E este é o testemunho de João, quando os judeus enviaram de
Jerusalém sacerdotes e levitas para o interrogarem: “Quem és tu?” 20Ele
confessou e não negou; mas declarou francamente: “Eu não sou o Cristo.
Ele fez questão de usar estes
dois verbos: um afirmativo e outro negativo. Confessou e não negou. Bastaria
ele dizer: “Confessou”, ou então: “Não negou.” Mas ele faz questão de dizer:
“Confessou e não negou.” Ele quer dar a ideia de que houve uma confissão.
Confissão é aquele que declara, que manifesta a sua fé. Então, está aqui para
nós, já um primeiro ponto de conselho espiritual: nós devemos confessar e não
negar. Confessou e não negou.
Ele vai repetir ainda.
João confessou e não negou. Confessou: “Eu não sou o Messias.”
Isso perturbava enormemente os
judeus que tinham mandado os sacerdotes e levitas. Perturbava, porque eles
gostariam de que fosse dito: “Eu sou o Messias.” Porque aí eles obrigariam João
Batista a ir ao Sinédrio. O que aconteceria se ele não fosse ao Sinédrio?
Aconteceria que João Batista, enquanto Messias, estaria rompendo com o Sinédrio
e o Sinédrio podia fazer uma guerra. Assim como eles mataram os profetas ao
longo dos séculos, eles também arrumariam um meio de matar este que se dizia
Messias, porque estava prejudicando completamente toda a política deles,
levitas, sacerdotes e judeus.
Mas ele diz que não: “Eu
confesso, não sou o Messias.” Isso cria uma insegurança. Porque, uma vez que
não é o Messias, então quem é ele? Isso perturba. “Será que tem alguém que ele
vem anunciando?” Porque eles sabiam que era a época do Messias. Se ele não é o
Messias, então ele vem anunciando-O.
Eles perguntaram: “Quem és, então? És tu Elias?”
A fama de São João Batista era
tal que os sacerdotes e levitas, a mando dos judeus, perguntaram-lhe se ele era
ou não o Messias, se ele era ou não Elias. A primeira idéia era a de ser o
Messias. Eles vão descendo a escala dos personagens. “Bom, uma vez que ele nega
ser o Messias, então, de repente é Elias. Se ele diz que é Elias, estamos
perdidos!”
Sim, porque Elias é aquele que
manda abrir a terra, vir fogo do céu, que pára a chuva... Então, será Elias? E
a tensão nervosa na pergunta: “Então és
tu Elias? És Elias? Dize com sinceridade...”
João respondeu: “Não sou.”
Com essas respostas, eles
tinham um alívio imediato, mas depois crescia ainda mais a insegurança. Por que?
Porque João devia ser uma figura meio mítica, legendária, saída de alguma toca
ou gruta, ou de alguma eternidade desconhecida. Parecia uma figura eterna. E
depois, anacoreta mesmo, alimentando-se de gafanhotos e mel silvestre, vestido
de pele de camelo, com um cinturão. Era um homem que espantava, dono de uma voz
forte, segura. Ele era um homem seguro. Nada dessa indecisão: “Eu? Eu não... eu
não sou Elias...” “Não sou!”
Eles perguntaram: “Quem és, então? És
tu Elias?” João respondeu: “Não sou.” Eles perguntaram: “És o profeta?”
Porque podia ser um profeta. E
já isto os apavorava também, porque a palavra dele seria tomada como palavra de
Deus. Mas eles iam pedir um sinal se ele dissesse que era um profeta, porque
nenhum judeu aceitava a presença de um profeta sem um sinal. No entanto, eles
aceitavam Elias. Primeiro, devido àquele sacrifício feito, os oitocentos e
cinquenta sacerdotes de Baal. Elias era o homem. E depois, o profeta que
desapareceu e que tem ainda uma missão no fim do mundo. Isso tudo a respeito de
Elias impressionava muito. Se ele dissesse:
— Sou um profeta.
Imediatamente pediriam:
— Dê-nos um sinal.
E São João vai dizer mais uma vez com
segurança, com firmeza.
“És o profeta?” Ele
respondeu: “Não!” Perguntaram
então: “Quem és, afinal?”
“Temos de levar uma resposta para aqueles que
nos enviaram.”
Como que dizendo: “Diga-nos
quem és, porque se nós chegarmos lá sem resposta, eles nos enforcarão.” Imaginem
a pressão provavelmente feita sobre eles! ─ “Não apareçam aqui sem uma resposta
muito clara.”
A resposta que ele vai dar é um
discurso lindíssimo.
João declarou: “Eu sou a voz que grita no deserto:”
“Que clama no deserto.” É uma referência a
Isaías que eles conheciam perfeitamente. Antes do aparecimento do Messias,
haverá uma voz que clamará no deserto. “Eu sou aquele que Isaías previu.”
Pânico.
