-->

sábado, 14 de julho de 2012

Evangelho 15º Domingo Tempo Comum - ano B

Final ( último post)


13 “Expeliam numerosos demônios, ungiam com óleo a muitos enfermos e os curavam”.
Além do poder de expulsar os demônios, Nosso Senhor deu aos Apóstolos o dom de fazer milagres. Nessa primeira missão, eles operavam as curas ungindo os doentes com óleo, enquanto o Divino Mestre o fazia simplesmente com a força de Sua palavra. O Concílio de Trento viu “insinuado” nessa unção o sacramento da Unção dos Enfermos. Alguns teólogos veem nela as “origens reais” desse Sacramento, ao passo que outros a consideram apenas um “tipo ou figura”.12
É esta uma boa ocasião para recordar alguns dos efeitos deste Sacramento que a Igreja reserva para quem se encontra em perigo de morte, causado por doença ou por envelhecimento. Não é necessário, portanto, para receber a Unção dos Enfermos, que a morte seja iminente; basta que a doença seja grave e possa vir a causar o falecimento, mesmo havendo esperança de cura.
“O principal dom deste sacramento — ensina o Catecismo da Igreja Católica — é uma graça de reconforto, de paz e de coragem para vencer as dificuldades próprias do estado de enfermidade grave ou da fragilidade da ve- lhice. Esta graça é um dom do Espírito Santo, que renova a confiança e a Fé em Deus e fortalece contra as tentações do maligno, tentação de desânimo e de angústia da morte. Esta assistência do Senhor pela força do Seu Espírito quer levar o enfermo à cura da alma, mas também à do corpo, se for esta a vontade de Deus. Além disso, ‘se ele cometeu pecados, eles lhe serão perdoados’ (Tg 5, 15)”.13
Por isso, não é raro que enfermos graves se vejam curados após receber a Unção dos Enfermos, ou tenham a vida prolongada para além das expectativas normais da medicina. Não percamos, pois, oportunidade de proporcionar esta graça inestimável aos que reúnem as condições requeridas para receber validamente este Sacramento.
Entre seus efeitos admiráveis — defendem grandes doutores e teólogos como São Tomás de Aquino, São Boaventura, Santo Alberto Magno, Santo Afonso de Ligório e outros — está o de preparar a alma para entrar diretamente na glória, dependendo das disposições interiores com as quais ela o recebe. Não seriam esses efeitos razão suficiente para pedirmos a Unção dos Enfermos com verdadeira sofreguidão, sempre que uma doença grave nos visitar?
Deus dá, para cada época, os remédios mais adequados
O mundo moderno não necessita menos de ser evangelizado do que o antigo. Mas, por vezes, talvez nos sintamos em desvantagem em relação à época passada, vendo o progresso avassalador do mal e a falta de operários para anunciarem a Boa Nova.
