Comentário ao Evangelho 24º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 - Lc 15, 1-32 - Continuação
A PARÁBOLA DO
PAI PERFEITO
A semelhança de um bom vinho, cujo cambiante sabor surpreende
o paladar a cada degustação, de modo que nunca seus apreciadores podem afirmar
que o conhecem completamente, a terceira parábola contada por Nosso Senhor
nesta ocasião possui tal riqueza de ensinamento que sempre traz novos aspectos
a serem considerados. É o célebre drama do filho pródigo, uma das mais belas
páginas das Sagradas Escrituras. Tendo já sido abordada neste ciclo litúrgico,
por ocasião da Quaresma,7 hoje ela nos é apresentada uma vez mais, a partir de
outra perspectiva.
O pai entrega
os bens
11 “E Jesus continuou:
‘Um homem tinha dois filhos. 12 O filho mais novo disse ao pai: ‘Pai, dá-me a
parte da herança que me cabe’. E o pai dividiu os bens entre eles’”.
O pai, sem dúvida, foi tomado por um profundo desgosto ao
receber o pedido do filho menor. Além de denunciar a intenção do jovem de
abandonar a casa paterna — pois só neste caso se fazia a repartição da herança
antes da morte do pai 8 —, a solicitação confirmava suas apreensões a respeito
daquele filho, em cuja alma já discernira o tumultuar das paixões desordenadas.
Com dor, previu os caminhos tortuosos pelos quais o jovem se embrenharia;
entretanto, percebendo ser impossível fazê-lo desistir de seus intentos, não
tomou nenhuma atitude para impedi-lo e entregou-lhe sua parte da fortuna. É
exatamente como Deus age conosco: concede-nos em abundância suas graças e dons,
apesar de conhecer, em sua onisciência, o mau uso que poderemos fazer desses
bens, quer valorizando-os pouco, quer negligenciando-os ou até mesmo usando-os para
pecar.
Paciência: um
dos nomes da misericórdia
13 “Poucos dias depois,
o filho mais novo juntou o que era seu e partiu para um lugar distante. E ali
esbanjou tudo numa vida desenfreada”.
O filho trocou a inocência do lar pela vida devassa.
Expressiva imagem de todos os batizados que, desprezando a condição de filhos
de Deus, abandonam o estado de graça ao cometer uma falta grave! Esbanjando o
tesouro sobrenatural entregue pelo Pai celeste, preferem o prazer fugaz do
pecado à felicidade do convívio com Deus e Maria Santíssima, na eternidade.
Por sua vez, em nenhum momento o pai se esqueceu do jovem e,
sem jamais perder as esperanças de reencontrá-lo, continuamente elevava ao Céu
aflitas orações por sua conversão. Com igual indulgência Deus reage conosco
quando O ofendemos e, em sua bondade, nunca nos desampara, mesmo quando nos
afastamos d’Ele com o pecado. Refletindo sobre esta clemência, escreve Santo
Afonso de Ligório: “Se tivésseis insultado um homem como insultastes a Deus,
ainda que fosse vosso melhor amigo ou ainda vosso próprio pai, não teria ele
outra resposta senão vingar-se. Quando ofendias a Deus, poderia ter-vos
castigado no mesmo instante; tornastes a ofendê-Lo e, ao invés de castigar-vos,
devolveu-vos bem por mal, conservou-vos a vida, rodeou-vos de todos os seus
cuidados providenciais, fingiu não ver os pecados, na expectativa de que vos
emendásseis e cessásseis de injuriá-Lo”.9 Por conseguinte, enquanto as duas
parábolas precedentes ressaltam a iniciativa de Deus na conversão dos homens,
esta ilustra outro aspecto da misericórdia d’Ele, o qual se cifra na paciência
em esperar que “o pecador caia em si, e possa perdoá-lo e salvá-lo”.10
Na extrema
decadência, lembrança da bondade do pai
14 “Quando tinha gasto
tudo o que possuía, houve uma grande fome naquela região, e ele começou a
passar necessidade. 15 Então foi pedir trabalho a um homem do lugar, que o
mandou para seu campo cuidar dos porcos. 16 O rapaz queria matar a fome com a
comida que os porcos comiam, mas nem isto lhe davam”.
O jovem, outrora abastado, tornou-se um indigente faminto,
cuja situação desesperadora o fez aceitar o humilde trabalho de guardador de
porcos. É um símbolo da completa miséria à qual o pecado mortal reduz a alma,
arrancando-lhe todos os méritos e tornando-a merecedora do inferno, realidade
tão mais terrível que a do filho pródigo. “Não há catástrofe nem calamidade
pública ou privada que possa ser comparada à ruína causada na alma por um só
pecado mortal. É como um desmoronamento instantâneo de nossa vida sobrenatural,
um verdadeiro suicídio da alma em relação à vida da graça”.11
Não é raro, porém, Deus permitir que o pecador caia neste
ínfimo estado para então fazer nascer em sua alma as saudades da inocência
perdida.
17 “Então caiu em si e
disse: ‘Quantos empregados do meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo
de fome. 18 Vou-me embora, vou voltar para meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei
contra Deus e contra ti; 19 já não mereço ser chamado teu filho. Trata-me como
a um dos teus empregados’”.
Continua no próximo post
Nenhum comentário:
Postar um comentário