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sábado, 14 de setembro de 2013

XXV Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 - Evangelho Lc 16, 1-13

Comentários ao Evangelho 25º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 - Lc 16, 1-13
1 Disse também a seus discípulos: “Um homem rico tinha um feitor, que foi acusado diante dele de ter dissipado os seus bens. 2 Chamou-o e disse-lhe: Que é isto que eu ouço dizer de ti? Dá conta de tua má administração; não mais poderás ser meu feitor.
3 Então o feitor disse consigo: Que farei, visto que o meu senhor me tira a administração? Cavar não posso, de mendigar tenho vergonha. 4 Já sei o que hei de fazer, para que, quando for removido da administração, haja quem me receba em sua casa. 5 E chamando cada um dos devedores do seu senhor, disse ao primeiro: Quanto deves ao meu senhor?
6 Ele respondeu: Cem medidas de azeite. Então disse-lhe: Toma o teu recibo, senta-te e escreve depressa cinquenta. 7 Depois disse a outro: Tu quanto deves? Ele respondeu: Cem medidas de trigo. Disse-lhe o feitor: Toma o teu recibo e escreve oitenta. 8 E o senhor louvou o feitor desonesto, por ter procedido sagazmente. Porque os filhos deste mundo são mais hábeis no trato com os seus semelhantes do que os filhos da luz.
9 Portanto, Eu vos digo: Fazei amigos com as riquezas da iniqüidade, para que, quando vierdes a precisar, vos recebam nos tabernáculos eternos. 10 Quem é fiel no pouco também é fiel no muito; e quem é injusto no pouco também é injusto no muito. 11 Se, pois, não fostes fiéis nas riquezas iníquas, quem vos confiará as verdadeiras? 12 E se não fostes fiéis no alheio, quem vos dará o que é vosso? 13 Nenhum servo pode servir a dois senhores, porque, ou odiará um e amará o outro, ou se afeiçoará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Lc 16, 1-13).

