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terça-feira, 4 de março de 2008

“Eu não vim para ser servido, mas para servir”

Os judeus esperavam um Messias político, que os colocasse acima de todos os povos da Terra. No entanto, esta visão meramente humana a respeito do Salvador atingiu também os apóstolos, segundo narra o Evangelho de São Mateus, 20, 17-28. Nesta passagem do Evangelho, Nosso Senhor fala claramente aos apóstolos dos sofrimentos pelos quais teria de passar, faz a promessa de Sua ressurreição e deixa-nos uma das mais belas definições da finalidade da Encarnação: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate em favor de muitos”.


O Mons. João Clá Dias, na homilia de 15 de março de 2006, explica este trecho, que é contemplado a cada ano na quarta-feira da segunda semana da Quaresma.

"Nosso Senhor, já quando menino, dava idéia de uma capacidade única, de alguém que ia conquistar o mundo. Por exemplo, na discussão d’Ele com os doutores, no Templo, mas, sobretudo, quando começou a vida pública, Ele deve ter causado um verdadeiro estupor, uma verdadeira admiração. Nosso Senhor era um homem que tinha poder sobre o vento, sobre os mares, sobre a doença, sobre o pão, sobre o peixe, sobre os demônios, etc. Portanto, era um homem feito para tomar conta de tudo. E os judeus pensavam: “Este homem, em certo momento, com os poderes que tem, levanta um exército e dá um golpe! Primeiro, nos separamos dos romanos e, depois, nos tornamos o primeiro povo da Terra.”



Alguém diria: “Bom, com todos os milagres que fazia, Ele já tinha conquistado tudo e já tinha se realizado.” Não! A realização que o povo judeu queria era, de fato, uma realização política, uma realização na linha da carreira e Ele não tinha nada disso. Para as pessoas que governavam, para as pessoas que tinham influência — não para o povinho miúdo — Nosso Senhor aparecia como um grande curandeiro. E, portanto, um homem que não tinha realizado a carreira que parecia que ia realizar quando menino, e quando havia começado sua vida pública. O que os judeus queriam era um homem que tomasse conta do poder, um homem que fosse político e que alcançasse o que para eles era o mais importante: a supremacia de Israel sobre todos os outros povos. Isto não estava se dando, e não se deu. Nosso Senhor foi um fracassado de dentro dos olhos dos judeus amis influêntes, porque Ele passou por uma traição, foi preso, julgado, condenado e morto.
Então, humanamente falando, não se deu o que queriam Tiago, João e a mãe de ambos, nem o que os apóstolos queriam, quando ficaram irritados com os dois irmãos e começaram a discutir entre si. Quer dizer, de dentro dos olhos dos fariseus, dos escribas, dos supremos sacerdotes e dos príncipes dos sacerdotes, Jesus foi um fracassado. Humanamente falando, Ele fracassou, de acordo com os critérios daquele tempo e segundo o conceito judaico.

É por isso que o Evangelho de hoje narra:

Naquele tempo, enquanto Jesus subia para Jerusalém, ele tomou os doze discípulos à parte e, durante a caminhada, disse-lhes:18”Eis que estamos subindo para Jerusalém,…”[i]

Eles imaginavam que estavam indo para Jerusalém naquele momento para ser dado o golpe que seria um grande passo para a restauração política de Israel. A tal ponto que é nesta hora que a mãe de Tiago e João pede a colocação de seus filhos no reino.


“…e o Filho do Homem será entregue aos sumos sacerdotes e aos mestres da Lei. Eles o condenarão à morte, 19e o entregarão aos pagãos para zombarem dele, para flagelá-lo e crucificá-lo. Mas no terceiro dia ressuscitará".


Quer dizer, do ponto de vista sobrenatural, toda a vitória; do ponto de vista humano, toda a derrota.

