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sábado, 15 de junho de 2013

Evangelho XII Domingo do Tempo Comum – Ano – C 2013 Lc 9, 18-24

Comentários ao Evangelho XII Domingo do Tempo Comum – Ano –  C 2013 – Lc 9, 18-24
Certo dia, 18 Jesus estava rezando num lugar retirado, e os discípulos estavam com ele. Então Jesus perguntou-lhes: “Quem diz o povo que eu sou?” ‘ Eles responderam: “Uns dizem que és João Batista; outros, que és Elias; mas outros acham que és algum dos antigos profetas que ressuscitou”. 20 Mas Jesus perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Pedro respondeu: “O Cristo de Deus”. 21 Mas Jesus proibiu-lhes severamente que contassem isso a alguém. 22 E acrescentou: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia”. 23 Depois jesus disse a todos: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me. 24 Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará” (Lc 9, 18-24).
A cruz, quando inteiramente abraçada, nos configura com Cristo
No auge da fama e da popularidade de Nosso Senhor, todos esperam para breve sua aclamação como um líder político sem precedentes. Jesus, porém, desfaz essa errônea expectativa com o anúncio de sua Paixão.
A TENTACÃO DA TERCEIRA POSIÇÃO
É dificil para o homem, no relacionamento com o próximo ou comrDeus, agir segundo as exigências de sua consciência, da moral e da verdade. Tomar uma atitude decidida e definitiva constitui uma escolha árdua, pois, por um lado, no interior da alma, clama a voz das más inclinações decorrentes do pecado e, por outro, o convite à retidão, à perfeição e à santidade feito pela graça. Optar por uma dessas solicitações acarreta sérias consequências, surgindo a partir daí uma luta que continua durante toda a vida até o momento do juízo particular, fato que explica a conhecida afirmação de Jó: “a vida do homem sobre a Terra é uma luta” (7, 1). Não há uma idade a partir da qual seja possível considerá-la encerrada; pelo contrário, as batalhas espirituais tornam-se cada vez mais impetuosas com o passar do tempo. Comprova-o a hagiografia, ao mostrar a luta presente na trajetória terrena dos santos, até o último suspiro deles. Célebre é a exclamação de São Luís Grignion de Montfort, na hora da morte, indicativa de seu constante esforço para se manter fiel à Lei divina, da qual se julgava cumpridor muito imperfeito: “Cheguei ao termo de minha carreira: não pecarei mais!”1
Contudo, quando não é justo, o homem esmorece nesse combate ascético e procura encontrar um meio de descansar, desejando alcançar a recompensa eterna sem fazer esforço. Tal é a razão pela qual não existe uma corrente com maior quantidade de adeptos quanto a chamada terceira posição. Trata-se do partido mais numeroso existente no mundo, desde a saída de Adão e Eva do Paraíso, porque a tendência do homem não é ceder ao mal enquanto mal — pois ser mau é incômodo e implica também em lutar, exige agrede, ou seja, capacidade de luta —, mas sim fugir da dor. Nossa existência acarreta sempre padecimentos, pois é impossível viver sem sofrer, ainda quando se é inocente. Nem a Inocência em Si mesma, Nosso Senhor, nem a Inocente por excelência, Nossa Senhora, ficaram livres da dor, sendo inconcebível uma existência, por mais excelsa que seja, isenta de adversidades.