O administrador infiel usa de prudência para garantir sua própria subsistência. Essa mesma sagacidade e diligência deveriam ter os filhos da luz para alcançar a santidade.
O homem ante a pobreza
Havia um certo país onde, segundo narra São João Damasceno, os cidadãos anualmente elegiam um novo rei a fim de evitarem os riscos de uma possível tirania. Conhecedores da sede de mando existente em todo homem, não permitiam a estabilidade perene do monarca: no final do ano, ele era destronado e deportado para uma ilha deserta na qual, depois de algum tempo, falecia por falta de recursos e de alimentos. Foi esse o destino de vários reis até que um, durante o exíguo reinado de 360 dias, transportou para a tal ilha tudo quanto pôde em matéria de subsistência para o resto de sua vida.
Soube ele contornar o mais temido dos males, ou seja, a pobreza. E, em parte, compreende-se esse temor em função de alguns instintos de nossa natureza, como, por exemplo, o de conservação e o de sociabilidade. A perspectiva da carência do essencial para nossa vida nos deixa aturdidos. A miséria extrema, sem uma intervenção de Deus, destrói no homem as últimas energias, aferra sua atenção à matéria e o incapacita de elevar as vistas para as considerações espirituais. Tal era, de acordo com a narração de São João Damasceno, a situação dos reis exilados após expirar seu mandato, lutando pela vida numa ilha sem recursos.
Deixemos de lado os casos agudos como o mencionado acima e focalizemos a pobreza comum, aquela consistente em obter estritamente o necessário e, assim mesmo, mediante um árduo esforço. Nessas circunstâncias, embora conhecendo o grande apreço que Deus manifesta pela pobreza, assim como todos os privilégios a ela inerentes — as Escrituras encontram-se pervadidas de menções a esse respeito — as apreensões da criatura humana face às contingências da pobreza, conduzem-na a optar pelas vias da falsa ou verdadeira prudência.
Uma falsa prudência
Esta virtude, quando é falsa, portanto, entendida num sentido pejorativo, busca um fim terra-a-terra, temporal e passageiro. Ela é fruto de uma filosofia pagã para a qual não existe Deus, nem a alma humana e a remuneração futura. Essa impostação de espírito está bem sintetizada na atitude das virgens loucas (cf. Mt 25, 1-13) e repudiada por Deus em inúmeras passagens do Antigo e do Novo Testamento (cf. Pr 4, 19; 25-26; 1Cor 1, 19; Rm 8, 6; 1Tm 3, 2 s; 1Pd 4, 7; etc.).
Não poucas vezes a falsa prudência sabe empregar manhas e artimanhas para obter os bens terrenos, mas não os eternos. Para ela, o fim justifica os meios. Fundamenta-se ela na sabedoria deste mundo e daí surgem equívocos como, por exemplo, o de querer construir edifícios eternos com o que não é senão passageiro. Comenta São Paulo: “Ninguém se engane a si mesmo; se algum dentre vós se tem por sábio segundo este mundo, faça-se insensato para ser sábio. Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus, pois está escrito: ‘Eu apanharei os sábios na sua própria astúcia’. E outra vez: ‘O Senhor conhece como são vãos os pensamentos dos sábios’” (1 Cor 3, 18-20).
A virtude da prudência
Diametralmente oposta se encontra a verdadeira virtude da prudência. A ela só se aferra quem se deixa conduzir pela graça de Deus, ao se ver diante da perspectiva de uma vida feita de pobreza. O quadro abaixo nos esclarece bem o quanto consiste esta virtude na reta escolha dos meios convenientes para obter um determinado fim (1).
