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sábado, 3 de dezembro de 2011

Evangelho: discípulos de Emaús final

Continuação dos comentários do Evangelho: discípulos de Emaús.
Então Jesus disse-lhes: “Ó estultos e lentos do coração para crer tudo o que anunciaram os profetas! 26 Porventura não era necessário que o Cristo sofresse tais coisas, para entrar na sua glória?”
Sim, era-lhes necessário crer na Escritura, como São Pedro diria mais tarde: “Atendei antes de tudo a isto: que nenhuma profecia da Escritura é de interpretação particular. Com efeito, a profecia nunca foi proferida por vontade humana, mas, movidos pelo Espírito Santo, certos homens falaram da parte de Deus” (II Ped 1, 20-21). Por isso, mais vale crer no testemunho dos profetas do que em nossos sentidos. Aqueles não falham, estes porém, não raras vezes nos enganam. Para crer, não lhes era indispensável ter acompanhado ao túmulo as santas mulheres, nem Pedro e João, bastava-lhes recordarem as assertivas das Escrituras sobre a Ressurreição, tanto mais que as da Paixão já se haviam cumprido tais quais. E, sobretudo, não podia pairar a menor fímbria de dúvida na palavra do Salvador. “Verbum Domini manet in aeternum” (I Pd 1, 24), a palavra de Deus permanece eternamente.
Em seguida, começando por Moisés e discorrendo por todos os profetas, explicava-lhes o que d’Ele se encontrava dito em todas as Escrituras.
Pode-se, às vezes, conhecer as Escrituras todas de cor, mas, nem por isso, saber conjugar seus trechos a fim de melhor entender sua aplicação aos casos concretos. Quanto às citações, nada era novo aos dois discípulos. Quanto à interpretação das mesmas, porém, as explicações de Jesus constituíram certamente uma atraentíssima e magistral aula de exegese. Quem não desejaria assistir a ela? Que grande privilégio o daqueles dois! Certamente, o Divino Mestre deve ter-lhes mostrado, através de luminosas palavras e de especiais graças, o quanto era errôneo o conceito unânime no povo eleito a respeito de um Messias triunfante, restaurador de seu poder político-social e instaurador de uma influente e prestigiosa supremacia sobre as outras nações. A Escritura Lhe serviu de argumento irrefutável para os objetivos da formação que desejava dar-lhes.
Aproximaram-se da aldeia para onde caminhavam. Jesus fez menção de ir para mais longe. 29 Mas os outros insistiram com Ele, dizendo: “Fica conosco, porque faz-se tarde e o dia já declina”. Entrou para ficar com eles.
A delicadeza e a didática em substância se unem nesse gesto do Salvador ao “fazer menção” de ir adiante. Assim, incentiva-os não só a convidá-Lo a permanecer com eles, como também a conferir à sua companhia o devido valor. Eles O convidam e até insistem, apresentando como argumento a hora tardia. Exemplo para nós: quando rezamos, trata-se de usar de pertinácia, pois, dessa forma, “Jesus entrará para ficar conosco”. Caso contrário, Ele seguirá adiante.
Estando com eles à mesa, tomou o pão, abençoou-o, partiu e lho deu. 31 Abriram-se os seus olhos e reconheceram-No; mas Ele desapareceu da vista deles.
Terá Jesus, nessa hora, operado a transubstanciação? Eis uma questão muito debatida nos séculos XVI e XVII entre duas correntes teológicas. Uma conclusão clara a esse respeito ainda está por fazer-se, entretanto, por mais que não se tivesse dado a consagração eucarística, estava ela ali figurada. E é indiscutível ser esse Sacramento fundamental para nos fortalecer na fé e fazê-la crescer, sobretudo no tocante ao mysterium fidei que enfeixa a Paixão e a Ressurreição do Redentor. A Eucaristia nos dá a vida sobrenatural que tem seu fundamento na fé. Crer na ressurreição de Cristo é absolutamente necessário para nossa salvação e, sem essa crença, é impossível nosso próprio progresso na vida espiritual. Quanto mais se torne efetiva e robusta nossa fé em Cristo ressurrecto, maior será nosso afervoramento e união com o Redentor, como também mais superabundantes serão os frutos dessa belíssima festa instituída pela Santa Igreja.
Disseram então um para o outro: “Não é verdade que nós sentíamos abrasar-se-nos o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” 33 Levantando-se no mesmo instante, voltaram para Jerusalém. Encontraram juntos os onze e os que estavam com eles, 34 que diziam: “Na verdade o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão”. 35 E eles contaram também o que lhes tinha acontecido no caminho, e como O tinham reconhecido ao partir o pão.
Os versículos finais nos retratam com muita viveza e piedade os efeitos dessa primeira aparição de Jesus a dois fiéis da Igreja nascente, sendo especialmente digno de nota o testemunho da ação da graça mística nas almas de ambos, enquanto Jesus lhes discorria sobre as Escrituras (v. 32).
É tal o apreço de Deus por sua própria Palavra que Ele sempre faz acompanhar de generosos auxílios o estudo, interesse e piedade aplicados ao conhecimento amoroso dos textos sagrados.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Evangelho: Discípulos de Emaús II

