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sábado, 23 de fevereiro de 2013

Evangelho 3º Domingo da Quaresma Lc 13, 1-9 Ano C - 2013


Continuação dos comentários ao Evangelho 3º Domingo da Quaresma Lc 13, 1-9  Ano C -  2013

A propósito do castigo temporal, alerta para a pena eterna

2“Jesus lhes respondeu: ‘Vós pensais que esses galileus eram mais pecadores do que todos os outros galileus por terem sofrido tal coisa?3 Eu vos digo que não. Mas, se vós não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo’”.

Imaginavam os portadores da notícia que, sendo galileu, Jesus tomaria naturalmente o partido dos compatriotas mortos. Talvez até esperassem que a brutalidade da repressão levasse o Divino Mestre a pronunciar-Se a favor do nacionalismo judaico.

Ora, as cogitações de Nosso Senhor situavam-se sempre num plano muito superior ao das disputas políticas. Em sua resposta, Ele não Se compromete com os aspectos concretos da questão, mas aproveita a circunstância para dar uma lição moral, assim sintetizada por Fillion: “Sem julgar o procedimento do governador, nem descer ao terreno das discussões políticas, recorda aos seus ouvintes que, como todos ofenderam a Deus, estão todos expostos aos golpes da justiça divina, enquanto não se arrependerem e se converterem sinceramente”.4

Deparamo-nos, aqui, com uma primeira atitude de Jesus a imitar: quando um fato da vida cotidiana se apresentar revestido de especial interesse, evitemos analisá-lo apenas segundo os aspectos terrenos, e procuremos elevar-nos até o plano sobrenatural, a fim de melhor julgá-lo.

De outro lado, na opinião de Leal e os outros professores da Companhia de Jesus, o teor da resposta do Divino Mestre visava corrigir uma ideia errada comum entre os judeus daquela época, segundo a qual toda dor era um castigo.5 Porém, ensina o Cardeal Gomá, só o Senhor “sabe se existe alguma relação entre os pecados pessoais e as desgraças ocorridas a alguém; os exemplos de Jó, de Epulão e Lázaro desmentem a teoria errônea e supersticiosa dos judeus”.6

Ao afirmar que aqueles galileus mortos não eram mais pecadores do que os seus interlocutores, Jesus lança mão de um recurso psicológico para mais vivamente alertá-los sobre a gravidade intrínseca do pecado e das penas correspondentes. Pois, como afirma Maldonado, “tencionava Jesus advertir, acerca da pena eterna, os seus ouvintes impressionados pela narração daquele castigo temporal; como se lhes dissesse: [...] não reputeis miseráveis os homens que sofreram essa morte corporal, mas sim aqueles que sofrerão a morte da alma, e esta cairá com certeza sobre todos vós, se não fizerdes oportuna penitência”.7

Continua no próximo post

4 FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Madrid: Rialp, s/d, v.II, p.387.
5 Cf. LEAL, SJ, Juan; PÁ- RAMO, SJ, Severiano del; ALONSO, SJ, José. La Sagrada Escritura. Evangelios. Madrid: BAC, 1961, v.I, p.696.
6 GOMÁ Y TOMÁS, Isidro. El Evangelio explicado. Madrid: Casulleras, 1930. v.III, p.244.
7 MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios – II Evangelios de San Marcos y San Lucas. Madrid: BAC, 1951, p.616.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Evangelho 3º Domingo da Quaresma Lc 13, 1-9 Ano C - 2013








Comentário ao Evangelho 3º Domingo da Quaresma Lc 13, 1-9  Ano C -  2013

Deus é Paciência e usa de longanimidade para conosco, dando-nos tempo mais do que suficiente para nos convertermos. Mas, sendo também Sabedoria e Justiça, sabe como e quando castigar.

 O amor incondicional de Deus a cada um de nós

Por meio da consideração do universo, de modo especial sob o aspecto da beleza, pode o homem a todo momento reportar-se a Deus, vendo nas criaturas reflexos do Criador. Entretanto, muitos dos nossos contemporâneos vivem engajados em um ritmo de vida que os absorve por completo, dificultando-lhes tomar distância dos afazeres cotidianos e se deter, mesmo por alguns instantes, para admirar algo de nobre, elevado ou belo capaz de alçá-los à esfera sobrenatural.

Quem assim procede, demonstra ignorar o lado mais profundo da realidade, uma vez que Deus está em toda parte e intimamente em todas as coisas! 1“N’Ele vivemos, nos movemos e existimos” (At 17, 28).