E nós, que estamos nesta via, devemos nos lembrar desse sinal tão extraordinário que está diante de nós: a cruz. E não é só a cruz no que diz respeito ao sofrimento físico, mas é a cruz no que diz respeito à rejeição dos outros. E mais: é a rejeição dos bons, a rejeição dos iguais, a rejeição dos que são irmãos. Se Nosso Senhor Jesus Cristo tivesse sido crucificado como o foi, mas com o apoio inteiro da opinião pública, tendo sido morto por alguns bandidos, Ele teria morrido consolado. O grande drama d’Ele, o grande cálice foi a rejeição de toda a opinião pública. É terrível, custa sangue, mas é o que prepara depois a glória da ressurreição.

A mãe dos filhos de Zebedeu aproximou-se de Jesus com seus filhos e ajoelhou-se com a intenção de fazer um pedido. Jesus perguntou: “O que tu queres?” Ela respondeu: manda que estes meus dois filhos se sentem, no teu reio, um à tua direita e outro à tua esquerda”. Jesus, então, respondeu-lhes: “Não sabeis o que estais pedindo. Por acaso podeis beber o cálice que eu vou beber?" Eles responderam: “Podemos”.

É o que Nosso Senhor nos pergunta na liturgia de hoje: “Por acaso podeis beber o cálice que eu vou beber?” E nós devemos responder o que São João e São Tiago não responderam: “Desde que vós nos assistais com vossas forças, podemos, porque sem essas forças nós não conseguimos nada. Se Deus se afasta de nós, não fazemos mais nada!”.


Então Jesus lhes disse: “De fato, vós bebereis do meu cálice, mas não depende de mim conceder o lugar à minha direta ou à minha esquerda. Meu Pai é quem dará esses lugares àqueles para os quais ele os preparou”.
Então, é preciso pedir forças para aceitar este cálice e beber dele. Mas, para beber deste cálice, é preciso que nós estejamos muito próximos de Deus, ou seja, que Deus esteja muito próximo de nós, porque só aí temos forças.

Quando os outros dez discípulos ouviram isso, ficaram irritados contra os dois irmãos. Jesus, porém, chamou-os e disse: “Vós sabeis que os chefes das nações têm poder sobre elas e os grandes as oprimem. Entre vós não deverá ser assim. Quem quiser tornar-se grande, torne-se vosso servidor; quem quiser ser o primeiro, seja vosso servo”.

Portanto, beber do cálice significa compreender que seguimos a Nosso Senhor não para receber apoio, nem aplausos, nem a sustentação no nosso instinto de sociabilidade; nós estamos aqui para servir.
“Pois o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate em favor de muitos”.

E nós devemos compreender que não viemos para receber louvores, gratidão, entusiasmo, aplauso, aprovação ou apoio, nós viemos para servir. E devemos rejeitar a idéia de que todos devem reconhecer aquilo que somos ou possuímos, pois isto é secundário. O que importa é ter oportunidade de servir, de fazer o bem, de ajudar os outros, sem o menor desejo de retribuição.




Onde está o sucesso humano? O sucesso humano está no cálice. Mas nem sempre esse sucesso humano se faz nesta Terra, é muito raro. O sucesso humano se faz post mortem e, portanto, a pessoa não realiza o esplendor daquilo que ela julga que vai obter na Terra. Ela terá o esplendor no Céu, que depois desce também sobre a Terra; mas o primeiro esplendor a ser conquistado é o Céu.


Portanto, nós precisamos pedir, nesta liturgia, a graça de beber do cálice do qual Nosso Senhor bebeu.

[i] Todas as citações bíblicas foram extraídas de “Liturgia Diária”, Paulus, março de 2006. Trecho adaptado para a linguagem escrita, sem revisão e conhecimento do autor.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

“Por que Jesus, sendo o próprio Deus e, portanto, tendo conhecimento de tudo, perguntou três vezes a Pedro: ‘Tu me amas?’”