Continuação discípulos de Emaús
Ele disse-lhes: “Que palavras são essas que trocais entre vós pelo caminho?” Eles pararam cheios de tristeza.
Pode-se falar em senso psicológico humano ao analisar o relacionamento de Jesus, mas como entender a fundo um Varão que só possui personalidade divina? Seu discernimento dos espíritos é absoluto e, enquanto Pessoa, Ele conheceu desde toda a eternidade não só aqueles dois discípulos, como também o recôndito de suas almas e até mesmo o conteúdo da conversa de ambos; por isso, Ele pergunta apenas para dar início ao diálogo e, assim, ter oportunidade de mais diretamente animá-los.
Quantas vezes em nossa vida, não terá Jesus se aproximado de nós para nos reanimar!...
Um deles, chamado Cléofas, respondeu: “Serás tu o único forasteiro em Jerusalém que não sabe o que ali se passou nestes dias?”
Era de fato incompreensível que um judeu vindo de outras províncias não se inteirasse, ao passar por Jerusalém, dos últimos grandes acontecimentos ali sucedidos. A ressurreição de Lázaro, a expulsão dos vendilhões do Templo, um número incontável de milagres, as arrebatadoras pregações de Jesus e sobretudo sua prisão, condenação e crucifixão, o escurecimento do céu, o tremor da terra, o véu do Templo cindido, o passeio dos justos que haviam saído de seus túmulos — esses eram fatos suficientes para convulsionar a opinião pública. Não havia outro tema para se considerar senão esse, daí a perplexidade manifestada por Cléofas.
Ele disse-lhes: “Que foi?” Responderam: “Sobre Jesus Nazareno, que foi um profeta, poderoso em obras e em palavras diante de Deus e de todo o povo”;
Segundo alguns autores, esta resposta tem sua origem na falta de fé dos dois discípulos, como também no medo de serem presos. Não poderia o forasteiro se escandalizar ouvindo a proclamação da divindade de Jesus?
e de que maneira os príncipes dos sacerdotes e os nossos chefes O entregaram para ser condenado à morte, e O crucificaram.
Eles narram os fatos com o coração nos lábios e, apesar de extremamente chocados com as atitudes das autoridades religiosas e civis, em nenhum momento manifestam desrespeito ou revolta contra as mesmas. Era um dos resultados obtidos pela ação apostólica de Jesus. O possessivo: “os nossos”, na voz desses discípulos, demonstra claramente a disposição de submissão e até de veneração face aos detentores do poder. Eles não se separam, e menos ainda injuriam. Essa sempre foi a nota distintiva do verdadeiro Cristianismo.
Ora, nós esperávamos que Ele fosse o que havia de libertar Israel; depois de tudo isto, é já hoje o terceiro dia, depois que estas coisas sucederam.
O verbo “esperar”, empregado no passado, dá bem ideia da decepção na qual se encontravam ambos. Suas atenções estavam concentradas, sobretudo, na possível libertação do domínio dos romanos. Ademais, julgando Jesus destinado a ser um Rei deste mundo, não podiam admitir que Ele não tivesse poder para libertar-se da sentença de morte que Lhe fora infligida. Entretanto, se bem estivessem com a virtude da fé um tanto abalada, restava-lhes ainda uma esperança, era a promessa proferida por Jesus em várias ocasiões sobre sua ressurreição ao terceiro dia.
É verdade que algumas mulheres, das que estavam entre nós, nos sobressaltaram porque, ao amanhecer, foram ao sepulcro 23 e, não tendo encontrado seu corpo, voltaram dizendo que tinham tido a aparição de anjos que disseram que Ele está vivo. 24 Alguns dos nossos foram ao sepulcro e acharam que era assim como as mulheres tinham dito; mas a Ele não O encontraram.
É patente o quanto a tristeza, a perplexidade e até a perturbação, penetravam o âmago de suas almas. A narração é toda ela hipotética, nada feita de certeza. De fato, o povo eleito sempre foi privilegiado por uma robusta lógica, e, diante da pura inteligência humana, como explicar aqueles acontecimentos todos?
Segundo os cânones do pensamento humano, com a trágica morte do Divino Mestre, todas as esperanças haviam terminado, por mais que as melhores testemunhas afirmassem ter desaparecido seu corpo. O próprio São Paulo diria mais tarde: “E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, é também vã a nossa fé” (I Cor. 15,14). Mas, a prova de sua ressurreição ainda não se havia consumado oficialmente. Assim sendo, quais os elementos para crerem? Só as palavras dos profetas e do próprio Jesus? Sendo afirmações e promessas feitas pela Verdade Absoluta, era preciso admiti-las como reais. Entretanto, longe dos acontecimentos é sempre mais fácil o exercício da virtude da fé, e a proximidade dos mesmos lhes turvava a compreensão e dificultava a inteira adesão da inteligência e da vontade. Apesar de discípulos, ambos haviam se olvidado do que lhes tinham dito seus ancestrais na Religião.
Continua...