Onde estão os novos apóstolos capazes de fazer milagres, como os de outrora, de expulsar os espíritos impuros e de pregar a penitência como eles? Deus sempre dá para os males de cada época os remédios mais adequados. Quando Jesus convocou os Doze, era mais conveniente, para o bem das almas, que eles realizassem prodígios portentosos a fim de provar a veracidade da doutrina admirável que anunciavam.
E hoje? Que milagres precisa operar quem se dedica ao apostolado, para mover as almas à conversão? Em nossa época tão secularizada, talvez os milagres não produzam o efeito que tiveram nos tempos apostólicos. Por isso, o “milagre” que os autênticos evangelizadores devem fazer é o de anunciar a Jesus Cristo mediante o testemunho de uma vida santa; portanto, praticando a virtude, aspirando à santidade e desprezando as solicitações e os ilusórios encantos do mundo. Este, sim, é o milagre capaz de assombrar o nosso mundo secularizado, pois a prática estável dos Dez Mandamentos não é possível só com as forças naturais da vontade humana, como nos ensina o Magistério Eclesiástico. É preciso que a graça santificante divinize o homem e o faça agir e viver à busca da perfeição.
É esse o portentoso milagre que poderá abalar a incredulidade ou o indiferentismo de nossos coetâneos, como tantas vezes nos recordaram os últimos Papas, e já ensinava o Concílio Vaticano II, referindo-se ao apostolado laical: “Os leigos tornamse valorosos arautos da Fé naquelas realidades que esperamos (cf. Hb. 11,1) se juntarem sem hesitação, a uma vida de Fé, a profissão da mesma Fé. Este modo de evangelizar, proclamando a mensagem de Cristo com o testemunho da vida e com a palavra, adquire um certo caráter específico e uma particular eficácia por se realizar nas condições ordinárias da vida no mundo”.14
Sigamos as sapienciais recomendações do Concílio Vaticano II, sendo autênticos arautos da Boa Nova, como o foram os evangelizadores dos primeiros tempos da Igreja, sobretudo, com a “pregação” de uma vida irrepreensível e santa, segundo os preceitos admiráveis do Evangelho. Só assim uma Nova Evangelização conseguirá vencer a onda de secularismo que invade a sociedade hodierna.
1 AQUINO, São Tomás de. Super Evangelium S. Matthæi. caput 10, lectio 1.
2 Idem, ibidem.
3 TUYA, OP, Pe. Manuel de. Biblia comentada – II Evangelios. Madrid: BAC, 1964, p. 671-672.
4 DUQUESNE, L’abbé. L’Évangile médité – Tome deuxième. Paris: Librairie Victor Lecoffre, 1904, p. 223.
5 Idem, ibidem.
6 Apud AQUINO, São Tomás de. Catena Aurea.
7 Idem, ibidem.
8 Idem, ibidem.
9 FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo – II Vida pública. Madrid: Rialp, 2000, p. 218.
10 PIROT, Louis; CLAMET, Albert. La Sainte Bible – t. IX. Paris: Letouzey et Ané, 1950. p. 465.
11 Catecismo da Igreja Católica, n. 1431.
12 Cf. PIROT, Op cit., p. 466.
13 Catecismo da Igreja Católica, n. 1520.
14 Lumen Gentium, n. 35.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Evangelho 15º Domingo Tempo Comum - ano B