Jesus manifestou-se aos seus discípulos e, depois de comerem, perguntou a Simão Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?” Pedro respondeu: “Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo.” Jesus disse: “Apascenta os meus cordeiros”. E disse de novo a Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas?” Pedro disse: “Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo”. Jesus disse-lhe: “Apascenta as minhas ovelhas”. Pela terceira vez, perguntou a Pedro: “Simão, filho de João, tudo me amas?” Pedro ficou triste, porque Jesus perguntou três vezes se ele o amava. Respondeu: “Senhor, tu sabes tudo, tu sabes que eu te amo”.[1]



Assim nos responde o Mons. João Clá, em sua homilia de 2 de junho de 2006, para um auditório de jovens Arautos do Evangelho:


[2]Por que razão Nosso Senhor está perguntando? Ele sabe isso desde toda a eternidade enquanto Segunda Pessoa da Santíssima Trindade! Ele viu São Pedro desde todo o sempre e viu São Pedro nesta hora, nesta fase de vida espiritual. Nosso Senhor sabia perfeitamente que São Pedro teria essa disposição de alma, Ele sabia que São Pedro amava a Ele mais do que todos os outros. Por que pergunta? E pergunta três vezes!
Todos os comentaristas dizem que era para reparar as três negações que São Pedro faria. Portanto, Jesus perguntava três vezes para dar oportunidade a São Pedro de reafirmar o amor que tinha a Nosso Senhor e, com isso, reparar as três negações.




Mas há ainda outra razão. Por que outro motivo Nosso Senhor pergunta? Para Ele saber, não é. Se Ele pergunta, é para benefício dos outros, para benefício da História e para benefício de Pedro.


Ora, o amor precisa ser explicitado. Para que o amor possa deitar raízes, para que tenha valor e seja autêntico, ele precisa ser explícito, não basta ficar no fundo do coração, precisa manifestar-se. Quando o amor é autêntico, quando o amor é forte, quando o amor é firme, ele se manifesta.



Nesse trecho do Evangelho, Nosso Senhor já está em corpo glorioso. Isso criava um ambiente de um respeito único, e esse amor não se manifestava exteriormente. O amor podia até crescer interiormente, mas não se punha em termos. Era preciso, então, que Nosso Senhor desse essa chance a São Pedro e deixasse claro diante dos outros que Pedro era o que mais amava. E o próprio São Pedro também tinha que tomar consciência de que ele era o que mais amava.


Por que foi dado a Pedro mais amor? Não imaginemos que foi um esforço de São Pedro: “Bom, eu agora vou fazer um exercício e vou ultrapassar todo mundo em matéria de amor!” Não, o amor é um dom de Deus, o amor é o Espírito Santo! Para quê São Pedro tinha recebido mais amor? Não era para se deliciar e se fechar em si mesmo, porque Nosso Senhor vai dizer: “Apascenta as minhas ovelhas”. Por que foi dado a este mais amor que aos outros? Para apascentar e apoiar os demais.


Portanto, estes dons que a Providência dá a estas e àquelas pessoas, são dados com objetivo de servir, são dados com objetivo de apoiar, com objetivo de fazer apostolado. É por isso que Nosso Senhor recomenda a Pedro que apascente as ovelhas, porque ele amava mais. Quanto mais amor se tem, mais capacidade se tem de apascentar.


E nós vemos uma correlação que existe entre o amor e o apostolado. É preciso amar para fazer apostolado, pois há uma correlação enorme entre amar a Deus e fazer bem aos outros.


Apostolado não é um método. Se fosse um puro método, fazia-se uma escola: “Escola de Apostolado”, e a pessoa podia levar uma vida relativista em matéria moral e depois aplicar os métodos. Não é assim! O próprio Pe. Garrigou-Lagrange, falando sobre apostolado, cita o livro “A alma de todo apostolado”, de Dom Chautard, e mostra que há uma inteira correlação entre o apostolado e a vida interior. Sem vida interior, não há apostolado! Essa é uma tese não só de Dom Chautard, é uma tese da Igreja.