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Evangelho: Os discípulos de Emaús I

No mesmo dia, caminhavam dois deles para uma aldeia, chamada Emaús, distante de Jerusalém sessenta estádios. 14 Iam falando sobre tudo o que se tinha passado.
Pelo seu estilo e delicadeza de narração, este é um dos mais belos relatos do terceiro Evangelho. De outro lado, contém ele uma excelente prova da ressurreição de Jesus. Quanto à cidadezinha de Emaús, há uma dezena de hipóteses sobre sua real localização, e não se têm elementos para saber qual a verdadeira. Retenhamos apenas a distância de sessenta estádios que equivale a 11,5 km.
Provavelmente esses dois discípulos, como também outros israelitas, haviam se deslocado para Jerusalém a fim de cumprir os primeiros ritos pascais e, depois de visitarem os Apóstolos, retornavam à sua cidade de origem, no próprio dia da Ressurreição do Senhor.
Alguns Padres da Igreja levantam a hipótese de ser o próprio São Lucas um dos dois, e assim se entenderia melhor o motivo pelo qual ele não quis mencionar o nome do segundo discípulo.
Sucedeu que, quando eles iam conversando e discorrendo entre si, aproximou-Se deles o próprio Jesus e caminhou com eles.
O Divino Mestre havia prometido, em vida, estar presente quando dois ou mais estivessem reunidos em seu nome (1), eis aqui o cumprimento de suas palavras. Foi a conversa entre ambos o fator que atraiu o Redentor a se agregar a eles.
É interessante notar o agrado de Jesus junto aos dois, assim como o recíproco intuito apostólico de lado a lado. Um dos intentos do Divino Mestre era o de robustecer a fé de seus discípulos. Por isso, operando de maneira oculta, “aproximou-Se e caminhou com eles”.
Os seus olhos, porém, estavam como que fechados, de modo que não O reconheceram.
São Lucas nos fornece a hipótese de estarem os olhos dos dois discípulos impedidos de reconhecer o Salvador devido a uma virtude sobrenatural semelhante àquela que havia agido sobre Santa Maria Madalena no Sepulcro (2).
Entretanto, São Marcos afirma que Jesus “apareceu sob outra forma” (Mc 16, 12), ou seja, com fisionomia e talvez até roupas diferentes das que costumava usar. Estas duas versões parecem ser contraditórias à primeira vista e se prestaram durante muito tempo a duas interpretações diferentes.
Hoje, porém, os exegetas são unânimes em atribuir a um efeito do corpo glorioso de Jesus o fato de — tanto nesses dois casos quanto no da aparição aos Apóstolos junto ao Mar de Tiberíades (3) — Ele não ter sido reconhecido.
E por quê? Detenhamo-nos um pouco sobre este particular para melhor entender o que realmente se passou.
A glória do corpo não é mais do que uma conseqüência e redundância da glória da alma”, diz-nos o grande teólogo Pe. Antonio Royo Marin, OP (4). Em Jesus, esta lei ficou misteriosamente suspensa até o momento da Ressurreição, pois queria Ele ter padecente seu corpo, a fim de poder sofrer.
Desde sua criação, a alma do Salvador sempre esteve na visão beatífica e, portanto, também seu Corpo Sagrado deveria encontrar-se no estado de glória. Ele criou a lei e impediu que se Lhe fosse aplicada. Ora, ao ressurgir dentre os mortos, Ele assumiu seu Corpo glorioso.
É essencial ao homem, a fim de gozar a bem-aventurança eterna, que tanto a alma quanto o corpo sejam glorificados. E assim como nesse novo e último estágio a alma se torna ainda mais semelhante a Deus, o corpo adquire as características da alma.
Ele será impassível, ou seja, não terá a menor enfermidade, dor ou incômodo, nem sequer do mais abrasador dos fogos, ou do mais rigoroso frio, ou até mesmo em meio à impetuosidade das águas; será, portanto, imortal (5). Gozará de sutileza, obedecendo sem resistência aos mínimos anseios da alma, sem sentir o próprio peso nem sofrer a ação da gravidade. Terá agilidade, deslocando-se com a velocidade da imaginação. Por fim, o dom que mais especialmente nos interessa para compreender este versículo, a claridade, devida aos efeitos resplandecentes da suprema felicidade da alma sobre o corpo: “Os justos brilharão como o sol no reino de seu Pai” (Mt 13, 43).
Ora, como a alma exercerá um domínio absoluto sobre o corpo, suspenderá segundo seu desejo a manifestação deste ao exterior de modo que possa ser visto ou não, tocado ou não, segundo ela determine (6).
Eis aí as razões pelas quais os dois discípulos não reconheceram Jesus ao longo de todo o percurso. “Alguns autores pensam que uma ação sobrenatural era que lhes impedia reconhecer Cristo. Mas a frase do Evangelho [“seus olhos, porém, estavam como que fechados”], não exige que tenha se dado uma ação desse gênero. Aconteceu simplesmente que Cristo ressuscitado apareceu-lhes em corpo glorioso, sob uma forma não mais comum e corrente” (7). Ou então, segundo o comentário de Teófilo: “Apesar de ser o mesmo corpo que havia padecido, já não era visível para todos, senão unicamente para aqueles que Ele quisesse que o vissem; e para que não duvidassem que doravante já não viveria entre a gente, porque seu modo de vida depois da ressurreição já não era humano, mas mais bem divino, uma pré-figura da futura ressurreição, na qual viveremos como anjos e filhos de Deus” (8).