Deus quer dar-nos a vida eterna

Deus é sumamente comunicativo e “não cessa de chamar todo homem a procurá-Lo para que viva e encontre a felicidade”2. Deseja entrar em contato conosco e tem por nós um amor gratuito, incomensurável e incondicional, que perdoa as infidelidades até o extremo de Nosso Senhor afirmar haver mais alegria no Céu pela conversão de um pecador do que pela perseverança de noventa e nove justos (cf. Lc 15, 7).

“Não quero a morte do pecador, mas que ele se converta e tenha a vida” (Ez 33, 11), diz a Sagrada Escritura. Esse pensamento expresso através da Revelação deve nos encher de confiança, qualquer que seja nossa situação espiritual.

Tanto mais que a vida desejada por Nosso Senhor, para nós, não se esgota nos limites de uma existência terrena cheia dos deleites dos sentidos, o que além de ilusório, quase nada seria face ao que Ele quer nos dar, ou seja, uma participação na própria natureza divina. Deus nos criou para gozarmos de sua plena e perpétua felicidade. Dádiva maior, não é possível excogitar!

Precisamos, sobretudo, não colocar obstáculos à graça

Desde toda a eternidade, Deus tem um plano específico para cada um de nós e o mantém, mesmo se a este não tenhamos correspondido como deveríamos. Em sua misericórdia, Ele vê o que toda pessoa seria se tivesse sido sempre fiel às graças recebidas, vivendo no auge de perfeição para a qual foi criada.

Deus espera que nossa vocação um dia se torne realidade e serve-Se dos acontecimentos cotidianos para nos mover à conversão. Assim, ainda que alguém se encontre num estado de extrema infelicidade por ter cometido uma falta grave — ou, pior ainda, por ter abraçado decididamente as vias do mal — o Divino Juiz não Se apressa em punir o pecador. Ao contrário, aguarda pacientemente o momento adequado para reconduzir o filho pródigo à casa paterna.

Mais ainda, o amor de Deus pelos homens é tão incondicional que, diante do anseio salvífico do Criador, nossa vontade fica relegada a um segundo plano. Bem sintetizou essa realidade Santa Maravilhas de Jesus em seu célebre lema: “Si tú le dejas...” — “Se tu O deixas...”. Pois, para trilharmos as vias da virtude, precisamos, sobretudo, não colocar obstáculos à ação da graça em nossas almas. A santidade não é principalmente resultado do nosso esforço, mas de uma iniciativa amorosa de Deus.

Jesus convida os Judeus à conversão

“Naquele tempo, vieram algumas pessoas trazendo notícias a Jesus a respeito dos galileus que Pilatos tinha matado, misturando seu sangue com o dos sacrifícios que ofereciam”.

Pouco tempo antes do episódio narrado neste Evangelho, quando o povo estava reunido no Templo para a oferta da Páscoa, alguns galileus, inconformes com o domínio romano, aproveitaram a grande confluência de peregrinos para iniciar uma revolução contra a autoridade de César.

Ao tomar conhecimento desse fato, Pilatos indignou-se e mandou executar os revoltosos. Ora, entrando os soldados no átrio do Templo, além desses promotores da sublevação, mataram também outros galileus que lá se encontravam para oferecer os sacrifícios de costume, derramando assim sangue inocente. A notícia produziu grande alvoroço e algumas pessoas apressaram-se a ir contar o ocorrido a Jesus.3

Continua no próximo post.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Evangelho 2º Domingo da Quaresma Lc 9, 28b-36 - Ano C - 2013

Continuação dos comentários ao Evangelho 2º Domingo da Quaresma Lc 9, 28b-36 - Ano C - 2013

As consolações nos sustentam rumo à vitória final

Liturgia deste domingo, ao recordar a promessa feita a Abraão, as palavras de São Paulo e a cena da Transfiguração, nos ensina que as graças místicas recebidas por nós no decorrer da vida espiritual não nos são dadas com a finalidade de estabelecer uma existência agradável nesta Terra, na qual gostaríamos de montar uma tenda para permanecer em estática contemplação, mas para que, através delas, tenhamos forças para enfrentar os embates da vida em vista do fim para o qual fomos chamados. Na verdade, a via mística é uma pré-figura da bem-aventurança eterna, e não um gozo da vida terrena. A felicidade neste mundo decorre da luta contra o mal existente dentro e fora de nós e, sobretudo, da luta pela glória de Deus, de modo que essas consolações nos são oferecidas para alimentar a virtude da esperança.