Quem magistralmente soube transpor para a prática essa bela doutrina da prudência foi Santo Inácio de Loiola, o Fundador da Companhia de Jesus, na primeira meditação de seus Exercícios Espirituais: “O homem é criado para louvar, reverenciar e servir a Deus Nosso Senhor, e mediante isso salvar a sua alma”. Saber servir-se das criaturas — inclusive do dinheiro — para alcançar esse fim, é o divino ensinamento ministrado por Jesus na parábola do Administrador infiel, mas prudente, da Liturgia de hoje.
O administrador infiel
1 Disse também a seus discípulos: “Um homem rico tinha um feitor, que foi acusado diante dele de ter dissipado os seus bens.
“Nas três parábolas anteriores — comenta o Pe. Juan de Maldonado —, Cristo ensinara o cuidado que Ele tinha em converter os pecadores e sua benignidade para com os já convertidos; nesta, reportando-se à benignidade de Deus, ensina o empenho e a diligência que devem os pecadores, por sua vez, empregar para converter-se à amizade divina. Por este motivo expôs as três parábolas anteriores aos escribas e fariseus, que Lhe tinham dado a ocasião, e, por outro lado, esta Ele a propõe aos discípulos e a todos os seus ouvintes. É este o sentido da frase: ‘Disse também a seus discípulos’, ou seja, do mesmo modo como antes havia feito aos escribas e fariseus, segundo observa São Jerônimo”
Apesar deste comentário de Maldonado, devemos observar, para melhor clareza de interpretação, que continuarão presentes os fariseus enquanto ouvintes também nesta quarta parábola, conforme podemos constatar nas palavras de Lucas logo ao término da mesma: “Os fariseus, como eram avarentos, ouviam suas palavras e troçavam d’Ele” (Lc 16, 14). Aliás, essa sequência de parábolas — a da ovelha desgarrada, a da dracma perdida, a do filho pródigo e esta do administrador infiel, mas prudente — se inicia pelo escândalo que significou aos olhos dos fariseus e dos doutores da Lei, o fato de verem “todos os cobradores de impostos e pecadores” se aproximarem de Jesus para serem instruídos: “Este acolhe os pecadores e come com eles” (Lc 15, 1-2). Essa foi a razão pela qual Jesus lhes propôs as três parábolas sobre a misericórdia. Portanto, também nesta quarta estão concernidos os escribas e fariseus. Tanto mais que Ele lhes dirá como uma das conclusões: “Fazei amigos com as riquezas da iniquidade...” (v. 9).
Somos administradores de bens alheios e transitórios
Pelo que se pode deduzir dos versículos 6 e 7, relativos às dívidas que o feitor tinha obrigação de bem conduzir e cobrar, as propriedades desse tal “homem rico” deveriam consistir em olivais e trigais. Tudo leva a crer — e a maioria dos comentaristas coincide nesta apreciação — que o fato deste último “dissipar os bens” de seu senhor não se devia só ao relaxamento, mas também a abusos para satisfazer seus prazeres pessoais.
Já de início, neste versículo do Evangelho de hoje, cabe uma aplicação moral a cada um de nós: “Uma idéia errônea que domina os homens, aumenta seus pecados e diminui suas boas obras, consiste em crer que tudo quanto temos para as atenções da vida, nós o devemos possuir como senhores e, em consequência, nós o procuramos como o bem principal. Contudo, é exatamente o contrário, pois não fomos colocados nesta vida como senhores em sua própria casa, mas, isto sim, como hóspedes e forasteiros levados aonde não queremos ir e quando não pensamos: quem agora é rico, em breve será mendigo. Assim, sejas quem fores, deves saber que és apenas dispensador de bens alheios, dos quais te foi dado uso transitório e direito muito breve. Longe, pois, de nossa alma o orgulho da dominação, e abracemos a humildade e a modéstia do arrendatário ou caseiro” (3). Deus, portanto, coloca em minhas mãos os bens do corpo e da alma — os bens materiais e os da graça, vida, talentos, riquezas, etc. — para que eu os administre em função de sua Lei e glória. Que uso faço dos bens recebidos das mãos de Deus?