Continua no próximo post

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O INSTINTO DE SOCIABILIDADE

Jesus, exemplo do equilíbrio dos instintos
Desde o primeiro instante de nossa criação, Deus dotou-nos de instintos. Eram eles ordenados sob os influxos do dom de integridade até o momento em que Adão e Eva pecaram. A partir de então, só com auxílio da graça nos é possível utilizar cada um deles de acordo com a Lei de Deus, de maneira estável.
Um dos mais excelentes entre todos é o instinto de sociabilidade, e talvez até, por isso mesmo, um dos mais perigosos fora da atmosfera sobrenatural. Daí ter afirmado Sêneca: “Quanto mais vezes estive entre os homens, menos homem retornei” ; e Thomas Hobes: “O homem é um lobo para outro homem”. Sim, o extremo de horrores a que podem chegar os homens no seu relacionamento à base do egoísmo é simplesmente inimaginável e assustador.
Mas, se mal conduzido esse instinto, os resultados podem vir a ser catastróficos, no extremo oposto assistimos às maravilhas da graça atuando sobre o convívio humano e enriquecendo qualquer hagiografia, a começar pela do Varão por excelência, o Filho do Homem.
Por sua sociabilidade divinizada, desde o primeiro instante de sua existência desejou reparar os pecados cometidos por seus irmãos e, para salvá-los, entregou-se à morte de cruz. Assim teria procedido se fosse para redimir um só pecado e salvar uma só alma. E como se isso não bastasse, deixou-se em Corpo, Sangue, Alma e Divindade até o fim do mundo, como alimento nosso sob as Espécies Eucarísticas. N’Ele encontramos o perfeitíssimo exemplo e, ao mesmo tempo, o próprio equilíbrio de todos os nossos instintos.
Foi d’Ele que nasceram os hospitais, os orfanatos, os asilos, as universidades, etc. Quando os homens se resolvem a colaborar com sua graça, daí nascem os esplendores de realizações capazes de tornar fulgurante toda uma era histórica. Pelo contrário, ao se fecharem ao seu apelo, os crimes, os roubos, a desonra, a mentira, os suicídios, as calúnias etc., proliferam como praga por toda parte.
Sociabilidade virtuosa dos discípulos de Emaús
É com vistas a nos ensinar quão benéficos são os efeitos da hospitalidade — qualidade de alma própria àquele que ordenadamente usa de seu instinto de sociabilidade — que a Liturgia nos propõe considerar a beleza da aparição de Jesus aos discípulos de Emaús. Nesta narração, ambos deixam entrever o quanto possuem um coração afetuoso, caritativo e generoso para com um desconhecido que os alcança pelo caminho. Eles não têm a menor fímbria de respeito humano em explicar ao forasteiro os principais aspectos da vida, paixão e morte de Jesus, como o próprio desaparecimento de seu Sagrado Corpo, sempre levados por uma sociabilidade virtuosa tão rara nos dias de hoje e tão indispensável para um convívio agradável.
Consideremos o grande respeito usado pelos três entre si nesse episódio, como também a elevação do tema por eles tratado e o tônus da conversa. Como seria altamente formativo o poder-se reconstituir tal qual se deu esse convívio dos dois com o Divino Mestre ressurrecto! De imediato, configurarse-ia diante de nossos olhos o grande contraste com os encontros tão comuns e correntes na atualidade. Quanto teríamos a aprender desse sacrum convivium!
Continua no próximo post: Os discípulos de Emaus

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Primeiro Domingo Advento ano B final