São Luís Grignion de Montfort, em sua Carta circular aos Amigos da Cruz, tratou dessa luta interior ao mostrar o glorioso caminho dos eleitos: “O conhecimento experimental do mistério da Cruz é dado a conhecer a muito poucos. Para que um homem suba até o Calvário e se deixe crucificar com Jesus, em meio a seu próprio povo, necessita ser um valente, um herói, um homem determinado e unido a Deus; que escarneça do mundo e do inferno, de seu corpo e de sua própria vontade; um homem resolvido a sacrificar tudo, a realizar tudo e a padecer tudo por Jesus Cristo. Sabei, queridos Amigos da Cruz, que aqueles que dentre vós não se encontrem com esta disposição, estes andam com um pé só, voam apenas com uma asa e não merecem estar convosco, porque não merecem ser chamados Amigos da Cruz, a qual devemos amar com Jesus Cristo, corde magno et animo volenti — com largueza de coração e ânimo generoso (cf. II Mac 1, 3).2 Não existe um terceiro caminho no qual juntemos as vantagens e as glórias da obediência a Deus com o gozo e as fruições do pecado. A batalha de nossa vida espiritual, portanto, cifra-se em tomarmos fervorosamente a primeira posição, sem nos deixarmos enganar pela falsidade da terceira. Como abrir, então, nossas almas à árdua via do sofrimento, única forma de atender ao chamado do Divino Mestre? E o que nos ensina Nosso Senhor neste Evangelho do 12º Domingo do Tempo Comum.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

EVANGELHO XI DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO C - 2013

CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO 11º DOMINGO DO TEMPO COMUM  Lc 7,  36-50; 8 1-3
O juízo preconceituoso do fariseu
A segurança parecia retornar ao coração de Simão, o fariseu, ao assistir a tão escandalosa cena: “Se este fosse profeta, com certeza saberia de que espécie é a mulher que O toca: uma pecadora” . Seu juízo é apressado e infundado. Assim como não teve fé e amor para enlevar-se com o Mestre, faltou-lhe também o discernimento para, na ex-pecadora, ver e interpretar os sinais de um arrependimento perfeito, pois são notórios os efeitos do vício ou da virtude estampados na face (Eclo 13, 31). O orgulho de ser um rigoroso e sábio legista levou-o a uma conclusão aparentemente lógica, mas em realidade temerária, contra o Médico e contra a enferma. Além do mais, manifestou sua falsidade, pois, se concebeu no seu interior a convicção de estar diante de um homem comum e aguardou sua saída para provavelmente comentar com satisfação o aparente horror daquele escândalo, por que chamá-Lo de Mestre? A esse respeito, comenta com muita propriedade São Gregório Magno: “O Médico se encontrava entre dois enfermos; um tinha a febre dos sentidos, e o outro havia perdido o sentido da razão: aquela mulher chorava o que havia feito, mas o fariseu, orgulhoso pela sua falsa justiça, exagerava a força de sua saúde” (8).
Além não ter tido tino ou virtude para perceber na pecadora a enorme graça de que havia sido objeto, faltava ao fariseu humildade fé e amor para ver em Jesus o Filho de Deus. Entretanto, a prova de quanto Jesus é profeta foi dada a Simão logo a seguir, no estilo tão apreciado naqueles tempos, através da parábola dos dois devedores. É notório o caráter universal das palavras do Salvador contidas nesse trecho, mas não podemos negligenciar a realidade concreta a desdobrar-se diante de seus olhos de Juiz Supremo.
Ali estavam dois réus. Ambos haviam ofendido a Deus em graus diferentes e necessitavam, portanto, do perdão. A pecadora estava tomada por um arrependimento perfeito e foram-lhe “perdoados os seus muitos pecados, porque muito amou”. Quanto ao fariseu, o Senhor lhe externa sua disposição em perdoá-lo, mas seria necessário, da parte dele, fé e maior amor (vv. 47 e 50). Indispensável era ao fariseu reconhecer seu débito para com Deus e pedir-Lhe perdão, mas ele assim não procedeu, por ser orgulhoso.
É fácil compreender a sentença final do Divino Juiz: a pecadora é oficial e publicamente perdoada; quanto ao fariseu, na melhor das hipóteses — se chegasse a arrepender-se e vencer seu orgulho — caberia, talvez, o decreto de Nosso Senhor: “os publicanos e as meretrizes vos precedem no Reino de Deus” (Mt 21, 31).
É preciso ter pecado para crescer no amor?
É importante respondermos a uma questão: em face do Evangelho de hoje, é necessário a pessoa ter praticado um grande número de pecados para, ao ser perdoada, amar mais?
Se assim fosse, Maria Imaculada — não só pela sua puríssima concepção, mas também por sua ilibada vida — seria a criatura que menos amou a Deus. Ora, sabemos com emocionado júbilo ser a Santíssima Virgem a mais amada e a mais perfeita amante, entre todos os seres saídos das mãos do Criador. Porém, a Ela também cabia rezar: “Perdoai as nossas dívidas”, como se pedia antigamente no Pai Nosso, pois Ela Lhe deve o ser, a predestinação à maternidade divina, a plenitude de graças, a concepção imaculada, a vida isenta de qualquer mancha de pecado, enfim, todos os dons, virtudes e privilégios que Lhe foram concedidos no mais alto grau.
Ela mesma externou esse reconhecimento, ao pronunciar o Magnificat, em casa de sua prima Santa Isabel (Lc 1, 46-55):”A minha alma glorifica o Senhor; e o meu espírito exulta de alegria em Deus meu Salvador, porque olhou para a humildade de sua serva. Portanto, eis que, de hoje em diante, todas as gerações Me chamarão ditosa, porque o Todo-Poderoso fez em Mim grandes coisas” (Lc 1, 46-49).
A gratidão que se manifestava perfeita na pecadora, não estava presente em Simão, o fariseu. Com independência das faltas cometidas, nós todos somos devedores diante da incomensurável bondade de Deus, pois Ele nos escolheu entre infinitos outros seres passíveis de serem criados, sobre os quais não incidiu seu ato criador.
Mas, aos orgulhosos não ocorrem esses pensamentos.
Debaixo desse prisma, Maria Santíssima é a maior devedora, pois Ela sozinha recebeu de Deus muito mais que a soma dos Anjos e dos Bem-Aventurados, no seu conjunto. Compreendemos agora melhor o Evangelho: a pecadora recebeu de Jesus dez vezes mais do que Simão, o fariseu. Ela amou o Redentor na mesma proporção, penetrada de gratidão. O outro, não. Por seu orgulho, ele não se reconhecia devedor e, portanto, não entendia nem desejava a remissão que Jesus lhe oferecia.
Abraçar a via do amor e da gratidão
“Eis que este Menino está posto para ruína e ressurreição de muitos em Israel e para ser sinal de contradição” (Lc 2, 34).
Diante de Jesus, ou estamos com o amor e gratidão da pecadora; ou, melhor ainda, com disposições de alma semelhantes às da Santíssima Virgem; ou seguindo as desordens do fariseu Simão.
Se abraçarmos a via do amor agradecido — quer na inocência, quer no arrependimento — a nós se aplicará a sentença de São Tomás: “O menino, inclusive o não- batizado, se tem a idade do uso da razão e ama eficazmente o bem mais do que a si mesmo, está justificado pelo batismo de desejo, porque esse amor, que já é o amor eficaz a Deus, não é possível no estado atual da humanidade sem a graça regeneradora” (9).