Ressaltando a importância de tais graças, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira afirma que elas “são uma espécie de prenúncio da visão beatífica no Céu, e têm por efeito fazer com que as nossas almas fiquem muito mais abertas à compreensão sobrenatural, à compreensão do maravilhoso, ao desejo das grandes coisas, dos grandes feitos, dos grandes lances”.22 Por esta razão, estejamos atentos às manifestações divinas em nossa vida, dissipando qualquer torpor que nos impeça de percebê-las e crescendo na certeza de que, após as lutas passageiras da vida terrena, aguardam-nos as alegrias do convívio eterno com Deus, para o qual fomos chamados. No Céu, onde não será necessário armar tendas, nossa morada é preparada pelo Divino Mestre para fazer perdurar eternamente as alegrias de sua esplendorosa Transfiguração!


22) CORREA DE OLIVEIRA, Plinio. Palestra. São Paulo, 19 nov. 1989.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Evangelho 2º Domingo da Quaresma Lc 9, 28b-36 - Ano C - 2013


Continuação dos comentários ao Evangelho 2º Domingo da Quaresma Lc 9, 28b-36 - Ano C - 2013
A tentação de uma vida sem estorço

32 Pedro e os companheiros estavam com muito sono. Ao despertarem, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com ele. 33E quando estes homens se iam afastando, Pedro disse a Jesus: “Mestre, é bom estarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias”. Pedro não sabia o que estava dizendo.

Tomadas pelo torpor — pormenor surpreendente —, as três testemunhas encontravam-se dormindo no início da divina manifestação. Tal sono é simbólico, pois sempre que a cruz, o esforço e o sacrifício nos são apresentados, somos tomados pelo tédio, em consequência de nossa débil natureza humana. Isso também aconteceu, mais tarde, no Horto das Oliveiras, quando os três sucumbiram ao cansaço, na iminência da Paixão, deixando Nosso Senhor sozinho ante o sofrimento (cf. Mt 26, 40). Acordados inesperadamente, ainda sob os efeitos do sono e surpresos pela intensa luminosidade que tinham diante de si, ficaram deslumbrados, a ponto de São Pedro não atinar com uma reação à altura do que se estava passando. Na realidade, com suas palavras ele manifestava, talvez sem plena consciência, certa má tendência de fundo de alma. Arrebatado por ver aquela maravilha, logo quis aproveitar-se dela, demonstrando o desejo de viver ininterruptamente sob o influxo da glória do Mestre. Ele via no usufruto desse gozo a obtenção da felicidade, e se não pediu para fazer três tendas quando o Senhor anunciou a Paixão, não hesitou em fazê-lo nessa hora. Pedro imaginava que já tivesse chegado ao fim do bom combate, quando havia ainda um longo caminho a ser percorrido. Via talvez, na presença de dois varões da estatura de Moisés e Elias, quão fácil seria dotar de supremacia o povo judeu sobre todas as outras nações da Terra. Faltava ao chefe da Igreja aprender que, antes da obtenção dos frutos da promessa, deve-se trilhar o percurso que a eles conduz, conforme o exemplo dado pelo Redentor.

O Pai também conclama à luta

34Ele estava ainda falando, quando apareceu uma nuvem que os cobriu com sua sombra. Os discípulos ficaram com medo ao entrarem dentro da nuvem.  35Da nuvem, porém, saiu uma voz que dizia: “Este é o meu Filho, o Escolhido. Escutai o que Ele diz!” 36 Enquanto a voz ressoava, Jesus encontrou-se sozinho. Os discípulos ficaram calados e naqueles dias não contaram a ninguém nada do que tinham visto.

De dentro da nuvem ouve-se a voz do Pai, que manda escutar seu Filho bem-amado. O que determina que ouvissem? Aquelas predições que tanto desejavam esquecer. Nosso Senhor havia declarado que seria entregue nas mãos dos sacerdotes, dos escribas, dos fariseus, que ia padecer e ser morto para depois ressuscitar ao terceiro dia (cf. Mt 16, 21; Lc 9, 22). Eles tinham medo de pensar nisso, condicionados por uma visão humana de Cristo. Nesse sentido ressalta Romano Guardini: “Ao lermos os Evangelhos, colhemos a impressão de que os discípulos não compreenderam durante a vida do seu Mestre aquilo que estava em causa. Jesus não tinha neles um grupo de homens que verdadeiramente O compreendesse; que vissem quem Ele era e entendessem o que Ele queria. Surgem continuamente situações que nos mostram como permanecia só no meio deles. [...] Vemo-los por tal maneira imersos nas representações messiânicas da época que, no último momento anterior à Ascensão [...], perguntam ainda ‘se é por esta altura que Ele vai restaurar a realeza de Israel!’ (At 1, 6)”.21 O Pai, ao ordenar que escutassem o Filho em tudo, incita-os a considerar a árdua realidade da Cruz; a seguir seu Escolhido de acordo com o que era, e não com o que gostariam que fosse.