Súbita prestação de contas

Continua no próximo post

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

XXIV Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013

Conclusão dos Comentários ao Evangelho 24º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 - Lc 15, 1-32
Conjecturas sobre a atitude do primogênito
Sendo tal seu desamor, é provável ter ele ficado em casa devido a certa ambição de apropriar-se do restante da fortuna do progenitor, quando este viesse a falecer. E, enquanto o mais novo fugira do olhar paterno, indo dissipar seus bens num “lugar distante”, o primogênito, sob a aparência de uma conduta correta, também fazia mau uso dos bens de família, tentando dissimular ao pai os caminhos tortuosos nos quais andava. O acesso de raiva com o retorno do irmão não terá sido, portanto, a manifestação de uma consciência pesada e de uma alma amargurada pelas frustrações do pecado, consumindo-se de inveja ao ver o outro gozando das alegrias do perdão? E não terá sua cólera aumentado ainda mais ao pensar que a reintegração do irmão ao núcleo familiar impediria a realização de sua cobiça, implicando numa nova divisão de bens entre os dois herdeiros?
Por isso, embora a interpretação clássica desta parábola considere os dois filhos como imagem do povo judeu e dos gentios,16 respectivamente, há uma dimensão de significado muito mais ampla em ambas as figuras. O caçula é o pecador público, o qual não esconde seus desregramentos e, para amortecer a consciência, procura esquecer-se de Deus, afastando-se de tudo o que possa reavivá-Lo na lembrança. O primogênito é o pecador oculto, com a fisionomia tranquila e atitudes exteriores conformes à virtude, parecendo justo aos olhos dos homens; por dentro, porém, está cheio de hipocrisia e iniquidade (cf. Mt 23, 28).
28b “O pai, saindo, insistia com ele. 29Ele, porém, respondeu ao pai: ‘Eu trabalho para ti há tantos anos, jamais desobedeci a qualquer ordem tua. E tu nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos. 30 Quando chegou esse teu filho, que esbanjou teus bens com prostitutas, matas para ele o novilho cevado’”.
Esta insolente resposta confirma não se tratar de uma revolta contra os desvarios do irmão, mas sim contra a benevolente acolhida do pai. Julgando-se digno de recompensa e o outro merecedor de castigo, sentia-se injustiçado ao ver a bondade paterna agir de modo diferente, não só perdoando ao faltoso, como também dando-lhe mostras de extremo afeto. É a reação característica daqueles que nunca experimentaram os efeitos do perdão e não conseguem compreender a misericórdia com a qual os outros são tratados. A este filho invejoso, caberia ao pai responder com as palavras postas por Jesus nos lábios do dono da vinha ao dirigir-se aos operários inconformados com o generoso pagamento feito aos trabalhadores da última hora: “Porventura vês com maus olhos que eu seja bom?” (Mt 20, 15). O pai, contudo, até esta desrespeitosa acusação refuta com benignidade.
Aviso aos que rejeitam a misericórdia
31“Então o pai lhe disse: ‘Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. 32 Mas era preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado’”.
Aparece aqui um novo matiz da bondade paterna: esclarecendo o real motivo da festa — não se tratava de uma homenagem aos vícios de quem fora até então esbanjador, e, sim, uma comemoração de seu retorno —, o pai “não leva em consideração o que o filho afirma a respeito de não ter faltado a nenhuma de suas ordens. Ele não confirma ser verdade o que este dissera, mas trata de acalmar sua ira por outro caminho: ‘Filho, tu estás sempre comigo’”.17 Dessa forma, prova ter conhecimento das vias estranhas à virtude em que o filho andava e, ao mesmo tempo, lhe demonstra o quanto também era ele objeto de sua paciência misericordiosa, pois suportava tal hipocrisia e desamor no dia a dia, na confiante espera de uma regeneração.