Continuação dos comentários ao Evangelho Mc 6, 7-13

10 “E disse-lhes: ‘Em qualquer casa em que entrardes, ficai nela, até vos retirardes dali’”.
Ao tratar sobre este mesmo episódio, o Evangelista São Mateus é mais detalhado, especificando que deve ser escolhida a casa de uma pessoa digna: “Nas cidades ou aldeias onde entrardes, informai-vos se há alguém ali digno de vos receber; ficai ali até a vossa partida” (Mt 10, 11).
É quase intuitiva a razão pela qual Nosso Senhor lhes faz essa recomendação. “Sem uma prudente escolha — comenta Fillion —, poderiam pôr em risco sua reputação pessoal e prejudicar a causa do Reino dos Céus. Não devem ir para a casa do mais rico ou do mais influente, mas sim para a que seja mais digna. Recebidos numa casa, ali permanecerão até à partida. Mudar-se para outra seria sinal de superficialidade ou de pouca mortificação, que desdouram a dignidade apostólica”.9



11 “Se em algum lugar não vos receberem nem vos escutarem, saí dali e sacudi o pó dos vossos pés em testemunho contra ele”.
Uma vez mais, à semelhança do exemplo por Ele ‘’dado em Nazaré, Nosso Senhor adverte que não se deve insistir com aqueles que não querem acreditar na Boa Nova.
O tempo é uma criatura de Deus, de cujo uso Lhe deveremos prestar contas. Desperdiçá-lo, insistindo em evangelizar quem não quer salvar-se, implica em deixar de pregar àqueles que aproveitariam melhor a mensagem da Salvação. Não terão estes razões para recriminar, no dia do Juízo, quem os privou de tão precioso bem?
A linguagem dos símbolos fala muito mais aos homens do Oriente do que a nós, ocidentais, que herdamos uma mentalidade dada ao utilitarismo. Rasgar as vestes em sinal de indignação, cobrir a cabeça de cinzas para significar a penitência ou grande tristeza eram atitudes, entre outras, que os orientais sentiam necessidade de tomar para expressar seus sentimentos mais vivos. Assim também, ao ser alvo de grande rejeição, o gesto de bater as sandálias para sacudir o pó expressa o rompimento total, a vontade de não levar consigo nem sequer a poeira da terra cujos habitantes não quiseram aceitar a Boa Nova.
Pirot e Clamer descrevem a origem de tal costume: “Procediam assim os judeus quando saíam do solo pagão e entravam na Terra Santa. Para deixar claro que não queriam guardar nenhum contato impuro, eles sacudiam até o pó de suas sandálias, gesto simbólico que assinalava quão completa era a ruptura entre o judeu e o pagão. Da parte dos Apóstolos, esse gesto destinava-se a mostrar aos judeus rebeldes à voz da graça, que eles se tornaram indignos da mensagem que lhes foi oferecida, a ponto de, doravante, serem considerados e tratados como pagãos. Assim agiram em Antioquia da Pisídia, quando uma revolta provocada pelos judeus os forçou a deixar essa cidade e ir para Icônio (cf. At 13, 51)”.10
Efeitos da pregação
12 “Eles partiram e pregaram a penitência”.
A penitência tem aqui o sentido de conversão do coração; ou seja, penitência interior, mais do que atos externos de mortificação — por exemplo, jejuar, vestir-se de saco ou cobrir-se de cinza —, como os que faziam tantas vezes os fariseus, para serem vistos e louvados pelos homens.
“A penitência interior é uma reorientação radical de toda a vida, um retorno, uma conversão a Deus de todo o nosso coração, uma ruptura com o pecado, uma aversão ao mal, com repugnância pelas más ações que cometemos. Ao mesmo tempo, é o desejo e a resolução de mudar de vida, com a esperança da Misericórdia divina e a confiança na ajuda da Sua graça” — conforme ensina a Igreja.11
Continua no próximo post

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Evangelho 15º Domingo Tempo Comum - ano B