Pelo contrário, se assumirmos a soberba do fariseu, sentiremos em nós o quanto “o orgulho é impaciente e malévolo; invejoso, arrogante, ambicioso, busca só os seus próprios interesses, pervadido de irritações e de ressentimentos pelo mal sofrido”. Provaremos no fundo de nossa alma “o regozijo com a injustiça e a tristeza com a verdade”, porque o orgulho “nada desculpa, de tudo desconfia, nada espera e nada suporta” (parafraseando São Paulo, I Cor 13, 4 a 7).
1) Nat. Hist. 2, 33. 2) Ver I Mac 2, 19-27. 3) Ver Mt 15, 7; 16, 4; 22, 18; 23, 13-33; e Mc 7, 6. 4) Luís Vives, De anima et Vita - I, 3: De superbia [Basilea 1555] f. 592. 5 ) Ver Lc 7, 41-55; Mc 5, 3542. 6 ) C.M. Franzero, The memoirs of Pontius Pilate, trad. Portuguesa de Morais Cabral, Lisboa, p. 215. 7 ) São João Crisóstomo, apud Catena Áurea in Lc VII, 36-50. 8 ) Apud Catena Áurea, in Lc VII, 36-50. 9 ) Pe. Reginald Garrigou-Lagrange, El Salvador y su amor por nosotros, Rialp, Madrid, 1977, p. 34, comentando ST, I, II, q. 109, a. 3