Concluída a portentosa visão, Jesus permaneceu em oração toda a noite e desceu no dia seguinte, acompanhado pelos três Apóstolos, O silêncio guardado no percurso de volta denota o grande impacto causado pela Transfiguração, pois qualquer comentário a propósito do que tinham visto seria inexpressivo. E oportuno lembrar que, tão logo regressaram, se depararam com um menino possesso, sobre o qual Ele fez um exorcismo que obteve imensa repercussão (cf. Mt 17, 14-20; Mc 9, 14-29; Lc 9, 37-42). Depois daquela grande experiência mística, Nosso Senhor retomou suas atividades de apostolado, pois quis mostrar o sentido mais profundo do que havia se passado. De fato, tendo sido uma graça de tão extraordinário alcance, foi uma preparação para as lutas futuras.

Continua no próximo post.
1)       21) GUARDINI, Romano. O Senhor. Lisboa: Agir, 1964, p.70-71.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Evangelho 2º Domingo da Quaresma Lc 9, 28b-36 - Ano C - 2013


Continuação dos comentários ao Evangelho 2º Domingo da Quaresma Lc 9, 28b-36 - Ano C - 2013


Jesus revela no Corpo a glória de sua alma

Naquele tempo, 28b Jesus levou consigo Pedro, João e Tiago, e subiu à montanha para rezar. 29 Enquanto rezava, seu rosto mudou de aparência e sua roupa ficou muito branca e brilhante.

Tendo em vista prepará-los para os acontecimentos que viriam, Nosso Senhor chamou os três  Apóstolos com quem tinha maior familiaridade e os levou ao Monte Tabor. Eles, depois, deveriam fortalecer os outros, narrando-lhes o que testemunhariam.

Embora a oração ocupe um lugar primordial na vida do Mestre, esta não foi seu único objetivo com a subida à montanha. Mais do que isso, pretendia mostrar quem realmente era, conforme ressalta Maldonado: “Cristo costumava subir aos montes para orar, onde a solidão é maior e mais livre é a contemplação do Céu. Não se deve concluir das palavras de Lucas, entretanto, que Cristo subiu só com o propósito de orar, mas que, conforme seu costume de rezar nos assuntos árduos, quis fazê-lo desta vez antes de manifestar a sua glória. [...] Não nos esqueçamos, também, que na maior parte das vezes a glória de Deus se manifesta nos montes, que estão mais próximos do Céu e mais afastados da Terra, e não nos vales”.’2

Esta exteriorização da glória divina é um fenômeno que revela o verdadeiro estado da Alma de Jesus, a qual, criada na visão beatífica, possuía desde o primeiro momento da Encarnação o grau supremo da graça capital. Esta é assim denominada por ser Ele a cabeça do Corpo Místico e a origem da graça da qual vive a Igreja.” Sua Alma sempre esteve na contemplação de Deus face a face’4 e, por isso, o normal seria que seu Corpo fosse visto habitualmente em estado glorioso, como um espelho da beatitude de seu espírito, tal como se manifestou no Tabor, à vista de São Pedro e dos filhos de Zebedeu.’5 Foi só por amor a nós que Nosso Senhor quis revestir-Se das características do corpo padecente para operar a Redenção.’6 Então, por certo prisma, o verbo transfigurar não define com exatidão o que se passou, pois, na verdade, Cristo fez cessar a subfigura em que vivia.

No que se refere a alguns outros momentos de sua vida pública, podemos supor que Ele assumiu apenas alguns dos atributos do corpo glorioso, como, por exemplo, quando saiu livremente entre aqueles que o queriam jogar precipício abaixo em Nazaré ou quando andou sobre as águas do Mar de Tiberíades.’7

Moisés e Elias ratificam a Paixão

30 Eis que dois homens estavam conversando com Jesus: eram Moisés e Elias. ‘ Eles apareceram revestidos de glória e conversavam sobre a morte que Jesus iria sofrer em Jerusalém.