Continuação


“...e deu-lhes poder sobre os espíritos imundos”.
Era esta outra prova irrefutável da divindade de Nosso Senhor. Sendo o poder dos Anjos muito superior ao dos homens, ninguém pode vencer um espírito impuro a não ser com o auxílio de Deus. Cristo tem não só esse poder, mas também a capacidade de transmiti-lo aos Apóstolos, pois Ele é Deus. E a Igreja, até os dias de hoje, o confere aos seus ministros, designando exorcistas, com o encargo de — em caso de possessão diabólica comprovada, e seguindo normas bem estritas — expulsarem os espíritos impuros, com o poder que Cristo outorgou a Ela.
No tempo de Nosso Senhor, o império do mal estendia-se sobre toda a humanidade, imersa nas trevas do paganismo e da idolatria, manifestando- se frequentemente através de possessões, como nos relatam numerosas passagens dos Evangelhos.
Talvez em nossos dias não seja tão visível o domínio do mal sobre o mundo, como era na Antiguidade, mas sua ação, sem dúvida, é mais ampla e insidiosa, levando grande número de pessoas a acharem que não existe o demônio nem o pecado. Assim, as almas, por falta de defesa, ficam mais expostas à sua maléfica influência. E a assombrosa degradação dos costumes de nossa época, com a consequente multiplicação dos crimes, não será um sintoma dessa forma sub-reptícia de dominação dos espíritos impuros em toda a terra?
8 “Ordenou-lhes que não levassem coisa alguma para o caminho, senão somente um bordão; nem pão, nem mochila, nem dinheiro no cinto; 9 como calçado, unicamente sandálias, e que se não revestissem de duas túnicas”.
A radicalidade dessas determinações de Nosso Senhor aos Apóstolos tem suscitado entre os exegetas e mestres espirituais, ao longo da história da Igreja, múltiplas interpretações.
Segundo alguns, entre os quais São Francisco de Assis, tais preceitos devem ser seguidos à risca, de acordo com o exemplo dos Apóstolos. Outros interpretam as palavras de Nosso Senhor num sentido figurado, fazendo as devidas adaptações às circunstâncias de cada época e lugar. De qualquer modo, é inequívoca a intenção de Nosso Senhor de, com essas prescrições, tornar claro que os Apóstolos, ao se dedicarem à evangelização, não deviam preocupar-se com os recursos materiais, mas fazer uso apenas do que lhes era indispensável. Toda a sua confiança deveria estar posta na proteção de Deus, tanto para obter os meios de subsistência como, sobretudo, para alcançar os meios sobrenaturais, ou seja, a graça, indispensável à conversão das almas.
Por vezes, o evangelizador, demasiadamente preocupado com os recursos materiais para desenvolver suas atividades em favor da salvação das almas, pode acabar por depositar sua confiança nos próprios esforços e qualidades naturais, esquecendo que só Deus, com a graça divina, é capaz de mover os corações. Todo o resto, inclusive o próprio apóstolo, não passam de meros instrumentos nas mãos do Altíssimo. Portanto, depois de ter feito todos os esforços para o bom resultado da evangelização, devemos estar convictos de que somos “servos inúteis” (Lc 17, 10).
O melhor modo de assegurar bons frutos de apostolado consiste em ter essa disposição de alma, de entrega absoluta nas mãos da Providência, confiando cegamente em Seu auxílio.
Deixemos de lado a interpretação dada pelos exegetas às discrepâncias entre os Evangelistas sobre o uso ou não de bastão, e outros detalhes de menor importância, e voltemos nossa atenção para a belíssima simbologia que alguns autores ressaltam nas prescrições do Divino Mestre.
São Tomás de Aquino recolhe na Catena Áurea algumas dessas interpretações simbólicas, repletas de sabedoria. Santo Agostinho assim explica a significação do uso das sandálias, em vez de calçado comum: “Quando, segundo São Marcos, o Salvador lhes recomenda calçar as sandálias, é preciso ver nessas sandálias um significado simbólico e misterioso: o calçado deve deixar o pé do pregador descoberto por cima e protegido por baixo; isto significa que o Evangelho não pode permanecer oculto nem apoiar-se sobre as vantagens terrenas”.6
Quanto à recomendação de não levar duas túnicas para a viagem, assim a interpreta o mesmo Doutor: “O que significa a proibição de ter e de levar duas túnicas, e a proibição mais expressa de vestir mais de uma túnica, senão que os Apóstolos devem andar na simplicidade, sem a menor duplicidade?”.7
Por sua vez, São Beda interpreta da seguinte forma o simbolismo do pão, da mochila e do dinheiro: “No sentido alegórico, a mochila representa os encargos e os embaraços mundanos; o pão, as delícias da terra; e o dinheiro no cinto, a sabedoria que permanece escondida. Com efeito, quem se revestiu das funções de evangelizador não pode dobrar-se sob o peso das ocupações terrenas, nem deixar-se amolecer pelos desejos carnais, nem esconder, sob a negligência de um corpo entregue à ociosidade, o talento da palavra que lhe foi confiado”.8


Continua no próximo post

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Evangelho 15º Domingo Tempo Comum - ano B

