregações, a qual tivera por prefácio as bem-aventuranças. Desde o oferecer a outra face ao agressor e emprestar sem exigir devolução, até o surpreendente “amai os vossos inimigos” (Le 6, 27), o sermão deixara consignada a nova perspectiva de relacionamento social trazida por Cristo, a qual estendia a um âmbito universal o amor, então circunscrito aos limites da reciprocidade. São Lucas registra este discurso como antecedente imediato do episódio contemplado no Evangelho de hoje, visando mostrar como Jesus confirma tal doutrina com o exemplo de sua própria conduta.
2 Havia lá um oficial romano que tinha um empregado a quem estimava muito, e que estava doente, à beira da morte.
São Mateus, narrando este mesmo fato, precisa a categoria do oficial: é chefe de uma centúria, subdivisão inferior da infantaria romana, correspondente à sexagésima parte de uma legião. Devido às vastidões do Império, as legiões eram enviadas a regiões estratégicas. Na Palestina, havia centúrias estacionadas em locais como Cafarnaum — por estar situada na fronteira norte da Galileia. Se houvesse necessidade, recebiam reforço de outras unidades que se encontrassem próximas.
Embora pagãos, os centuriões gozavam de grande popularidade entre os judeus, por serem tidos por militares bem conceituados, capazes e experientes na arte da guerra, além de respeitados por sua autoridade, O centurião deste episódio do Evangelho desfrutava de todas essas prerrogativas. Estando a serviço do tetrarca Herodes Antipas, comandava uma das poucas guarnições estacionadas na província, e ali era considerado uma figura importante.
Já de início, um detalhe desperta a atenção e nos faz compreender melhor o significado desse primeiro milagre realizado em favor dos gentios: a sensibilidade do oficial em relação a seu escravo,3 atitude incomum na sociedade da época, regida pelo Direito Romano, o qual considerava o escravo como res — coisa. Segundo Fillion, tal compaixão era algo “muito raro entre romanos e gregos, que, em geral, tratavam seus escravos com enorme desprezo e dureza, chegando frequentemente à crueldade”.4 Além de revelar uma natural retidão de alma, esse indício dos “nobres sentimentos de humanidade”5 que animavam o centurião deixa transparecer quanto suas disposições consonavam com os ensinamentos preceituados havia pouco por Cristo.
1)Cf. SAO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.43, a.4.
2) Idem, a.2.
3) Embora na tradução litúrgica conste “empregado”, o original grego fala em δούγος (douloj), isto é, escravo
4) FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Vida pública. Madrid: Rialp, 2000, v.11, p.127.
5) FILLION, Louis-Claude. Los milagros de Jesucristo. Barcelona/México: Circulo Latino, 2005, p.294.

Continua no próximo post.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Evangelho Solenidade da Santíssima Trindade - Jo 16, 12-15 - Ano C - 2013


Continuação dos comentários ao Evangelho Solenidade da Santíssima Trindade - Jo 16, 12-15 -  Ano C - 2013
O Paráclito transformará as nossas almas
15 “Tudo o que o Pai possui é meu. Por isso, disse que o que Ele receberá e vos anunciará é meu”.
Após ter afirmado no versículo anterior que o Espírito Santo “receberá do que é meu”, Jesus agora declara: “tudo o que o Pai possui é meu”, evidenciando a união substancial das três divinas Pessoas. Como bem assevera Lagrange, “é tal a unidade do Pai e do Filho que é preciso reconhecer: tudo quando o Espírito recebeu do Pai, Ele recebeu também do Filho, porque o Filho tem tudo quanto o Pai tem. Estas palavras são o que o Novo Testamento contém de mais expressivo sobre a unidade de natureza e a distinção de Pessoas na Santíssima Trindade, e especialmente sobre a processão do Espírito Santo”.24
No mesmo sentido se pronuncia o Cardeal Gomá, ao afirmar ser este versículo “uma forma de manifestar, segundo o raciocínio e as palavras do homem, aquilo que se produz de maneira inefável no seio da Trindade beatíssima. Baste-nos saber — para sentirmos profunda gratidão ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo — que as três Pessoas divinas realizaram o mistério de nossa salvação e santificação, e que as inspirações da graça, as sugestões de ordem intelectual, às quais aqui Se refere Jesus, atribuem-se ao Espírito Santo porque é obra de amor que se atribui ao Espírito Santificador”.25
Assim, em todas as nossas orações, sobretudo ao recebermos a Sagrada Comunhão, peçamos a graça de sermos inteiramente dóceis às inspirações do Paráclito. Abramos-lhe as nossas almas sem nenhuma restrição, desconfiança ou reserva, a fim de que Ele nos encha de luzes, fogo e entusiasmo, como o fez com os Apóstolos no dia de Pentecostes.