Finalizando a parábola, Jesus repreendia tacitamente os fariseus e mestres da Lei, apontando a necessidade de sempre ajustar os próprios critérios de acordo com a ação de Deus, nunca analisando o atuar divino segundo a tacanha visualização humana. E, nas entrelinhas da narrativa dava-lhes um aviso, a eles e a todos os que se fecham ao perdão: “Conheço vossos pecados desde toda a eternidade, e desejo perdoar-vos, assim como perdoo a estes que a Mim recorrem. Entretanto, vós vos recusais receber a minha compaixão e vos revoltais ao ver outros beneficiados por ela. Agindo desse modo colocais em risco vossa salvação, porque aos que rejeitam a misericórdia nesta vida está reservada minha justiça na eternidade”.
CONCLUSÃO
A sequência de parábolas apresentada no Evangelho deste 24º Domingo do Tempo Comum surge diante de nós como um prisma através do qual a História da Salvação ganha um colorido especial. Para resgatar a humanidade perdida pelo pecado, o Bom Pastor assumiu nossa natureza, morreu na Cruz, e de seu lado aberto pela lança fez nascer a Igreja, autêntico redil de Cristo, no qual os homens são introduzidos pelas águas do Batismo, conferindo-lhes ainda a superior dignidade de se tornarem filhos de Deus. Dóceis à graça, os homens produziram frutos à altura de sua condição de herdeiros do Céu, construindo uma civilização alicerçada nos ensinamentos do Evangelho.
Sem embargo, com o passar do tempo a humanidade começou a menosprezar essa filiação divina e foi-se afastando do Pai celeste. Em nossos dias, muitos são os que vivem como se Ele não existisse. Entregando-se ao pecado, dissiparam os tesouros que lhes haviam sido confiados com a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo ao mundo e caminharam de desvario em desvario. Se traçássemos um paralelo entre a humanidade atual e o filho pródigo, com tristeza veríamos não estar ela muito distante do estágio no qual, reduzido à completa miséria, o jovem quis se alimentar com as bolotas dos porcos. Permitindo que os homens caiam nos horrores de um mundo contrário à virtude, Deus espera pacientemente o momento exato para lhes conceder as luzes de sua misericórdia, através de uma ação do Espírito Santo. Tal ação lhes fará ver com clareza seu deplorável estado e lhes suscitará as saudades das maravilhas da graça, abandonadas já há tantos séculos.
Os símbolos, porém, sempre claudicam em relação à realidade, e a fé nos faz crer que o futuro dos homens superará em muito o desfecho da parábola, sobretudo por causa de um elemento. Na narração, não aparece uma figura que na História tem papel fundamental: Maria Santíssima, a quem Deus constituiu Advogada e Refúgio dos pecadores, Mãe dos homens. Quando a humanidade pródiga começar a empreender o caminho de volta, essa Mãe virá ao seu encontro e a receberá com incomensurável bondade. Bastará então que Lhe seja dirigida a súplica humilde e confiante: “Pecamos contra Deus e contra Vós; já não merecemos ser chamados vossos filhos. Tratai-nos como se fôssemos servos”. Ela mesma intercederá, então, junto a seu Filho, levando-Lhe o pedido de clemência. Nesse momento em que os homens se apresentarem diante do trono da Divina Misericórdia, colocando-se na condição de escravos da Sabedoria Eterna e Encarnada, pelas mãos de Maria, estará concedido o perdão restaurador.