7 “Então chamou os Doze...”.
Em tudo quanto fazia Nosso Senhor, encontramos princípios de altíssima sabedoria, pois Seus atos eram realizados com divina perfeição. Podemos, pois, perguntar-nos por que terá Ele escolhido doze Apóstolos, e não um outro número qualquer, de acordo com as necessidades concretas do momento. Em seus comentários ao Evangelho de São Mateus, São Tomás de Aquino dá uma razão: “Por que doze? Para mostrar a conformidade entre o Antigo e o Novo Testamento: assim como no Antigo houve doze Patriarcas, no Novo são doze” Apóstolos.1
Em seguida, muito ao gosto dos medievais, o Doutor Angélico discorre sobre a simbologia dos números e apresenta outro motivo: “Era também para indicar a perfeição, porque o número doze resulta de duas vezes seis. Com efeito, seis é um número perfeito, já que se compõe de todas as suas partes: ele vem de um, de dois ou de três, e essas partes, somadas umas às outras, dão seis. Assim, o Senhor escolheu doze para indicar a perfeição. ‘Sede perfeitos como vosso Pai é perfeito’” (Mt 5, 48). 2
“...e começou a enviá-los, dois a dois”;
O fato de enviar os Apóstolos dois a dois obedece a um princípio de prudência. Dada a natureza sociável do homem, a companhia de um irmão serve-lhe de valioso apoio psicológico, tanto nas dificuldades concretas da vida como nas provações espirituais, tornando mais suportável o peso a carregar.
Assim, com solicitude divina, Nosso Senhor já lhes ensinava uma norma de conduta que favorecia a prática da virtude da perseverança e seria seguida por tantos religiosos, ao longo dos séculos. Essa norma favorece também as virtudes da vigilância e da humildade, pois quem aceita a companhia de um irmão e sujeita-se a ser vigiado por ele, reconhece implicitamente a própria debilidade. A esse, terá o demônio mais dificuldades para vencê-lo com suas insídias; e o mundo, menos poder para o envolver com suas seduções.
Quantas pessoas, lançando-se empenhadamente nas lides do apostolado, prevaricaram ao longo do caminho, por confiarem nas suas próprias forças e se aventurarem sozinhas! Acabaram por ser, tristemente, seduzidas pelas ilusões do mundo... A companhia de um irmão é sempre um anteparo para um sem-número de tentações e de seduções, as quais, hoje mais do que nunca, podem se apresentar até nos recintos mais sagrados, como também na tranquilidade da própria morada, durante uma “navegação” imprudente pelos vastos e perigosos espaços virtuais da internet...
Há dois mil anos, não havia os riscos morais de nossa época. Mesmo assim, Nosso Senhor enviou seus Apóstolos dois a dois, para se entre-ajudarem e sustentarem mutuamente na Fé, quando surgissem dificuldades: “Eu vos envio como ovelhas para o meio de lobos” (Mt 10, 16).
Também o padre Manuel de Tuya assinala que o fato de partirem os Apóstolos em duplas lhes possibilitava “ajudarem-se e vigiarem-se” uns aos outros, e acrescenta que, além disso, conferia autenticidade às suas palavras, pois, afirma, “ninguém podia suspeitar daquele que tinha uma testemunha”.3
O abade Duquesne aduz outras razões, não menos importantes: “Com isso, queria certamente Jesus indicar também a união que deve reinar entre Seus ministros e Seus verdadeiros discípulos”. 4 E conclui o comentário com um sábio conselho: “É máxima de prudência procurar, sempre que possível, esse auxílio que Jesus Cristo estabeleceu, santificou e ofereceu a Seus Apóstolos”.5
Também a Sabedoria nos fala no mesmo sentido: “Dois homens juntos são mais felizes que um isolado, porque obterão um bom salário de seu trabalho. Se um vem a cair, o outro o levanta. Mas ai do homem solitário: se ele cair, não haverá ninguém para levantá-lo” (Ecl 4, 9-10).
Continua no próximo post