Fazemos Parte da Família divina
No Paraíso Terrestre, Adão passeava com Deus na brisa da tarde (cf. Gn 3, 8). Afirma, a este propósito, Santo Irineu: “O Jardim do Éden era tão belo e agradável que com frequência Deus nele Se apresentava pessoalmente, passeava e conversava com o homem, prefigurando o que haveria de suceder no futuro, isto é, que o Verbo de Deus habitaria junto ao homem e conversaria com ele, ensinando-lhe sua justiça”.26
Mas se esta passagem bíblica prenuncia o inefável relacionamento que a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade teria com os homens durante 33 anos nesta Terra, através de Sua sagrada humanidade, ela evoca ainda mais o celeste convívio na felicidade eterna, quando contemplaremos face a face o mesmo Deus que o homem apenas entrevia no Paraíso.
Com a maternal preocupação de preparar-nos para esse sobrenatural relacionamento, a Liturgia de hoje ilumina nosso entendimento e move nossa vontade. Pois se, pelo Batismo, a graça nos faz participar daquilo que o Espírito recebeu de Cristo, e Cristo recebeu do Pai, ela nos eleva muito acima da nossa natureza humana para nos tornar verdadeiros filhos e herdeiros da Santíssima Trindade. Como mais precisamente nos ensina São Paulo: “Todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Rm 8, 14).
Mesmo sendo puras criaturas, há no Céu um trono preparado para cada um de nós, e a consideração de tão grande dádiva convida-nos a esquecermos as contingências da vida terrena e elevar o espírito até a bem-aventurança eterna. Todos nós somos chamados a participar da própria vida de Deus. Pertencemos, como membros adotivos, a esta família chamada Santíssima Trindade. Este é nosso maior tesouro.
Saibamos dar o devido valor a esta gratuita dádiva, e procuremos compreender que, em nosso relacionamento diário, temos uma insuperável matriz de convívio: o eterno amor entre as três Pessoas divinas. Pois, ensina-nos a Santa Igreja, a família cristã é “comunhão de pessoas, vestígio e imagem da comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.27
Sejamos gratos à Divina Providência, rogando a graça de estarmos à altura de tudo quanto d’Ela recebemos. E peçamos, por meio da Filha diletíssima do Pai, Mãe admirável de Nosso Senhor Jesus Cristo, e Esposa e Templo do Paráclito, que a Santíssima Trindade nos cumule de dons místicos no relacionamento com o Pai que nos criou, com o Filho que nos redimiu, e com o Espírito que nos santifica.

1SANTO AGOSTINHO. De Trinitate, I,8, c.5: PL 42, 952953.
2ROYO MARÍN, OP, Antonio. Teología de la Perfección Cristiana. 9.ed. Madrid: BAC, 2001, p.53.
3SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. I, q.32, a.1, resp.
4Idem, ibidem.
5SANTO ANTONIO MARÍA CLARET. Colección de Pláticas Dominicales. Barcelona: Librería Religiosa, 1886, v.II, p.256.
6SANTA MARIA MADALENA DE PAZZI apud PLUS, SJ, Raúl. Cristo en nosotros. Barcelona: Librería Religiosa, 1943, p.153.
7PLUS, SJ, op. cit., ibidem.
8FABER, Frederick William. Œuvres posthumes. P. Lethielleux,1906, t.I, p.125; t.II, p.242.
9TUYA, OP, Manuel de. Biblia comentada – II Evangelios. Madrid: BAC, 1964, p.1253. No mesmo sentido, MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios. III. Evangelio de San Juan. Madrid: BAC, 1954, p.867.
10MALDONADO, SJ, op. cit., ibidem.
11GOMÁ Y TOMÁS, Isidro. El Evangelio explicado. Barcelona: Acervo, 1967, v.II, p.535.
12 FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Madrid:
Voluntad, 1927, p. 223.