E assim como o pai festejou o jovem arrependido, Deus tratará como filhos prediletos a estes que se entregarem sem reservas, e promoverá a comemoração inaugural de um novo regime de graças no plano da salvação: o Reino de Maria, era histórica da misericórdia, constituída por almas que, reconhecendo-se pecadoras, se terão deixado transformar pela força do perdão.
1BENTO XVI. Jesús de Nazaret. Primera parte. Desde el Bautismo a la Transfiguración. Bogotá: Planeta, 2007, p.252-253.
2 O espírito objetante de que os fariseus davam mostras em diversas circunstâncias fica insinuado no original grego. O tempo verbal empregado por São Lucas é o imperfeito διεγόγγυζον, indicando continuidade de ação. Não se tratava de um ato, mas de uma constante atitude de crítica.
3SÃO CIRILO, apud SÃO TOMÁS DE AQUINO. Catena Aurea. In Lucam, c.XV, v.1-7.
4SANTO AMBRÓSIO. Tratado sobre el Evangelio de San Lucas. L.VII, n.210. In: Obras. Madrid: BAC, 1966, v.I, p.456.
5SÃO GREGÓRIO MAGNO. Homiliæ in Evangelia. L.II, hom.14, n.17. In: Obras. Madrid: BAC, 1958, p.722.
6 DIONÍSIO AREOPAGITA. La Jerarquía Celeste. C.XIV, 321 A. In: Obras Completas. Madrid: BAC, 1990, p.175.
7 Cf. CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. O Filho Pródigo: Justiça e Misericórdia. In: Arautos do Evangelho. São Paulo. N.27 (Mar., 2004); p.6-11; Comentário ao Evangelho do IV Domingo da Quaresma – Ano C. In: O inédito sobre os Evangelhos. Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2012, v.V, p.223-234.
8 Cf. SÁENZ, SJ, Alfredo. Las Parábolas del Evangelio según los Padres de la Iglesia. La misericordia de Dios. 2.ed. Guadalajara: APC, 2001, p.160-161.
9 SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. Obras Ascéticas. Madrid: BAC, 1954, t.II, p.697.
10Idem, p.698.
11 ROYO MARÍN, OP, Antonio. Teología de la salvación. 3.ed. Madrid: BAC, 1965, p.68-69.
12 SANTO AGOSTINHO. Epistolæ ad Romanos inchoata expositio, n.9. In: Obras. Madrid: BAC, 1959, v.XVIII, p.76.
13 SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO, op. cit., p.699-700.
14 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.89, a.2.
15SÃO JERÔNIMO. Epistola ad Damasum XXI, 28. In: Cartas. Madrid: BAC, 1962, v.I, p.143.
16 Cf. SÃO BEDA. In Lucæ Evangelium. L.IV, c.XV: ML 92, 526; SÃO JERÔNIMO, op. cit., 27, p.142-149; SANTO AGOSTINHO. Sermo CXXXVI, n.8. In: Obras. Madrid: BAC, 1952, v.X, p.520-521; SANTO AMBRÓSIO, op. cit., p.470-472.
17 SÃO JERÔNIMO, op. cit., 34, p.146.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