Será como um homem que, empreendendo uma viagem, deixou a sua casa, delegou a autoridade aos seus servos, indicando a cada um a sua tarefa, e ordenou ao porteiro que estivesse vigilante.
Segundo os Padres da Igreja, foi Jesus quem “deixou a sua casa”, ao subir aos céus. E a nós, deu-nos o encargo de vigiarmos. Nossa primeira obrigação recai sobre nós mesmos. De nada nos adianta rezar se não nos afastamos das ocasiões que podem nos levar ao mal. Além disso, cada um de nós, em sua função, tem responsabilidade sobre outros: patrões sobre empregados, pais sobre filhos, mestres sobre alunos, etc.
Os Pastores são representados pela figura do porteiro, a qual também simboliza o nosso dever de velarmos por nossos próprios corações.
Vigiai, pois, visto que não sabeis quando virá o senhor da casa, se de tarde , se à meia-noite, se ao cantar do galo, se pela manhã; para que vindo de repente, não vos encontre a dormir.
Não é só neste trecho que Jesus repete de forma imperativa seu conselho de vigilância. Os quatro Evangelhos contêm várias passagens relativas a esse empenho do Divino Mestre. Aqui, em concreto, as circunstâncias são descritas com certa variedade e de maneira metafórica. O importante é não sermos apanhados dormindo por ocasião de uma visita imprevista.
Essa advertência tem um real fundamento. A criatura humana, ao pecar, não recebe um castigo de imediato. Por isso o pecado vai aos poucos se transformando em habitual e, no fim, se torna um inveterado vício. Por uma necessidade de racionalizar e, assim, aquietar sua própria consciência, a pessoa acaba por atribuir a Deus o juízo relativista que elaborou para justificar-se.
Jesus, apesar de conhecer bem o pecado de cada um de seus irmãos e até de odiá-lo, cala-se por amor à salvação destes, para conceder-lhes mais oportunidades de se emendarem. Ora, sem vigilância, esse processo de regeneração é impossível. É preciso que Jesus não nos “encontre a dormir”, ou seja, entibiados nos vícios...
O que vos digo a vós, digo-o a  todos: Vigiai!
Assim termina o cap. XIII de Marcos. O capítulo seguinte será a descrição de toda a Paixão.
Neste versículo se encontra o caráter universal dos conselhos proferidos por Jesus a propósito da suma importância da vigilância em face não só do fim do mundo, mas também do fim de cada um de nós. Todos nós morreremos. Em que momento, não o sabemos. Estejamos alertas! Nesse dia nos encontraremos com Jesus; será o nosso juízo particular. Não será o único, pois Ele quer dar um caráter público e social ao julgamento, daí haver um segundo juízo.
Conclusão
Em nosso egoísmo, somos levados a nos considerar o centro de nossas atenções e preocupações, mas a essência de nossa vida cristã é social: “Amai-vos, uns aos outros” (Jo 13, 34; 15, 12; 15, 17); ou: “Quem ama ao próximo, cumpriu a lei” (Rom, 13, 8). Jesus pesa nossos atos em função de nossa misericórdia com o próximo, ou seja, Ele usa, para nos julgar, de um critério social.
Deus distribui seus bens de forma desigual aos homens, para que uns possam dispensar e outros receber. Isso se passa não só no campo material como também, e sobretudo, no campo cultural e espiritual. Pela misericórdia e justiça unidas, seremos nós julgados diante de todos os anjos e homens.
Preparemo-nos, pois, neste Advento, para receber Jesus que vem na plenitude de sua misericórdia, e roguemos Àquela que O traz a este mundo sua poderosa intercessão para o nosso segundo encontro com Ele, quando vier de improviso, na plenitude de sua justiça.

1) Suma Teológica, III q 59, a 2 ) Suma Teológica, III q 59, a 3 3 ) Cf. Suma Teológica, Supl. q 90, a 2. 4 ) Serm. 18,1: PL 38, 128-129. 5 ) Sto. Hilário, 9, de Trinit. 6 ) Exeunte iam anno, 25 de dezembro de 1888. 7 ) Carta ao povo italiano, 8 de dezembro de 1892. 8 ) Vigilante cura, n. 18. 9 ) ibid., n. 19. 10 ) ibid., n. 21. 11 ) ibid., n. 25. 12 ) À Ação Católica Italiana, 12 de outubro de 1952. 13 ) Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, 1º de maio de 1967.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Primeiro Domingo Advento ano B II