13 TUYA, OP, op. cit., p.1253.
14 Catecismo da Igreja Católica, n.66.
15 MALDONADO, SJ, op. cit., p.869.
16 Catecismo da Igreja Católica, n.65.
17 LAGRANGE, OP, Marie-Joseph. Évangile selon Saint Jean. Paris: Lecoffre, 1936, p.422.
18 GOMÁ Y TOMÁS, op. cit., p.535.
19 Cf. MALDONADO, SJ, op.cit., p.871.
20 GOMÁ Y TOMÁS, op. cit.,p.534.
21 SAN JUAN CRISÓSTOMO. Homilías selectas – Homilías exegéticas. Madrid: Razón y Fe, 1911, t.III, p.509.
22 DÍDIMO apud SANTO TOMÁS DE AQUINO. Catena aurea.
23 MALDONADO, SJ, op. cit., p.872.
24 LAGRANGE, OP, op. cit., p.423.
25 GOMÁ Y YOMÁS, op. cit., p.535.
26 ST. IRENAEUS, BISHOP OF LYON. The Demonstration of the Apostolic Preaching. London: Society of Promoting Christian Knowledge, 1920, p.82.
27 Catecismo da Igreja Católica, n.2205.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Evangelho Solenidade da Santíssima Trindade - Jo 16, 12-15 - Ano C - 2013


Continuação dos comentários ao Evangelho Solenidade da Santíssima Trindade - Jo 16, 12-15 -  Ano C - 2013
Três pessoas idênticas e coeternas
13b “Pois não falará por Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido”.
Com Nosso Senhor, atingiu-se a plenitude da Revelação. “Cristo, o Filho de Deus feito Homem, é a Palavra única, perfeita e insuperável do Pai. N’Ele o Pai disse tudo e não haverá outra palavra senão esta”.16 Portanto, nada há fora do Verbo Encarnado que possa ser transmitido aos homens, e devemos interpretar neste sentido o presente versículo, como observa Lagrange: “O Espírito não falará por Si mesmo, ou seja, não exporá uma doutrina própria d’Ele: a doutrina não será nova, pelo menos no sentido de que não será estranha à Revelação já feita pelo Filho”.17
De outro lado, convém evitar a conclusão errônea segundo a qual o Espírito Santo necessitaria ouvir os ensinamentos de Cristo para depois transmiti-los aos Apóstolos, como se Ele tivesse alguma inferioridade em relação ao Filho. Sendo as três Pessoas idênticas e coeternas, são um só Deus.
Portanto, falando em termos humanos, o que “sabe” uma Pessoa divina, “sabem-no” também as outras. Ou, dito com as palavras do Cardeal Gomá: “A ciência das três Pessoas divinas é a mesma, infinita; contudo, recebendo o Espírito Santo a natureza do Pai e do Filho, dos quais procede, recebe também a ciência, segundo nossa maneira de falar”.18
Assim, quando o Paráclito disser aos Apóstolos “tudo quanto tiver ouvido”, estará revelando aquilo que conhece desde toda a eternidade, tal qual o Pai e o Filho.
O dom de profecia
13c “Ele Me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará”.
Pode-se interpretar esta afirmação como um recurso didático utilizado pelo Divino Mestre para melhor fazer compreender, aos Seus ouvintes, toda a extensão do poder do Espírito Santo para conduzir as almas à plena verdade. Mas outros autores, entre os quais Maldonado,19 preferem interpretar esta passagem como sendo um desejo de Jesus, de frisar a presença do dom de profecia entre os demais dons que o Espírito Santo infundiria nos Apóstolos.
Pois se este dom foi dado à Sinagoga, com muito maior razão deveria possuí-lo a Igreja. É o que assinala o Cardeal Gomá: “As funções do Espírito Santo não terminaram com a morte dos Apóstolos; com eles encerrou-se a Revelação; mas a Igreja tem a assistência positiva do Espírito Divino para não errar no caminho da verdade especulativa e prática; por outro lado, nunca cessou, na Igreja, o espírito de profecia”.20
Lembremos também que profetizar não significa apenas, nem principalmente, prever o futuro; consiste, pelo contrário, em interpretar o presente para saber conduzir os fiéis nas vias da Providência. Esse carisma para discernir os desígnios de Deus e guiar Seus filhos é concedido à Igreja em um grau incomparavelmente maior do que foi dado na Antiga Lei.
O Espírito não é maior do que o Filho
14“Ele Me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará”.