segunda-feira, 10 de junho de 2013

EVANGELHO XI DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO C - 2013

CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO 11º DOMINGO DO TEMPO COMUM  Lc 7, 36-50; 8 1-3 
Uma pecadora que admirava a virtude
As mesas de refeição daqueles tempos costumavam ser em forma de um longo “u”. O anfitrião e o principal convidado sentavam-se lado a lado, bem ao centro.
Nessas ocasiões, as mulheres eram excluídas dos salões. Portanto, a entrada de uma dama naquele recinto, mesmo sendo de alta reputação, chocaria fortemente todos os comensais; mais ainda se fosse ela conhecida por seus maus costumes. Foi o que se passou.
Há muito que Maria Madalena havia provado o vazio e a mentira do pecado. Sua alma delicada, ansiava uma oportunidade para mudar de vida, mas as circunstâncias a impediam de realizar esse bom intento. Por pura fraqueza caíra naqueles horrores. Mas, em seu coração feminino, guardava uma grande admiração pela virtude e — por incrível que pareça — em especial pela pureza. Sua sensibilidade física a arrastava às enganosas delícias da carne e, portanto, à ofensa grave a Deus; mas a espiritual a convidava à paz de consciência, ao amor ao Criador.
No auge desse dilema, depois de muito implorar socorro ao Céu, ouviu falar do surgimento de um grande profeta em Israel, taumaturgo em altíssimo grau: os paralíticos andavam, os cegos enxergavam, os surdos ouviam, os mudos falavam e até os mortos ressuscitavam. Afinal, pensou ela, chegara o remédio para todos os males que atormentavam seu espírito tão carregado de recriminadoras aflições. Ela se considerava monstruosa e não via a hora em que pudesse sentir-se purificada de suas manchas. Por debaixo daquela lama imunda havia uma pele de arminho que ardia de anseios de limpeza.
As primeiríssimas reações de sua alma em relação a Jesus foram da mais entranhada simpatia. Desde o início, ela O amou mais do que a si própria e anelava pela oportunidade de se aproximar d’Ele. Assim, “quando soube que estava à mesa em casa do fariseu”, decidiu enfrentar os rigorismos sociais e entrar na sala da ceia. Para chegar onde estava o Divino Mestre, deu a volta pelo lado externo da mesa e “colocando-se a seus pés, por detrás d’Ele, começou a banhar-lhe os pés com lágrimas, e enxugava-os com os cabelos da sua cabeça, beijava-os, e os ungia com o perfume”, que trouxera num frasco de alabastro.

Antes, por sua concupiscência, andava irrequieta a atrair a atenção de todos para si; agora se ajoelha para servir. Os olhos com os quais ofendera a Deus por sua curiosidade irrefreada, choravam de dor pelo passado. Seus cabelos, outrora vaidosamente penteados, ela os utilizava nesse momento como fino linho para enxugar os pés do Senhor. Os lábios que tanto proferiram palavras de insensatez consagravamse em beijar aqueles divinos pés. Por fim, elevava à categoria de instrumento de louvor o perfume usado em outras eras para açular sua vaidade. “Assim, esta mulher pecadora tornou-se mais honesta que as virgens, depois de se consagrar à penitência e se dedicar a amar a Deus. E tudo quanto dela se disse [no versículo 38] passava-se exteriormente, mas o que movia sua intenção, e só Deus via, era muito mais cheio de fervor” (7).
Continua no próximo post.