XXIV Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013

Comentários ao Evangelho 24º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 - Lc 15, 1-3 - Continuação
17 “Então caiu em si e disse: ‘Quantos empregados do meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome. 18 Vou-me embora, vou voltar para meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra Deus e contra ti; 19 já não mereço ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados’”.
Só então, em meio às amargas frustrações do pecado, o jovem começou a refletir, contrastando a penúria em que se encontrava com a abundância da casa paterna. Veio-lhe à recordação a bondade e o afeto de seu pai, o maior bem perdido com a vida desregrada que levara. Suas palavras deixam transparecer essa disposição de alma, pois se referem não a um simples retorno ao lar, mas a um desejo de pôr-se novamente sob tal amparo: “Vou voltar para meu pai”.
No entanto, jamais teria ele decidido abandonar o pecado se não houvesse a ação da graça em sua alma, pois é impossível ao homem converter-se movido apenas pela própria força de vontade, conforme sublinha Santo Agostinho: “Ninguém se arrependeria de seu pecado se não houvesse um chamado de Deus”.12
A inesperada acolhida
 20 “Então ele partiu e voltou para seu pai. Quando ainda estava longe, seu pai o avistou e sentiu compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o e cobriu-o de beijos”.
É bem provável que o pai tenha sentido acenderem-se, muitas vezes, suas esperanças quanto à volta do filho. Dirigia-se, então, a um local de onde podia divisar os caminhos da região e ali passava longos períodos rezando, numa confiante espera... Até o dia em que “o avistou e sentiu compaixão”. O jovem, maltrapilho e com a fisionomia desfigurada pela vida de pecado, estava bem mudado em relação à última vez que o pai o vira. Muito mais profunda, todavia, era sua transformação interior. Saíra de casa orgulhoso e julgando-se autossuficiente; retornava humilde, consciente da própria fraqueza e confiante na bondade do pai. Tendo corrido ao seu encontro, o pai logo constatou tal câmbio e, vencendo toda a repugnância que a aparência miserável do filho lhe causava, não hesitou em manifestar-lhe com profusão seu afeto.
Esta enternecedora cena narrada por Jesus representa, de maneira eloquente, a acolhida do Pai celeste às almas arrependidas, que não é senão uma vigorosa manifestação de seu amor infinito. “Com quanta ternura Deus abraça o pecador que se converte! [...] É o Pai que, ao retornar o filho perdido, sai a seu encontro, abraça-o, beija-o e, ao recebê-lo, não pode conter a alegria que o embarga. [...] Mal o pecador se arrepende, lhe são perdoados seus pecados e [Deus] deles se esquece, como se nunca O tivesse ofendido”,13 ressalta Santo Afonso de Ligório.
Alegria pelo retorno do filho
21“O filho, então, lhe disse: ‘Pai, pequei contra Deus e contra ti. Já não mereço ser chamado teu filho’. 22 Mas o pai disse aos empregados: ‘Trazei depressa a melhor túnica para vestir meu filho. E colocai um anel no seu dedo e sandálias nos pés. 23 Trazei um novilho gordo e matai-o. Vamos fazer um banquete. 24 Porque este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado’. E começaram a festa”.
A boa disposição de alma com que o jovem se apresentava, reconhecendo com humildade seu erro, era suficiente para o coração paterno transbordar de contentamento e tomar providências para uma grande comemoração. Acentuando pela terceira vez a alegria de Deus ao perdoar — personificado aqui pelo pai —, Nosso Senhor também ensina neste trecho quanto o verdadeiro arrependimento pode conceder à alma um grau maior de graça do que o perdido com o pecado,14 pois o filho jamais fora honrado com uma festa de tal porte quando vivera em casa, antes de perverter-se.
Ainda nesta passagem, nossa atenção se volta para um pequeno detalhe: qual a procedência do traje que o pai manda trazer para vestir o filho, em substituição dos andrajos com os quais se cobria, uma vez que o jovem reunira “tudo o que era seu” antes de partir? Talvez tenha sido retirado dos pertences do filho mais velho... Nesse caso, aplicar-se-ia a afirmação do Mestre: “Ao que tem, se lhe dará; e ao que não tem, se lhe tirará até o que tem” (Mc 4, 25). Nota-se, pois, que embora o caçula estivesse na miséria, possuía algo que havia muito o primogênito deixara de ter, um bem inestimável: o amor pelo pai. Os próximos versículos oferecem dados elucidativos que confirmam tal hipótese.
Um filho sem amor pelo pai
25 “O filho mais velho estava no campo. Ao voltar, já perto de casa, ouviu música e barulho de dança. 26 Então chamou um dos criados e perguntou o que estava acontecendo. 27 O criado respondeu: ‘É teu irmão que voltou. Teu pai matou um novilho gordo, porque o recuperou com saúde’. 28a Mas ele ficou com raiva e não queria entrar”.
Seria compreensível que, num primeiro momento, o impacto da festa suscitasse certa indignação no filho mais velho, por lhe trazer à lembrança a ingratidão do irmão para com o pai e o profundo desgosto que este sofrera por causa disso. Não obstante, ao se inteirar do júbilo em que ele agora se encontrava pelo regresso deste irmão, tal sentimento deveria ser logo controlado e, demonstrando uma consonância afetiva com o pai, teria entrado de imediato para a festa.