Tudo quanto se refere à Santíssima Trindade fica envolvido em véus de mistério. Qual o significado da afirmação feita pelo Divino Mestre: “Receberá do que é meu”?
Sob uma perspectiva eminentemente pastoral, Crisóstomo assim interpreta: “Para que, ao ouvir essas palavras, não julgassem os discípulos ser o Espírito Santo maior do que Ele e caíssem em maior impiedade, disse: ‘Receberá do que é meu’. Ou seja: ‘O que Eu disse, também Ele o dirá’”.21
Dídimo, de sua parte, sob um prisma metafísico, busca o sentido da mesma expressão: “‘Receber’, aqui, segundo a natureza divina, deve entender-se da seguinte forma: assim como o Filho, dando, não Se priva do que dá, nem Se prejudica beneficiando a outrem, assim também o Espírito Santo não recebe o que antes não possuía; pois se recebesse um dom que não tinha anteriormente, ficaria sem ele quando o transferisse a outrem. Convém entender que o Espírito Santo recebe do Filho aquilo que constitui Sua natureza, e que não são duas substâncias — uma que dá e outra que recebe — mas sim uma só substância. Do mesmo modo, o Filho recebe do Pai a mesma substância que subsiste em ambos: nem o Filho é outra coisa que tudo aquilo que recebe de Seu Pai, nem o Espírito Santo é outra substância que a que recebe do Filho”.22
Já Maldonado, em consonância com diversos comentaristas antigos, procura salientar a glorificação que Cristo há de receber pelo testemunho que d’Ele será dado pelo Espírito da Verdade, e conclui: “Portanto, a verdadeira interpretação é: ‘O Espírito virá em meu nome e ensinará minha doutrina, como legado meu. Por isso, a glória de Suas obras e magistério redundará em minha glória’”.23
Continua no próximo post.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Evangelho Solenidade da Santíssima Trindade - Jo 16, 12-15 - Ano C - 2013

Continuação dos comentários ao Evangelho Solenidade da Santíssima Trindade - Jo 16, 12-15 -  Ano C - 2013

Jesus anuncia o Paráclito
O trecho do Evangelho de São João, hoje contemplado, pertence ao relato da Última Ceia. Precede a Oração Sacerdotal, e sucede ao episódio do lava-pés e a diversas afirmações misteriosas do Divino Redentor que pareceram incompreensíveis aos Apóstolos, como o anúncio da traição de Judas, da negação de Pedro antes que o galo cantasse, ou ainda da Sua breve partida: “Para onde Eu vou, vós não podeis ir” (Jo 13, 33).
Encontravam-se eles admirados e perplexos ao extremo diante do grandioso panorama apresentado por Jesus, tanto mais que suas vidas estavam em questão, pois poucos instantes antes o Salvador afirmara: “Virá a hora em que todo aquele que vos matar, julgará estar prestando culto a Deus” (Jo 16, 2).
“Não sois capazes de compreender agora”
12“Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender agora”.
Chama a atenção ver o Mestre por excelência, incomparável pedagogo, dotado de divina didática, afirmar que vai silenciar determinados ensinamentos porque Seus interlocutores não são capazes de compreendê-los.
Até se poderia ter a falsa impressão de que, por causa de certas deficiências dos Apóstolos, Nosso Senhor houvera decidido guardar para Si algumas das doutrinas que deveriam fazer parte da Revelação. E que, portanto, se os Doze tivessem sido inteiramente fiéis, ter-lhes-ia o Divino Mestre desvendado muitas outras maravilhas. Afirmar isso, porém, seria grave erro, pois equivaleria a asseverar que ficou incompleta a missão de Nosso Senhor, não tendo sido atingida, com Ele, a plenitude da Revelação.