Participando da glória de Cristo estavam dois expoentes do povo eleito: Moisés e Elias, os máximos representantes da Lei e dos profetas. Eles foram os escolhidos porque “nem a Lei pode existir sem o Verbo, nem profeta algum poderia ter vaticinado algo que não se referisse ao Filho de Deus”.’8 Ambos não somente ratificam que Jesus é o Messias, mas dão o peso de seu testemunho também aos anúncios da Paixão. A conversa que empreenderam com Ele diz respeito à sua morte e, todavia, os três se encontravam envoltos na glória, a qual revela o fim último: ressurreição e corpo glorioso. “A conversa de Jesus com Moisés e Elias versa exatamente sobre os tormentos que Cristo vai padecer logo em Jerusalém. A Transfiguração, portanto, é a consagração de Jesus para a Cruz e para a morte”.’9 Numa harmoniosa junção, concebível apenas pela inteligência do próprio Deus, unem-se neste episódio dor e glória, conforme recorda São Leão Magno: “Era necessário que os Apóstolos tivessem no coração uma noção clara dessa vigorosa e bem-aventurada fortaleza, e que não tremessem perante a rudeza da cruz que teriam de carregar; seria preciso que não se envergonhassem do suplício de Cristo’ nem considerassem humilhante para Ele a paciência com que deveria padecer os rigores de sua Paixão, sem perder a glória de seu poder”.10

Continua no próximo post.

      2CCE 1819.
2    3Cf. COLUNGA, OP, Alberto; GARCÍA CORDERO, OP, Maximiliano. Biblia Comentada. Pentateuco. Madrid: BAC, 1960, v.1, p.192.
3    4MOLLAT, SJ, Donatien. Velar. In: LEON-DUFOUR, op. cit., p.925.
     5SAO TOMAS DE AQUINO. Epistolam Sancti PauliApostoli ad Philippenses expositio. C.III, lect.3.
5   6) SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.14, al, ad 2.
6   7) GARRIGOU-LAGRANGE, OP. Réginald. L’Etemelle vie et la profondeur de l’âme. Paris: Desclée de Brouwer, 1953, p.25.
1   8) Cf. SAO TOMAS DE AQUINO. In Symbolum Apostoloruni. Art.11.
2    9) Cf. GARRIGOU-LAGRANGE, op. cit., p.332-333.
    10) SANTO AGOSTINHO. De Civitate Dei. L.XV, c.2. In: Obras. Madrid: BAC, 1958, v.XVI-XVII, p.998.




domingo, 17 de fevereiro de 2013

Evangelho 2º Domingo da Quaresma Lc 9, 28b-36 - Ano C - 2013


Continuação dos comentários ao Evangelho 2º Domingo da Quaresma Lc 9, 28b-36 - Ano C - 2013

A esperança da vida eterna

“Nós, porém, somos cidadãos do Céu. De lá aguardamos o nosso Salvador, o Senhor Jesus Cristo. Ele transformará o nosso corpo humilhado e o tornará semelhante ao seu Corpo glorioso, com o poder que tem de sujeitar a Si todas as coisas” (Fl 3, 20-21). Após invectivar desvios disseminados com tanta astúcia, denunciando a malícia dos falsos conversos, São Paulo oferece uma verdadeira síntese da Liturgia de hoje ao relembrar o chamado dos batizados a serem cidadãos do Céu. Eis aqui uma realização insuperável — e quiçá nem sequer concebida pelo próprio Abraão — da promessa feita por Deus: descendência numerosa, terra e bênção. Tais bens são efêmeros se comparados à eterna bem-aventurança e ao corpo glorioso que, deixando para trás as contingências da nossa natureza mortal, assumirá as características da glória. O Apóstolo empenha-se em elevar as vistas daquela comunidade para a recompensa que a aguarda, certo de que, ao fixá-la na esperança de bens maiores, criaria condições para que não se contaminasse com a influência dos perversos.

Com tal intuito deixa ele consignada a doutrina dos corpos gloriosos, matéria amplamente tratada em seus escritos. Fala de nosso corpo humilhado pelos efeitos do pecado original e aponta para a transformação a que será submetido quando, ao ressuscitar, for reunido à alma que estiver na visão beatífica, tendo adquirido a plenitude da liberdade e a impossibilidade de pecar e tornando-se isenta das inclinações para o mal. Com efeito, esse estado de máxima perfeição espiritual está na origem da sublimação do nosso ser material, como ensina São Tomás:
“Segundo a relação natural que há entre a alma e o corpo, da glória da alma redunda a glória sobre o corpo”.6 Ao divinizar-se, a alma não se adapta mais a um corpo padecente, por ter atingido o termo final da vida da graça: a glória.