Visões prejudiciais para o bem comum da sociedade
E ainda mais recentemente, nosso tão querido João Paulo II se exprimia de maneira clara e lúcida sobre a mesma questão:
“Esses mesmos meios de comunicação possuem a capacidade de causar prejuízos graves às famílias, apresentando uma visão inadequada e mesmo deformada da vida, da família, da religião e da moral. Esse poder, tanto para reforçar como para desprezar os valores tradicionais, como a religião, a cultura e a família, foi compreendido com clareza pelo Concílio Vaticano II, que ensinou que, ‘para o reto uso desses meios, é absolutamente necessário que todos os que se servem deles conheçam e ponham em prática, nesse campo, as normas da ordem moral’ (Inter mirifica, 4).”
E mais adiante:
“A família e a vida familiar são também, com muita freqüência, descritas de maneira inoportuna pelos meios de comunicação.
“A infidelidade, a atividade sexual fora do matrimônio e a ausência de uma visão moral e espiritual do vínculo matrimonial são descritas de maneira não crítica, enquanto às vezes se apresentam de modo positivo o divórcio, a contracepção, o aborto e a homossexualidade. Essas visões, promovendo as causas contrárias ao matrimônio e à família, são prejudiciais para o bem comum da sociedade” (14).
Bento XVI, quando era Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, já advertia para o efeito nefasto que os meios de comunicação social podem ter para a fé e a moral.
Em 1992 publicou normas canônicas numa “Instrução sobre alguns aspectos do uso dos instrumentos de comunicação social na promoção da doutrina da fé”:
“Idéias errôneas se difundem cada vez mais através dos meios de comunicação social em geral e, de maneira específica, através de livros. (...) As normas canônicas constituem uma garantia para a liberdade de todos: seja dos fiéis individualmente, que possuem o direito de receber a mensagem do Evangelho na sua pureza e integridade; seja das pessoas empenhadas na pastoral, dos teólogos e de todos os católicos engajados no jornalismo, que têm o direito de comunicar o seu pensamento, sempre dentro da integridade da fé e do ensinamento da Igreja sobre a moral e no respeito aos Pastores” (15).
Campo de batalha para mestres e confessores
É um convite, pois, para que todos nós sejamos vigilantes no tocante à imprensa, aos livros e revistas provocativas, à televisão, à rádio, à internet, etc.
E nunca é demais sublinhar o que foi dito por Pio XI, citado logo atrás, a respeito dos malefícios causados ao próprio uso das faculdades da alma (produzindo, por exemplo, a decadência intelectual), quando esses veículos de comunicação são mal empregados.
Esse é um grande campo de batalha para os confessores, os diretores de consciência, os pais, os mestres, os formadores, os apóstolos, etc.: “Estai alerta! Vigiai...” Tanto mais que não se sabe “quando será o momento”.
Continua no próximo post.