terça-feira, 10 de julho de 2012

A Cruz glorificada em nosso interior

Outro ensinamento há que encontramos na Cruz.
Nosso Senhor Jesus Cristo é o Redentor do gênero humano. Ele tinha de redimi-lo aceitando a morte. Por isto suportou a agonia no Horto das Oliveiras e os flagelos da Paixão, caminhou até o alto do Calvário e se deixou crucificar, a fim de cumprir a missão que O trouxe ao mundo.
A partir desse momento, a Cruz tornou-se a afirmação dos sofrimentos, dos tormentos e das dificuldades que o homem aceita para realizar os desígnios de Deus sobre ele na terra. Então enfrenta tudo, a exemplo de Nosso Senhor, para seguir a superior vontade divina. Tal é a lição que nos dá a Cruz: abraçar a dor, o sacrifício, o holocausto, num ato de fidelidade do homem à sua própria vocação.
Fidelidade esta que implica não só na luta de uma vida inteira para que a religião católica vença e a Cruz de Nosso Senhor seja elevada sobre todas as coisas, como também na vitória em nossos combates interiores. Com efeito, continuamente travamos uma batalha dentro de nossas almas, na qual se opõem virtudes e pecados. Este antagonismo redunda num atrito e numa fricção interna que, em determinados momentos, chega a ser pungente. Pois bem, esta luta, é preciso que a olhemos de frente, e que tenhamos sempre a iniciativa audaciosa de derrotar o pecado. Esta batalha é, de certo modo, a glorificação da Cruz de Nosso Senhor dentro de nós.
A verdadeira alegria está na Cruz
Essa consideração encerra um importante corolário.
Desde os primórdios do cristianismo, os homens se batizaram à sombra da Cruz, casaram-se sob a proteção dela, a colocaram no melhor lugar de seus lares, e, chegados ao derradeiro instante de suas vidas, morreram olhando para ela. Quer dizer, a Cruz tem marcado toda a existência do católico. É mais uma expressão da idéia fundamental de que o cotidiano terreno foi feito para o sofrimento e para o heroísmo. E quem fala em heroísmo, fala em cruz.
A verdadeira alegria da vida não consiste em desfrutar prazeres grandes ou pequenos, em ter fartura no comer e no beber, nem qualquer outra espécie de conforto. A autêntica satisfação da vida é aquela sensação de limpeza de alma que se possui quando fitamos de frente a nossa cruz e dizemos “sim” a ela. Desse modo, agimos como Nosso Senhor Jesus Cristo que, sem esperar a chegada do sofrimento, previu-o e se dirigiu ao lugar onde haveria de encontrá-lo. Ele se entregou porque quis, e, com passo valoroso, carregou sua Cruz até o cimo da montanha onde seria imolado.
Portanto, evitemos a ilusão das alegrias efêmeras, e muitas vezes falsas, que nos prometem as diversões mundanas, as vaidades e os êxitos temporais, porque não constituem a verdadeira essência de nossa existência. Militia est vita hominis super terram — a vida do homem é um constante combate, dizia o santo Jó . Como afirmamos, a essência da vida é uma luta dentro e fora de si, aceitando o sofrimento de frente e fazendo dele a sua alegria. Isto é verdadeiramente a exaltação da Cruz em nós.
E não há católico sincero que não seja um ardoroso amigo da Cruz. Que, confiante na misericordiosa assistência de Maria Santíssima, não compreenda e não fique feliz em saber que as dificuldades e penas ocupam parte saliente no seu peregrinar por esta terra de exílio. É conhecendo e aceitando essa condição de batalhador — contra seus próprios defeitos, assim como contra a impiedade —, é unindo-se aos méritos infinitamente preciosos da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, que ele abrirá para si as portas da eterna bem-aventurança.
Imitemos Aquela que mais amou a Cruz
Tudo o que acabamos de considerar constitui o espírito de cruz, pelo qual se concebe crucificadamente todas as coisas, pelo qual batalhamos e vencemos, pois os grandes guerreiros da vida foram os que se revestiram desse espírito, desse amor à Cruz, dessa naturalidade no sofrimento, que caracteriza o genuíno filho da Santa Igreja e seguidor de Cristo.
Para adquirirmos esse espírito, nada melhor poderíamos fazer do que suplicá-lo a Nossa Senhora, pedir-Lhe que nos conceda o amor que Ela mesma teve à Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Podemos imaginar, sem ferir os ensinamentos da ortodoxia católica, que — passados os tormentosos dias da Paixão, vividas as alegrias da Ressurreição e após a gloriosa partida de Jesus deste mundo — duas grandes felicidades restaram a Nossa Senhora na terra: uma, a da presença de seu Divino Filho na Eucaristia; outra, a meditação da Cruz. Que pensamentos, que cogitações e preces fazia a Co-Redentora nas suas horas de solidão e recolhimento, recordando o patíbulo em que se imolou o Cordeiro de Deus?! Quanto Ela reverenciou aquela cruz! Quanto Ela a honrou! E que meditações sublimíssimas Ela fez aos pés do Madeiro, no próprio instante em que nele morria o Salvador! E a que alto grau, inimaginável, elevou-se n’Ela o espírito de sofrimento — o espírito de cruz —, tornando-se para nós um luminoso exemplo de alma crucificada!
Então, devemos pedir a Maria, em nome dessas meditações solitárias d’Ela diante da Cruz, nas quais talvez Ela tenha tido em vista a cada um de nós, esse mesmo espírito de cruz. Que nos incuta esse respeito, essa admiração e esse entusiasmo pelo verdadeiro sofrimento e, mais ainda, esse desejo heróico de sofrer, que é o característico do verdadeiro católico. Numa palavra, roguemos a Ela a graça dessa contínua exaltação da Santa Cruz em nós, para a exaltarmos continuamente fora de nós.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