O início da vida sobrenatural nos é dado pela fé, a qual nos leva a crer naquilo que não vemos, e pela esperança, que nos leva a desejar aquilo que ainda não possuímos, mas um dia receberemos. Ora, a glória é a realização do objeto da fé e a obtenção do objeto da esperança, conforme recorda o padre Garrigou-Lagrange: “Se o próprio Deus, que é o Bem infinito, Se manifestasse a nós, imediata e claramente face a face, não poderíamos não amá-Lo. Ele preencheria inteiramente nossa capacidade afetiva, a qual seria atraída por Ele de modo irresistível. Ela não conservaria nenhuma energia que se subtraísse à sua atração; não poderia encontrar nenhum motivo para desviar-se d’Ele ou até mesmo para suspender seu ato de amor. E a razão pela qual quem vê a Deus face a face não pode mais pecar. [...1 Só Deus, visto face a face, pode cativar invencivelmente nossa vontade” .

Nessa situação o corpo se torna glorioso por acompanhar a alma, pois não pode ficar aquém de sua felicidade, além de assumir as quatro características enunciadas pelo Doutor Angélico: claridade, impassibilidade, agilidade e sutileza.8 A primeira delas reflete no corpo a luz da visão beatífica, tornando-o fulgurante em virtude da claridade da qual goza o espírito. A impassibilidade diz respeito à imortalidade e à isenção de qualquer dor, pois o corpo torna-se objeto apenas de bem-estar, como fruto de sua perfeita submissão à alma: “Deus tirará toda lágrima de seus olhos; não haverá mais morte, nem luto, nem gemidos, nem dor” (Ap 21, 4). Por fim, a agilidade e a sutileza confirmam a supremacia do espírito sobre a matéria, uma vez que os corpos dos Santos não estarão mais sujeitos às presentes contingências ou aos efeitos físicos impostos pelos outros corpos. Poderão mover-se com máxima rapidez e transpor os obstáculos com toda facilidade.9

Afirma Santo Agostinho que “a natureza, ferida pelo pecado, gera os cidadãos da cidade terrena, e a graça, que liberta do pecado, gera os cidadãos da cidade celestial”.1° A segunda leitura, de igual maneira, confirma a indispensabilidade da graça na obtenção da vida eterna e centra-se — como também a primeira — na necessidade de termos os olhos postos no Céu, com uma inteira confiança na realização das promessas feitas por Deus. Ambas as passagens constituem um adequado preâmbulo para a mensagem do Evangelho, cuja insuperável grandeza passaremos a considerar.

Promessa, fé e luta 

Ao longo de todo o período da vida pública de Nosso Senhor transcorrido até o episódio narrado neste Evangelho, os Apóstolos estavam acostumados a vê-Lo realizar os mais estrondosos milagres. Tais prodígios atestavam, de forma clara, a divindade de Cristo,11 e sua onipotência seria manifestada ainda com maior esplendor na instituição da Eucaristia. Ao mesmo tempo, Ele acabava de revelar sua próxima Paixão, que traria uma terrível prova: depois de comungarem pela primeira vez, os Apóstolos O veriam preso, julgado, flagelado, coroado de espinhos, carregando a Cruz às costas e crucificado. Como seria possível aos mais próximos seguidores do Divino Mestre que, presenciando esses padecimentos, continuassem a crer na ressurreição ao terceiro dia? Que faria Ele, em sua infinita sabedoria, para manter acesa a fé dos Doze em meio à tormenta que já se delineava no horizonte?

Continua no proximo post.

1)       6) SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.14, al, ad 2.
2)       7) GARRIGOU-LAGRANGE, OP. Réginald. L’Etemelle vie et la profondeur de l’âme. Paris: Desclée de Brouwer, 1953, p.25.
3)       8) Cf. SAO TOMAS DE AQUINO. In Symbolum Apostoloruni. Art.11.
4)       9) Cf. GARRIGOU-LAGRANGE, op. cit., p.332-333.
5)       10) SANTO AGOSTINHO. De Civitate Dei. L.XV, c.2. In: Obras. Madrid: BAC, 1958, v.XVI-XVII, p.998.
6)       11) Cf. SÃO TOMAS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.43, a.4.