domingo, 27 de novembro de 2011

Primeiro Domingo Advento ano B

Estai alerta! Vigiai, porque não  sabeis quando será o momento.
Enquanto discípulo muito íntimo de Pedro, Marcos transmite em seu Evangelho — que, aliás, foi o primeiro a ser escrito e divulgado — a síntese das pregações de nosso primeiro Papa. Sua ênfase no “Estai alerta! Vigiai ...”, tem origem no empenho especial manifestado por seu mestre nos últimos anos de vida, na cidade de Roma. Esse cuidado, pervadido de zelo pelas almas, cumprindo o mandato do Senhor: “Apascenta as minhas ovelhas”, visava aos problemas que então cercavam o nascimento da Igreja.
Sem nos determos na análise da história de há quase dois milênios, voltemos nossos olhos para os dias da atualidade.
A vigilância, virtude auxiliar da prudência, enquanto se identifica com a solicitude, tem um importante papel em nossa vida espiritual e moral. Ademais, a prudência tem estreita ligação com a vida social do homem. Sobre quais objetivos deveria se exercer a prática dessa virtude neste começo de terceiro milênio? Quase não há um só momento em que possamos baixar nossa guarda.
Ação deletéria dos meios de comunicação social
De há muito — com a evolução da técnica e das descobertas científicas — os meios de comunicação social têmse prestado a uma perigosa e atraente apresentação do mal e do pecado. Já na época de Leão XIII — fins do século XIX — encontramos a clara manifestação da preocupação daquele Papa de saudosa memória:
Acrescentemos a isso estas seduções do vício, estes funestos convites ao pecado: aludimos às representações teatrais nas quais se exibem a impiedade e a licenciosidade, aos livros e aos jornais escritos com o propósito de ridicularizar a virtude e glorificar a infâmia, e a todas as artes que, inventadas para as necessidades da vida e dos honestos espairecimentos do espírito, colocaram-se a serviço das paixões para subornar as almas” (6).
Quatro anos mais tarde, nova declaração:
“Enfim, a ordem social está rompida até seus fundamentos. Livros e jornais, escolas e cátedras de ensino, círculos e teatros, monumentos e discursos, fotografias e belas-artes, tudo conspira para perverter os espíritos e corromper os corações” (7).
Já no século XX, seguindo sempre a mesma linha de ensinamento, faz-se ouvir a voz de Pio XI, também de feliz memória:
“Não há hoje um meio mais poderoso para exercer influência sobre as massas, quer devido às figuras projetadas nas telas, quer pelo preço do espetáculo cinematográfico, ao alcance do povo comum, e pelas circunstâncias que o acompanham” (8).