O auge das humilhações sofridas por Jesus

A cruz, originalmente, era um instrumento de suplício usado em toda a antiguidade, que representava a ignomínia e a vergonha para toda pessoa que sofresse a pena da crucifixão.
Por isso, ao ser pregado na cruz, Nosso Senhor Jesus Cristo sofreu tremenda humilhação. Esta equivalia a dizer que Ele morria como um bandido, um ladrão, equiparado aos dois facínoras com os quais foi crucificado no alto do Gólgota.
Neste sentido, a cruz representa o auge de todos os desprezos e escárnios que Jesus padeceu na sua vida pública, sobretudo nos trágicos dias da Paixão. Essas humilhações correspondiam ao desejo dos algozes de acrescentar aos tormentos físicos um martírio moral, ainda mais doloroso. Então, a coroa de espinhos, a túnica de bobo, a cana à guisa de cetro, as bofetadas, etc., na intenção de atormentar a alma adorável de Nosso Senhor, e não apenas o seu corpo santíssimo.
Mas, sendo verdade que a Cruz de Nosso Senhor foi o ápice de todas as humilhações sofridas por Ele, ela é também o começo de todos os desprezos que até o fim do mundo todos os católicos haveriam de suportar em nome do Filho de Deus. Porque a impiedade não se desarma nunca. Ela visa sempre menosprezar e abater a autêntica moral cristã. Raros, se não inexistentes, são os católicos que não tenham sido humilhados, de uma forma ou de outra, por causa de sua fidelidade a Jesus Cristo. O que constitui, aliás, uma bem-aventurança, pois significa ser perseguido por amor à justiça divina, contra a qual continuamente se erguem os ímpios.
Cumpre, porém, frisar que a Cruz de Cristo, e as cruzes que por Ele carregamos, são igualmente símbolos de nossa honra. Esta consiste em recebermos a humilhação com ufania, gabando-se dela. Mais: com um espírito de desafio. Em face daqueles que nos injuriam, proclamamos com brio e júbilo ainda maiores o supremo símbolo de nossa religião. O que corresponde inteiramente à idéia de exaltação: manifestar a glória da Cruz, com uma altaneria que esmague os ultrajes que os adversários procuram fazer a Cristo.
Vem a propósito recordar que essa ufania já fora ratificada nos primeiros séculos do Cristianismo quando, às vésperas da batalha de Ponte Mílvia, o Imperador Constantino teve uma visão da Cruz, circundada pelas palavras: “In hoc signo vinces — com este sinal vencerás!” Era um anúncio de que a Cruz se levantava no céu e iria ficar definitivamente no horizonte do mundo, humilhando por sua vez os maus.
Essa galhardia é o que falta ao católico piegas. Este, diante de qualquer humilhação, mostra uma cara preguiçosa, baba e foge. Enche de vergonha a causa que deveria proteger. Nossa religião precisa ser defendida com espírito de luta e, portanto, se alguém injuria a Cruz em nossa presença, devemos redargüir com destemor e bravura. Não como quem resguarda a própria honra, mas como quem responde pela honra infinitamente mais preciosa de Nosso Senhor Jesus Cristo e, em união com a d’Ele, a da Santíssima Virgem.
No alto das torres e das coroas
Paralelamente, essa honra do Homem-Deus é também reivindicada pela Igreja. E, por causa disto, os católicos tomaram a Cruz como sinal de distinção, como símbolo de tudo quanto há de mais sagrado e santo. E o colocá-la no alto de todas as coisas foi uma preocupação constante da Civilização Cristã. Vieram então as manifestações características dos tempos de fé: a Cruz encimando as elevadas torres das igrejas e catedrais; a Cruz no topo das coroas de reis e imperadores, ou adornando os mais nobres galardões das famílias da primeira aristocracia, ou servindo de insígnia nas condecorações. E quando se queria significar a magna importância de um documento, iniciava-o com uma cruz.
Enfim, em tudo quanto o homem concebia de supremo, estava a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, trazendo consigo a idéia de que, entre todas as maravilhas por Ele operadas neste mundo, o mais admirável e o mais adorável era o ter sofrido e morrido naquele instrumento de vergonha. Trazendo consigo, ainda, o revide a essa humilhação, um revide cavalheiresco e sobrenatural — a exaltação da Santa Cruz!
Continua no próximo post