 Para bem entendermos este versículo, precisamos considerar a rudeza dos Apóstolos, sua condição de pessoas simples e a sublimidade dos ensinamentos que lhes seriam confiados. Tudo isto exigia, segundo o padre Tuya, “uma transformação radical que, no plano do Pai, estava reservada ao Pentecostes, como ponto inicial da ação do Espírito sobre eles”.9
Necessitavam dos dons do Paráclito para compreender certas verdades reveladas, que ultrapassam a capacidade humana de entendimento. De nada serviria, naquele momento, toda a divina didática de Cristo, sem estar acompanhada pela ação sobrenatural que se lhes concederia mais adiante. Embora o Espírito Santo “não fosse melhor mestre que Jesus, Ele, entretanto, lhes falaria numa oportunidade melhor”, explica Maldonado.10
De outro lado, as palavras de Nosso Senhor não autorizam a deduzir que tenha havido alguma falta ou infidelidade da parte dos Apóstolos. Apenas afirma o Divino Mestre serem eles incapazes de compreender, naquele momento, “muitas coisas” que Ele tinha a transmitir. Nisso nada havia de desonroso, pois, mesmo decorridos já dois milênios, durante os quais a doutrina católica foi crescentemente explicitada pelo Magistério pontifício, pelos escritos dos doutores ou pela voz dos pregadores, muitas das verdades reveladas permanecem ainda incompreensíveis à razão humana, aguardando uma ação do Paráclito que venha esclarecê-las.
Uma última reflexão, útil especialmente para nós sacerdotes. Além de reconhecermos com humildade essa limitação do nosso intelecto, precisamos saber aplicar, no exercício de nosso ministério, a lição moral que o Cardeal Gomá tira deste versículo: “A inteligência humana é um vaso pequeno demais para receber toda a verdade divina. Por isso Deus é misericordioso a ponto de descer até nós e dar-nos a verdade de acordo com a medida de nossa capacidade. Tenham isto bem presente aqueles que ensinam, ao povo, as verdades de nossa Religião”.11
“Ele vos conduzirá à plena verdade”
13a “Quando, porém, vier o Espírito da Verdade, Ele vos conduzirá à plena verdade”.
Deveria nosso Redentor partir em breve, vindo em seguida o Paráclito para abrir as almas dos discípulos à “plena verdade”, isto é, conduzi-los ao conhecimento completo do que foi revelado. Pois cabe ao Consolador, como afirma Fillion, finalizar a obra de Jesus, ensinando aos Seus discípulos “a verdade cristã inteira e completa em toda a sua extensão, e sem perigo de errarem, ao menos naquilo que lhes fosse necessário para seu futuro ministério”.12
No mesmo sentido se pronuncia o padre Manuel de Tuya, ao afirmar: “O contexto do Evangelho de João sugere que, mais do que a uma revelação absolutamente nova de verdades, feita pelo Espírito Santo, refere-se a uma maior penetração das verdades reveladas por Cristo aos Apóstolos”.13
Com efeito, no decurso da era da Nova Aliança, o Espírito Santo não deixa de inspirar progressivamente as almas no sentido de melhor entenderem a riquíssima doutrina deixada por Nosso Senhor. Tudo quanto Ele ensinou será passível de desdobramentos e aprofundamentos até o fim do mundo. E sempre haverá novas pérolas a descobrir nesse inesgotável tesouro, pois, “embora a Revelação esteja terminada, não está explicitada por completo; caberá à Fé cristã captar gradualmente todo o seu alcance ao longo dos séculos”.14
Em relação ao método usado pelo Espírito Paráclito para melhor fazer penetrar os Apóstolos nas verdades reveladas, Maldonado interpreta da seguinte forma a expressão “vos conduzirá”: “Conduzir à plena verdade não significa ensinar de qualquer maneira toda a verdade, mas agir de modo que o mestre leve quase pela mão o discípulo, e vá ensinando-lhe o caminho da verdade mais adequado à sua inteligência; ou seja, não expor-lhe todas as coisas ao mesmo tempo ou em desordem, mostrando primeiro o difícil e depois o fácil, mas ao contrário, propondo primeiro o fácil e em seguida o difícil, cada coisa a seu tempo, de acordo com o aproveitamento e a capacidade de quem aprende”.15
É preciso notar, por fim, que quem não tiver recebido o Sacramento do Batismo jamais conseguirá atingir certas verdades da nossa Fé, por maiores que sejam a inteligência e o esforço aplicados. E isto porque a alma não recebeu a luz do Espírito Santo, que torna compreensível a Palavra divina.
Assim aconteceu quando Nosso Senhor revelou a Eucaristia: muitos dos Seus discípulos O abandonaram, por interpretarem Suas palavras em sentido literal (cf. Jo 6, 48-69); hoje, porém, com o auxílio da graça do Paráclito, milhões e milhões de fiéis no mundo inteiro participam da Celebração Eucarística, dobrando os joelhos em adoração, ao serem pronunciadas, na Consagração, palavras do teor daquelas que outrora tanto chocaram, inclusive os Apóstolos.

Continua no próximo post.