domingo, 9 de junho de 2013

EVANGELHO XI DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO C - 2013

COMENTÁRIOS AO EVANGELHO XI DOMINGO DO TEMPO COMUM
Evangelho Lc 7,36-50; 8, 1-3
Naquele tempo, 7,36 um dos fariseus pediu a Jesus que fosse comer com ele. 37 Uma mulher, que era pecadora na cidade, quando soube que Ele estava à mesa em casa do fariseu, levou um frasco de alabastro cheio de perfume. 38 Colocando-se a seus pés, por detrás d’Ele, começou a banhar-Lhe os pés com as lágrimas, e enxugava-os com os cabelos da sua cabeça, beijava-os, e ungia-os com o perfume.
39 Vendo isto, o fariseu que O tinha convidado, disse consigo: “Se este fosse profeta, com certeza saberia de que espécie é a mulher que O toca: uma pecadora.” 40 Jesus então tomou a palavra e disse-lhe: “Simão, tenho uma coisa a dizer-te.” Ele disse: “Mestre, fala.” 41 “Um credor tinha dois devedores: um deles devia-lhe quinhentos denários, o outro cinqüenta. 42 Não tendo eles com que pagar, perdoou a ambos. Qual deles, pois, o amará mais?” 43 Simão respondeu: “Creio que aquele a quem perdoou mais.” Jesus disse-lhe: “Julgaste bem”. 44 Em seguida, voltando-Se para a mulher, disse a Simão: “Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me deste água para os pés; ela com as suas lágrimas banhou os meus pés, e enxugou-os com os seus cabelos. 45 Não Me deste o ósculo; porém ela, desde que entrou, não cessou de beijar os meus pés. 46 Não ungiste a minha cabeça com óleo, porém ela ungiu com perfume os meus pés. 47 Pelo que te digo: São-lhe perdoados os seus muitos pecados porque muito amou. Mas aquele a quem menos se perdoa, menos ama.” 48 Depois disse à mulher: “São-te perdoados os pecados.” 49 Os convidados começaram a dizer entre si: “Quem é Este que até perdoa os pecados?” 50 Mas Jesus disse à mulher: “A tua fé te salvou; vai em paz!” 8,1
Em seguida Jesus caminhava pelas cidades e aldeias, pregando e anunciando a boa nova do Reino de Deus; andavam com Ele os doze 2 e algumas mulheres que tinham sido livradas de espíritos malignos e de doenças: Maria, chamada Madalena, da qual tinham saído sete demônios, 3 Joana, mulher de Cusa, procurador de Herodes, Susana, e outras muitas, que os serviam com os seus bens (Lc 7,36-50; 8, 1-3).
 O fariseu e a pecadora
Simão recebe Jesus em sua casa com orgulhosa frieza. Maria Madalena, a pecadora, desdobra-se em manifestações de arrependimento e ternura. Por ter amado muito, viu-se ela redimida de todas as suas faltas. E o fariseu foi impedido, pelo orgulho, de pedir perdão.
Origens históricas dos fariseus
O orgulho, causa de todos os pecados, não abandona o homem senão meia hora após a morte. Subtil e interior, sendo embora um lobo feroz de ambição, ele se esconde sob pele de ovelha. Por este motivo, o orgulhoso não é facilmente fustigado pela reprovação da sociedade, como acontece no caso dos demais vícios. Quão comum é encontrarmos a soberba falando abertamente de suas próprias qualidades e virtudes — reais ou imaginárias — ou ostentando suas riquezas!
Esse é o grande mal dos que se julgam doutos e sábios. Terrível é a vaidade feminina quando desenfreada, mas ela parece nada, em comparação com o orgulho descontrolado de um homem que procura passar por inteligente e culto. A este se poderia aplicar o dito de Plínio: “Pasma ver aonde pode chegar a arrogância do coração humano estimulada pelo menor êxito” (1).
Nesse quadro se encaixam os escribas e fariseus. A origem histórica dos fariseus remonta à restauração de Israel após o cativeiro da Babilônia. Entretanto, suas características descritas nos Evangelhos se evidenciaram depois da revolta e vitória dos Macabeus (2), pois, opondo-se à forte influência helenista que se exercia acima de tudo sobre as camadas mais altas da sociedade, separaram-se por fidelidade às antigas tradições puras de Israel. Daí surgiu o nome de “fariseu”, que quer dizer “separado”. Entretanto, não constituíam eles então uma seita, partido político ou organização.