Bem outra, entretanto, foi sua reação. O que a teria motivado? Sob um prisma humano, o primogênito agira com maior astúcia que o outro, permanecendo no lar enquanto o irmão se lançava nos riscos do mundo. Em uma cômoda situação, com todas as necessidades materiais garantidas, servia o pai por interesse, vivendo em casa mais como um hóspede do que como um filho. Sua obediência à autoridade paterna se originava em motivos de conveniência e não no afeto filial. Apesar de estar fisicamente próximo ao pai, encontrava-se dele separado pelas gélidas distâncias da indiferença. Tal disposição de alma é indicada por Nosso Senhor ao dizer que o jovem “estava no campo”, ou seja, dedicado “às obras terrenas, longe da graça do Espírito Santo, alheio aos desígnios de seu pai”,15 explica São Jerônimo.
Continua no próximo post

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

XXIV Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013

Comentário ao Evangelho 24º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 - Lc 15, 1-32 - Continuação
A PARÁBOLA DO PAI PERFEITO
A semelhança de um bom vinho, cujo cambiante sabor surpreende o paladar a cada degustação, de modo que nunca seus apreciadores podem afirmar que o conhecem completamente, a terceira parábola contada por Nosso Senhor nesta ocasião possui tal riqueza de ensinamento que sempre traz novos aspectos a serem considerados. É o célebre drama do filho pródigo, uma das mais belas páginas das Sagradas Escrituras. Tendo já sido abordada neste ciclo litúrgico, por ocasião da Quaresma,7 hoje ela nos é apresentada uma vez mais, a partir de outra perspectiva.
O pai entrega os bens
11 “E Jesus continuou: ‘Um homem tinha dois filhos. 12 O filho mais novo disse ao pai: ‘Pai, dá-me a parte da herança que me cabe’. E o pai dividiu os bens entre eles’”.
O pai, sem dúvida, foi tomado por um profundo desgosto ao receber o pedido do filho menor. Além de denunciar a intenção do jovem de abandonar a casa paterna — pois só neste caso se fazia a repartição da herança antes da morte do pai 8 —, a solicitação confirmava suas apreensões a respeito daquele filho, em cuja alma já discernira o tumultuar das paixões desordenadas. Com dor, previu os caminhos tortuosos pelos quais o jovem se embrenharia; entretanto, percebendo ser impossível fazê-lo desistir de seus intentos, não tomou nenhuma atitude para impedi-lo e entregou-lhe sua parte da fortuna. É exatamente como Deus age conosco: concede-nos em abundância suas graças e dons, apesar de conhecer, em sua onisciência, o mau uso que poderemos fazer desses bens, quer valorizando-os pouco, quer negligenciando-os ou até mesmo usando-os para pecar.
Paciência: um dos nomes da misericórdia
13 “Poucos dias depois, o filho mais novo juntou o que era seu e partiu para um lugar distante. E ali esbanjou tudo numa vida desenfreada”.
O filho trocou a inocência do lar pela vida devassa. Expressiva imagem de todos os batizados que, desprezando a condição de filhos de Deus, abandonam o estado de graça ao cometer uma falta grave! Esbanjando o tesouro sobrenatural entregue pelo Pai celeste, preferem o prazer fugaz do pecado à felicidade do convívio com Deus e Maria Santíssima, na eternidade.
Por sua vez, em nenhum momento o pai se esqueceu do jovem e, sem jamais perder as esperanças de reencontrá-lo, continuamente elevava ao Céu aflitas orações por sua conversão. Com igual indulgência Deus reage conosco quando O ofendemos e, em sua bondade, nunca nos desampara, mesmo quando nos afastamos d’Ele com o pecado. Refletindo sobre esta clemência, escreve Santo Afonso de Ligório: “Se tivésseis insultado um homem como insultastes a Deus, ainda que fosse vosso melhor amigo ou ainda vosso próprio pai, não teria ele outra resposta senão vingar-se. Quando ofendias a Deus, poderia ter-vos castigado no mesmo instante; tornastes a ofendê-Lo e, ao invés de castigar-vos, devolveu-vos bem por mal, conservou-vos a vida, rodeou-vos de todos os seus cuidados providenciais, fingiu não ver os pecados, na expectativa de que vos emendásseis e cessásseis de injuriá-Lo”.9 Por conseguinte, enquanto as duas parábolas precedentes ressaltam a iniciativa de Deus na conversão dos homens, esta ilustra outro aspecto da misericórdia d’Ele, o qual se cifra na paciência em esperar que “o pecador caia em si, e possa perdoá-lo e salvá-lo”.10
Na extrema decadência, lembrança da bondade do pai
 14 “Quando tinha gasto tudo o que possuía, houve uma grande fome naquela região, e ele começou a passar necessidade. 15 Então foi pedir trabalho a um homem do lugar, que o mandou para seu campo cuidar dos porcos. 16 O rapaz queria matar a fome com a comida que os porcos comiam, mas nem isto lhe davam”.
O jovem, outrora abastado, tornou-se um indigente faminto, cuja situação desesperadora o fez aceitar o humilde trabalho de guardador de porcos. É um símbolo da completa miséria à qual o pecado mortal reduz a alma, arrancando-lhe todos os méritos e tornando-a merecedora do inferno, realidade tão mais terrível que a do filho pródigo. “Não há catástrofe nem calamidade pública ou privada que possa ser comparada à ruína causada na alma por um só pecado mortal. É como um desmoronamento instantâneo de nossa vida sobrenatural, um verdadeiro suicídio da alma em relação à vida da graça”.11
Não é raro, porém, Deus permitir que o pecador caia neste ínfimo estado para então fazer nascer em sua alma as saudades da inocência perdida.
17 “Então caiu em si e disse: ‘Quantos empregados do meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome. 18 Vou-me embora, vou voltar para meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra Deus e contra ti; 19 já não mereço ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados’”.


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