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terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Evangelho 2º Domingo da Quaresma Lc 9, 28b-36 - Ano C - 2013


Continuação dos comentários ao Evangelho 2º Domingo da Quaresma Lc 9, 28b-36 - Ano C - 2013
A tentação de uma vida sem estorço

32 Pedro e os companheiros estavam com muito sono. Ao despertarem, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com ele. 33E quando estes homens se iam afastando, Pedro disse a Jesus: “Mestre, é bom estarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias”. Pedro não sabia o que estava dizendo.

Tomadas pelo torpor — pormenor surpreendente —, as três testemunhas encontravam-se dormindo no início da divina manifestação. Tal sono é simbólico, pois sempre que a cruz, o esforço e o sacrifício nos são apresentados, somos tomados pelo tédio, em consequência de nossa débil natureza humana. Isso também aconteceu, mais tarde, no Horto das Oliveiras, quando os três sucumbiram ao cansaço, na iminência da Paixão, deixando Nosso Senhor sozinho ante o sofrimento (cf. Mt 26, 40). Acordados inesperadamente, ainda sob os efeitos do sono e surpresos pela intensa luminosidade que tinham diante de si, ficaram deslumbrados, a ponto de São Pedro não atinar com uma reação à altura do que se estava passando. Na realidade, com suas palavras ele manifestava, talvez sem plena consciência, certa má tendência de fundo de alma. Arrebatado por ver aquela maravilha, logo quis aproveitar-se dela, demonstrando o desejo de viver ininterruptamente sob o influxo da glória do Mestre. Ele via no usufruto desse gozo a obtenção da felicidade, e se não pediu para fazer três tendas quando o Senhor anunciou a Paixão, não hesitou em fazê-lo nessa hora. Pedro imaginava que já tivesse chegado ao fim do bom combate, quando havia ainda um longo caminho a ser percorrido. Via talvez, na presença de dois varões da estatura de Moisés e Elias, quão fácil seria dotar de supremacia o povo judeu sobre todas as outras nações da Terra. Faltava ao chefe da Igreja aprender que, antes da obtenção dos frutos da promessa, deve-se trilhar o percurso que a eles conduz, conforme o exemplo dado pelo Redentor.

O Pai também conclama à luta

34Ele estava ainda falando, quando apareceu uma nuvem que os cobriu com sua sombra. Os discípulos ficaram com medo ao entrarem dentro da nuvem.  35Da nuvem, porém, saiu uma voz que dizia: “Este é o meu Filho, o Escolhido. Escutai o que Ele diz!” 36 Enquanto a voz ressoava, Jesus encontrou-se sozinho. Os discípulos ficaram calados e naqueles dias não contaram a ninguém nada do que tinham visto.

De dentro da nuvem ouve-se a voz do Pai, que manda escutar seu Filho bem-amado. O que determina que ouvissem? Aquelas predições que tanto desejavam esquecer. Nosso Senhor havia declarado que seria entregue nas mãos dos sacerdotes, dos escribas, dos fariseus, que ia padecer e ser morto para depois ressuscitar ao terceiro dia (cf. Mt 16, 21; Lc 9, 22). Eles tinham medo de pensar nisso, condicionados por uma visão humana de Cristo. Nesse sentido ressalta Romano Guardini: “Ao lermos os Evangelhos, colhemos a impressão de que os discípulos não compreenderam durante a vida do seu Mestre aquilo que estava em causa. Jesus não tinha neles um grupo de homens que verdadeiramente O compreendesse; que vissem quem Ele era e entendessem o que Ele queria. Surgem continuamente situações que nos mostram como permanecia só no meio deles. [...] Vemo-los por tal maneira imersos nas representações messiânicas da época que, no último momento anterior à Ascensão [...], perguntam ainda ‘se é por esta altura que Ele vai restaurar a realeza de Israel!’ (At 1, 6)”.21 O Pai, ao ordenar que escutassem o Filho em tudo, incita-os a considerar a árdua realidade da Cruz; a seguir seu Escolhido de acordo com o que era, e não com o que gostariam que fosse.

Concluída a portentosa visão, Jesus permaneceu em oração toda a noite e desceu no dia seguinte, acompanhado pelos três Apóstolos, O silêncio guardado no percurso de volta denota o grande impacto causado pela Transfiguração, pois qualquer comentário a propósito do que tinham visto seria inexpressivo. E oportuno lembrar que, tão logo regressaram, se depararam com um menino possesso, sobre o qual Ele fez um exorcismo que obteve imensa repercussão (cf. Mt 17, 14-20; Mc 9, 14-29; Lc 9, 37-42). Depois daquela grande experiência mística, Nosso Senhor retomou suas atividades de apostolado, pois quis mostrar o sentido mais profundo do que havia se passado. De fato, tendo sido uma graça de tão extraordinário alcance, foi uma preparação para as lutas futuras.

Continua no próximo post.
1)       21) GUARDINI, Romano. O Senhor. Lisboa: Agir, 1964, p.70-71.

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