“O poder do cinema provém de que ele fala por meio da imagem, que a inteligência recebe com alegria e sem esforço, mesmo se tratando de uma alma rude e primitiva, desprovida de capacidade ou ao menos do desejo de fazer esforço para a abstração e a dedução que acompanha o raciocínio. Para a leitura e audição, sempre se requer atenção e um esforço mental que, no espetáculo cinematográfico, é substituído pelo prazer continuado, resultante da sucessão de figuras concretas” (9).
“É geralmente sabido o mal enorme que os maus filmes produzem na alma. Por glorificarem o vício e as paixões, são ocasiões de pecado; desviam a mocidade do caminho da virtude; revelam a vida debaixo de um falso prisma; ofuscam e enfraquecem o ideal da perfeição; destroem o amor puro, o respeito devido ao casamento, as íntimas relações do convívio doméstico. Podem mesmo criar preconceitos entre indivíduos, mal-entendidos entre as várias classes sociais, entre as diversas raças e nações” (10).
Essa ação deletéria tem seu início junto ao despontar do uso da razão:
“E por isso sua fascinação se exerce com um atrativo particular sobre as crianças, os adolescentes e os jovens. Justamente na idade na qual o senso moral está em formação, quando se desenvolvem as noções e os sentimentos de justiça e de retidão, dos deveres e das obrigações, do ideal da vida, é que o cinema toma uma influência preponderante” (11).
Não fica atrás a advertência de Pio XII, em meados do século passado:
“Esse inimigo está corrompendo o mundo com uma imprensa e com espetáculos que matam o pudor nos moços e nas moças, destroem o amor entre os esposos, e inculcam um nacionalismo que leva à guerra” (12).
Outro Papa, sempre de saudosa memória, Paulo VI, assim se refere a esses males:
“Ao mesmo tempo em que esses instrumentos — destinados por sua natureza a difundir o pensamento, a palavra, a imagem, a informação e a publicidade — influenciam a opinião pública e, por conseguinte, o modo de pensar e de atuar dos indivíduos e dos grupos sociais, exercem também pressão sobre os espíritos que incide profundamente sobre a mentalidade e a consciência do homem, já incitado por múltiplas e opostas solicitações e quase submergido nelas.
“Quem pode ignorar os perigos e os danos que esses instrumentos, mesmo nobres, podem acarretar a cada um dos indivíduos e à sociedade, caso não sejam utilizados pelo homem com responsabilidade, com reta intenção e de acordo com a ordem moral objetiva? (...)
“Pensamos sobretudo nas jovens gerações, que procuram, não sem dificuldades e às vezes com aparentes ou reais extravios, uma orientação para suas vidas de hoje e de amanhã, e que devem poder tomar decisões, com liberdade de espírito e com senso de responsabilidade. Impedir ou desviar sua difícil procura com falsas perspectivas, com ilusões enganosas, com seduções degradantes, significaria decepcionar suas justas esperanças, desorientar suas nobres aspirações e mortificar seus generosos impulsos.” (13)
Continua no próximo post