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quarta-feira, 13 de julho de 2011

Os surdos ouvem, os mudos falam

 O surdo de Deus
Ouvir a voz de Deus é tomar a atitude de Samuel: “Falai, Senhor; vosso servo escuta!”, ou a de São Paulo no caminho de Damasco, ou a de tantos outros. Em sentido oposto, o pecador, devido à zoeira de suas paixões, acaba por tornar-se surdo aos apelos de Deus, chegando até mesmo a esquecer-se das mensagens sobrenaturais recebidas no passado. A surdez simboliza toda a insensibilidades da alma no seu relacionamento com o Criador.
Inúmeros são os meios pelos quais Deus procura entrar em contato conosco. Antes de tudo pela própria ordem da criação visível; em seguida, através dos fatos palpáveis e tangíveis produzidos pela providência natural e sobrenatural, sobre os quais o Livro da Sabedoria nos ensina maravilhosamente.
Deus fala aos homens através do Magistério infalível da Santa Igreja, como também por toques sensíveis da graça, e até mesmo pela voz da consciência. A Sabedoria, segundo declara a Escritura, “antecipa-se aos que a desejam. Quem, para possuí-la, levanta-se de madrugada, não terá trabalho, porque a encontrará sentada à sua porta.” Ou seja, Deus está continuamente nos chamando para participarmos de sua glória e felicidade eternas.
“As minhas ovelhas ouvem a minha voz, — disse Jesus — e Eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; elas jamais hão de perecer e ninguém as arrebatará da minha mão”. Eis o sinal inconfundível para se saber quem é de Deus e quem não o é: “Quem é de Deus ouve as palavras de Deus”, disse Nosso Senhor, depois de ter afirmado serem os fariseus, filhos do demônio. É mais sensível a Deus quem O ama intensamente, tal como encontramos em São João: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra”.
Infelizmente, a surdez espiritual é muito mais generalizada hoje em dia do que em outras épocas históricas. Inclusive entre os próprios batizados.
Um incontável número de almas tem os ouvidos endurecidos à palavra de Deus, quer seja por falta de formação, quer pela pobreza da oração.
Quantos são os ateus práticos que nunca rezam! Entretanto, para receber alguma comunicação oriunda da eternidade, basta colocar-se em estado de contemplação.
Quem assim não procede, dificilmente discernirá, em meio à zoeira e às aflições do mundo moderno, a voz da graça. E é preciso não esquecermos o conselho da Escritura: “Se hoje ouvirdes a sua voz, não endureçais vossos corações”
 O mutismo espiritual
Ser mudo na ordem do espírito, segundo a Patrologia, consiste no silêncio de quem teria obrigação de glorificar a Deus. Terrível é este mal — e quase sempre conseqüência do anterior — pois, ainda que não tivéssemos sido elevados à ordem sobrenatural, pelo simples fato de sermos criaturas de Deus, teríamos o dever de reportar a Ele toda honra e glória, tal qual nos diz Davi: “Os céus publicam a glória de Deus, e o firmamento anuncia a obra das suas mãos”.
Porém nós, enquanto batizados, somos filhos de Deus, e não meras criaturas, e por isso compete-nos o encargo de dar público testemunho da grandeza de nossa religião e de Cristo Jesus em especial, pois tem Ele o direito de ver seu esplendor manifestado diariamente. É este um dos meios fundamentais para atrair aqueles que ainda não O conhecem e afervorar os que já abraçaram suas vias.
Esta obrigação é tão grave que se tivéssemos de escolher entre morrer ou renegar a Cristo, seria indispensável optar pelo martírio. Por que somos nós tão valentes em defender nossos interesses pessoais e tão covardes em relação aos de Deus? “Onde está teu tesouro, aí está teu coração”, esta é a principal razão do mutismo de espírito, ou seja, a falta do amor a Deus. “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há-de odiar um e amar o outro, ou há-de afeiçoar-se a um e desprezar o outro”. Se nosso amor a Jesus por meio de Maria for pleníssimo a ponto de substituir nosso egoísmo, jamais seremos mudos para glorificá-Lo.
“TOMOU-O À PARTE” RECOLHIMENTO
Certas enfermidades, sobretudo as mais graves, exigem tratamento hospitalar. De maneira análoga, assim também se passa com o processo de cura dos portadores de alguns vícios espirituais, ou seja, é necessário afastá-los da multidão, retirá-los do bulício e da agitação.
O esfriamento de nossa vida de oração, o abandono da prática da religião vão dando rédeas soltas às nossas paixões desregradas, os maus hábitos invadem nossa inteligência e nossa vontade, a Lei de Deus acaba por tornar-se cada vez mais pesada, e, por fim, terminamos sendo surdos de Deus, e mudos para sua glória. Será útil, e talvez até indispensável, nessas circunstâncias, tomar distância, recolher-se de alguma forma, para entregar- se nas mãos de Jesus e ser por Ele miraculado.
Os grandes pregadores de outrora, ao comentar este trecho do Evangelho, com freqüência faziam uma aproximação entre as enfermidades físicas e as espirituais, convidando os fiéis de forma veemente à conversão.
Santo Agostinho se destaca entre todos, usando ao longo de suas obras, muitas vezes, a expressão “Surdos para ouvir a verdade e mudos para glorificar a Deus”.
A metáfora é ainda mais aplicável ao nosso mundo hodierno. Uma grande maioria das pessoas tem, na atualidade, os ouvidos abertos e sensíveis a quase tudo o que não seja de Deus: imoralidades, blasfêmias, ateísmo, escândalos, etc.; e muitas vezes fechados ou endurecidos para os avisos, exemplos e conselhos rumo à santidade. E o que pensar do uso da língua neste começo de milênio? Não poucas vezes consiste em proferir pecados, iniqüidades, blasfêmias, difamações, calúnias, mentiras, etc., quando na realidade recebemos de Deus o dom da fala para proclamar sua grandeza, honra e glória!
A humanidade se encontra mais surda e mais muda do que todos os estropiados de fala e audição existentes nos dias da vida pública de Nosso Senhor. Quão necessária é a intercessão de Maria para obter de Jesus o retorno da audição e da expressividade dos áureos tempos da História, nos quais os homens cantavam as glórias de Deus não só pelas palavras, gestos e atitudes, mas também através de melodias e de todas as artes!