Eu sou a voz que clama no
deserto: ‘Aplainai o caminho do Senhor’ — conforme disse o profeta Isaías.
Eles sabiam perfeitamente.
Isaías tinha dito isso, e, no fundo, ele está dizendo: “Eu sou a realização
dessa profecia de Isaías.”
E ninguém ousa dizer o
contrário. Eles conheciam a Escritura, conheciam Isaías, sabiam perfeitamente
esse trecho. Esse trecho devia ter girado pela cabeça deles incontáveis vezes.
E estavam preocupados de que realmente se tratasse de uma voz que clama no
deserto. “Sou a voz que clama no deserto.”
Ora, os que tinham sido
enviados, pertenciam aos fariseus...
Portanto, eram sacerdotes
levitas que pertenciam aos fariseus.
E perguntaram...
Porque os fariseus eram os
mestres em obedecer todo o ritual.
Os fariseus tinham constituído
uma religião com base em seiscentas e vinte três regras para serem observadas. E
aquelas regras todas eram um tormento. Eles exigiam o cumprimento com lupa em
uma mão e chicote na outra: “Tem que fazer isto agora, tem que fazer aquilo.”
E, segundo os fariseus, não era
permitido haver um ritual fora das seiscentas e vinte e três regras; não se
podia batizar outros se não fosse Elias, ou profeta, ou o Messias. Porque se
fosse o Messias era compreensível. Se fosse profeta, também. E, mais ainda, se
fosse Elias. Então, não entendiam. E por isso é que São João coloca aqui em tom
ridicularizante. Por serem fariseus, eles não entendiam o batismo de João. Ora,
todo o povo entendeu o batismo de João e aceitou-o. E agora está diante dele um
grupo que não aceitou o batismo: os fariseus. Então os fariseus perguntaram:
“Por que, então, andas batizando, se não és o Messias, nem Elias, nem o
profeta?” João respondeu:
E a resposta é tremenda... “Eu batizo com água...”
Como se dissesse: “Qual é o mal
de batizar com água? Qual é o problema?”
“Eu batizo com água, mas, no meio de vós, está aquele que vós não conheceis
e que vem depois de mim.”
Já aqui é um deboche de São
João Batista em relação a eles: diz que os fariseus que estavam aí não O
conheciam. Ou seja, havia um no meio deles que eles não conheciam. Ou seja, ele
está dizendo: “Eu sou o precursor. Eu venho antes daquele que vem depois de
mim.”
“Eu não mereço desamarrar a correia de suas sandálias.”
Este homem, com poder de
influência, fama, mito, glória, com uma aura impressionante, no meio de toda a opinião
pública, diz: “Eu não sou digno de me agachar e desamarrar as sandálias deste
que vem depois de mim. Não é indignidade de lavar os pés, é de desamarrar as
sandálias. Ou seja, perto d’Ele eu não sou nem sequer escravo. Eu não sirvo
para ser escravo d’Ele.”
Isso deixou os fariseus, os que
eram sacerdotes e levitas, assustadíssimos. “Quem será que este homem vem
precedendo? Quem será?”
Isso aconteceu em Betânia, além do Jordão, onde João estava batizando.
E São João Evangelista coloca
isso no começo do Evangelho dele. Isso é o capítulo I, versículos 19-28. Isso é
para deixar claro que a figura de Nosso Senhor tinha sido atestada por São João
Batista e por ele também, enquanto evangelista. Portanto, não havia como
colocar em dúvida.
Nós devemos ser aqueles que aplainam os
caminhos do Senhor com nossas palavras e nossa atitude
Fica para nós, subjacente neste
Evangelho, o seguinte convite: nós devemos ser aqueles que aplainam o caminho
do Senhor. Nós devemos ser aqueles que clamam no deserto. Nós devemos clamar
com as nossas palavras e com a nossa atitude.
E, pondo isto no Evangelho, São
João está dizendo que não basta conhecer. É bom conhecer, porque quem não
conhece, não ama; é preciso conhecer para amar. O conhecimento é fundamental, é
preciso conhecer. Mas só o conhecimento não basta. É preciso que, além do
conhecimento, nós sejamos testemunhas.
Então, cada um de nós, na sua
idade; cada um de nós, no seu chamado; cada um de nós, na sua categoria social;
cada um de nós, no seu ambiente, cada um de nós tem que dar testemunho. Cada um
de nós deve, além de conhecer, viver aquilo que conhece e transpor o
conhecimento à sua própria vida. E, na liturgia de hoje, nós somos chamados a
clamar no deserto e a aplainar os caminhos do Senhor.
Muitas vezes, o que é preciso
para aplainar os caminhos do Senhor? Tirar uma pedra. Se há uma pedra no
caminho e não dá para passar, é preciso retirá-la.
Mons João Clá Dias - homilia 2/01/2006 - sem revisão do autor.