Como sói acontecer a todos aqueles que não restituem a Deus os dotes d’Ele recebidos, não tardou muito em julgarem-se os fariseus os únicos donos da verdade, erigindo-se em lei e modelo face aos demais. Além disso, eram eles, em sua quase totalidade, os doutores da lei, também chamados escribas. Gozavam, pois, de notoriedade, prestígio e influência. Essa situação de superioridade, se não for equilibrada pela virtude da despretensão e pelo verdadeiro amor a Deus, facilmente conduz à hipocrisia da qual os acusara repetidamente o Divino Salvador (3).
Ora, ademais, “o orgulho é suspicaz; converte em calúnia, com a interpretação mais injusta, o que foi dito ou executado com a maior simplicidade” (4). Esse é o caso do fariseu Simão, do Evangelho de hoje.
Por que Simão convidou Jesus?
Era uma honra insigne, e uma imensa graça, receber em sua casa um grande profeta, mais ainda tratando-se de um taumaturgo que até já havia operado uma ressurreição, a da filha de Jairo (5). Simão convida Jesus de Nazaré e o recebe em meio a outros tantos fariseus. Qual seu objetivo?
Enganar-se-ia redondamente quem julgasse estar na raiz dos anseios de Simão alguma causa piedosa ou a admiração. O jantar constituiria uma excelente ocasião para ele e os demais fariseus observarem bem de perto esse personagem, já então muito comentado e discutido nas rodas da elevada esfera religiosa. Seriam verdadeiras as notícias espalhadas pelo povo a seu respeito? Era essa a preocupação de todos.
Tanto faltaram a Simão motivos de fervor e devoção para pedir ao Mestre “que fosse comer com ele” (v. 36), que dispensou-Lhe o tratamento comum e corrente empregado para receber qualquer pessoa sem projeção nem importância. Conhecemos, pela História, os costumes da época. Os homens, em geral, deslocavam-se a pé, por ruas e estradas empoeiradas. Em consequência, o bom acolhimento a um hóspede — sobretudo de certa categoria — consistia em mandar um servo lavar-lhe os pés logo após ter ingressado na casa, a fortiori se ele fosse participar de uma refeição. Ademais, era de bom tom cumprimentar o convidado com um ósculo, à chegada. E por fim, um dos melhores sinais de benquerença e deferência estava em ungir a cabeça do visitante com óleo perfumado.
Pode-se discutir a elegância ou o bom gosto desse cerimonial, não, porém, pôr em dúvida o quanto Simão tratou a Jesus como um qualquer, negando-lhe as praxes próprias à recepção de um personagem distinto. Além do mais, não podemos nos esquecer dos delírios existentes entre os fariseus de serem meticulosos na observância dessas pequenas normas sociais ou religiosas, tal qual nos relata um historiador: “Quero agora mencionar alguns fatos curiosos a propósito dos rabis. Ninguém podia sair à noite a sós, nem usar sandálias remendadas... Nenhum homem podia falar com mulheres em lugar público, e uns e outros deviam recusar toda intimidade com gente inferior. Tampouco deviam caminhar reto, pois isso denotaria orgulho. Entre as fantásticas subtilezas que os rabis ensinavam em suas escolas, havia 248 preceitos positivos na lei — número, segundo afirmam, correspondente aos membros e órgãos do corpo humano — e 365 preceitos negativos (o número de nossas artérias e veias), num total de 613, a quantidade das letras que compõem o decálogo de Moisés” (6).
Simão não admira seu convidado, muito pelo contrário, tem-Lhe antipatia. Seu juízo a respeito d’Ele já é categórico em seu subconsciente, e está ansioso por encontrar fatos que dêem solidez à sentença pronta a ser formulada. Ele já conhece Jesus, mas sem em nada fazer uso da virtude da fé para analisá-Lo e sem a menor estima por Ele, desde a primeira notícia que lhe chegou a respeito do Mestre. Nos alvores do relacionamento entre ambos, despontou na alma de Simão um sentimento de insegurança, comparação e inveja.

É levando em consideração sua psicologia moral deformada pelas mazelas de uma existência talvez sectária e orgulhosa, que se compreenderá melhor a reação de Simão face ao imprevisto ocorrido a certa altura da ceia.

Continua no próximo post.