E aqui está a prova: primeiro é preciso crescer no amor, como está dito aqui por Nosso Senhor a São Pedro, para depois, então, dar aos outros. Quem mais ama, mais cuida; quem mais ama, mais faz apostolado. Antes de tudo, é preciso crescer no amor. Apostolado sem amor não existe!

[1] Liturgia Diária, Paulus, junho de 2006.
[2] Trecho adaptado para a linguagem escrita, sem revisão e conhecimento do autor.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

“Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores"


Cada uma das frases da Bíblia possui significado que ultrapassa a mera compreensão das palavras e descortina um pouco a infinita sabedoria divina.


Por exemplo, ao ler o Evangelho de São Lucas (5, 31-32), surgiu-nos uma dúvida intrigante, cuja solução foi encontrada num sermão do Pe. João Clá Dias — Fundador e Presidente Geral dos Arautos do Evangelho —, proferido em 04 de março de 2006.


Como esse problema havia nos custado muitas horas de pensamento — que, quase diríamos, em vão... —, resolvemos compartilhar com mais pessoas a resposta, tão brilhante quanto simples, bem como a pergunta.


“Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores”.

Então Nossa Senhora — que nunca pecou —,


e aqueles que mantiveram a inocência batismal

estão excluídos do plano da Redenção?






Assim explicou o Mons. João S. Clá Dias[1]:


“Nosso Senhor diz:
“Os que são sadios não precisam de médico, mas sim os que estão doentes. Eu não vim chamar os justos, mas sim os pecadores para a conversão”.

Essa afirmação parece demonstrar que Ele não veio para Nossa Senhora, nem para os que vivem na graça desde a infância, ou seja, para os inocentes.


Ora, nós devemos levar em conta que a humanidade inteira está doente, porque a partir do momento em que Adão e Eva pecaram, introduziu-se a doença na face da Terra.


Como se sabe, a Redenção possui um caráter universal, ou seja, Jesus veio para todos e não só para os pecadores. No entanto, nesta afirmação Nosso Senhor está mostrando que Ele veio para os pecadores, veio para os doentes, veio para converter aqueles que estão concebidos no pecado.
E Nossa Senhora? Nossa Senhora não foi concebida no pecado original em previsão aos méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Se Ele não tivesse comprado, pelo Sangue dEle, a própria Imaculada Conceição de Nossa Senhora, Ela também seria concebida no pecado.


Do mesmo modo, os Anjos que estão no Céu e que perseveraram são fruto dessa bondade de Deus, de ter se encarnado e ter sofrido o que sofreu. Portanto, a Paixão tem uma missão universalíssima e ela atinge também os que são inocentes. A uns, Ele protege e não permite que caiam no pecado, mantendo-os inocentes; a outros, que não foram suficientemente fiéis e caíram, Ele está para trazer o perdão, para trazer a reconciliação inteira.


Ele diz “Eu não vim chamar os justos” — porque os justos Ele já chamou —, “mas sim os pecadores para a conversão”. É verdade. Então, aqueles que não foram chamados por Ele a manter a inocência com antecipação, a esses Ele não veio chamar, pois já os havia chamado antes.
Por exemplo, imaginem que eu convide esses, aqueles e aqueles outros para um banquete. Um pouco antes do início do mesmo, vejo que estão sobrando cinco lugares. Eu saio e convido mais outras cinco pessoas. Seria loucura eu voltar e dizer:


— Olhe, eu não convidei aos que já estavam aqui, mas convidei esses outros cinco.


Não tem sentido! Eu convidei aqueles que já estavam lá e mais os cinco que estavam fora. Assim Deus fez com toda a humanidade: Ele veio chamar os pecadores para a conversão, mas já tinha chamado os outros para a inocência. A uns Ele já havia chamado para a inocência, a outros Ele chama para a conversão.

Saiba mais comentários ao Evangelho accesando no site dos Arautos http://www.arautos.com.br/

[1] Trecho adaptado para linguagem escrita, sem conhecimento e/ou revisão do autor.