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sábado, 24 de dezembro de 2011

" Se não vos tornardes como meninos..."

Continuação dos comentários sobre o Evangelho do Natal
A justiça se faz misericórdia...
O surgimento desse Menino no cenário psicológico e religioso do mundo antigo representou uma contradição. O conceito de divindade — quer a real, quer a idolátrica — baseava-se na idéia da justiça punitiva. Por exemplo, a criação da figura mitológica greco-romana de um deus aterrorizando o Olimpo com um simples franzir de testa, ou o universo com o agitar de sua chibata.
As próprias Escrituras Sagradas nos revelam com frequência um Deus onipotente e pouco propenso à contemporização. Já no Paraíso Terrestre, castigou imediatamente nossos pais. Por um único pecado de desobediência, foram expulsos, perderam seus dons e privilégios e ficaram à mercê das dores, das doenças e da morte.
Crescendo e multiplicando-se os filhos de Adão sobre a terra, não tardou Deus para, “vendo que era grande a malícia dos homens”, determinar irreversivelmente: “Exterminarei da face da terra o homem que criei, e com ele os animais, desde os répteis até as aves do céu; porque me pesa de os ter feito” (Gen 6, 5 e 7). E o que dizer da grande cólera de Deus ao destruir Sodoma e Gomorra, culminando com a punição da mulher de Lot que, “tendo olhado para trás, ficou convertida numa coluna de sal”? (Gen 19, 26).
...e coloca-se à disposição de todos
Longa poderia ser a enumeração dos terríveis atos de justiça do Onipotente Legislador, descritos nas Escrituras Santas. Mas, façamos uma brusca interrupção e acerquemo-nos novamente da manjedoura de Belém.
Quem veremos ali? O mesmo Deus. Porém, já não mais vingador, nem incutindo pavor aos pecadores. É um alcandorado recém-nascido. Onde se encontra a grandeza do Rei de toda a criação, capaz de reduzir a nada todo o universo, se assim o quisesse? Onde estão os raios e os trovões que O precediam ao descer no Sinai?
Ajoelhemo-nos com total confiança, sem o menor temor, pois temos diante dos olhos, não a representação da infinita severidade, da ira santa e implacável, mas, muito pelo contrário, o sorriso arrebatador de uma belíssima Criança, que nos fará olvidar a dor de consciência de todo o nosso passado, o mal por nós praticado e até o dissabor a ele inerente. Na Sua delicada e infantil candura, Ele nos convida a amá-Lo com toda nossa capacidade de simpatia e afeto, e não tardará muito para despertar no fundo de nossa alma, pelo sopro da graça, uma poderosa aspiração para adorá-Lo.
Ele mesmo escolheu, para seu palácio, a Gruta de Belém; para seu ornato, simples panos; para seu berço, umas surradas tábuas; e para companhia, além de Maria e José, apenas dois animais. Não quis um só resquício de aura grandiosa, pois desejava colocar-se ao alcance e à disposição de qualquer necessitado. Ademais, sua grande missão é a de ser vítima. Missão que teve seu início no despojamento da manjedoura e seu auge no Calvário. A Cruz e o Presépio, os melhores meios para apagar nossas ofensas a Deus. O Salvador quis trilhar a Via-Sacra porque, sem o seu Preciosíssimo Sangue, nossa reparação de nada nos valeria. E, já a partir de Belém, começou a ensinar-nos a sofrer porque seus padecimentos não nos serão inteiramente eficazes, se não forem acompanhados de nossa arrependida penitência.
Continua no próximo post

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

“Se não vos tornardes como meninos..."

Apresentaremos em vários posts os comentários de Mons João a respeito do natal.

FEZ-SE MENINO E HABITOU ENTRE NÓS
A pleno júbilo repicam os sinos à meia-noite. Numa envolvente atmosfera de alegria, paz e harmonia, marcam eles o início da Missa do Galo. No interior do edifício sagrado quase não há sombras, a luz domina o ambiente, em inefável sintonia com o órgão e as melodiosas vozes. Os fiéis sentem-se atraídos a meditar sobre um dos principais mistérios de nossa fé, a Encarnação do Verbo, o nascimento do Menino Jesus.
Deus quis se fazer conhecer pelos homens
Cada festa litúrgica, ao nos propor a consideração de um determinado aspecto do Salvador, desperta em nós reações às vezes intensas: o Tabor nos causa admiração pelo brilho do acontecimento; acompanhando os Passos da Paixão, as lágrimas banham nossas faces; vibramos de gáudio ao considerar a Ressurreição e a Ascensão. E a doçura radiante emitida pela manjedoura de Belém não só nos encanta, como pervade nossas almas e as envolve em doce suavidade.
Ali está a Bondade em essência, sob a roupagem de nossa débil natureza. Nela realizou-se um dos maiores desígnios da Trindade Santíssima em relação aos habitantes deste vale de lágrimas. Deus falou-nos durante séculos, através das criaturas e dos profetas, tornando patente seu empenhado desejo de fazer-Se conhecer pelos homens. E, afinal, acabou por nos enviar seu próprio Filho. “Nestes dias, que são os últimos, ele nos falou por meio do Filho, a quem ele constituiu herdeiro de todas as coisas e pelo qual ele criou o universo”(Hb 1, 2).
A partir de então, Ele se pôs ao alcance de nossa inteligência, pelas obras de Deus humanado. Quem poderia imaginar um meio mais excelente de comunicação entre Criador e criaturas?
Majestade e humildade se osculam
Junto ao Presépio encontraremos a mais bela e eficaz manifestação do grande poder de Deus: uma criança nascida para elevar, pela ação da graça, o gênero humano tão decaído pelo pecado. Por essas razões, ao adorar Aquele tenro e delicado Menino, louvaremos a gloriosa majestade de Deus fazendo-se compatível com a humildade.
Majestade e humildade infinitas, extremos opostos, paradoxo adorável. Esse Divino Menino, com todas as contingências inerentes à infância, tem, entretanto, na plenitude, a visão beatífica. Ele sente o frio do inverno, padece fome e sede, chora, e, sem embargo, é totalmente feliz. Nós O contemplamos na sua imensa fragilidade, de dentro da qual Ele está redimindo o mundo.
As palavras do vocabulário humano são insuficientes para comentar o quanto o Natal é uma das mais belas provas do amor de Deus pelos homens. Contentemo-nos com a afirmação de São João: “Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que n’Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16).
“Puer natus est nobis!”
“Nasceu-nos um Menino!” Haverá maneira mais singela de referirmo-nos a Deus? Abandona Ele os fulgores da divindade e se apresenta, sobre palhas, na fragilidade de um recém-nascido. Durante séculos e séculos suspiraram os profetas por esse dia, tornado, por fim, realidade: “Um menino nos nasceu, um filho nos foi dado, a soberania repousa sobre seus ombros, e ele se chama: Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da Paz. Seu império será grande e a paz sem fim sobre o trono de Davi e em seu reino. Ele o firmará e o manterá pelo direito e pela justiça, desde agora e para sempre” (Is 9, 5-6).

Não temais, porque eis que vos anuncio uma grande alegria!

Ora, naquela mesma região havia uns pastores que velavam e faziam de noite a guarda ao seu rebanho. E eis que apareceu junto deles um Anjo do Senhor, e a claridade de Deus os envolveu, e tiveram grande temor. Porém o Anjo disse-lhes: Não temais; porque eis que vos anuncio uma grande alegria, que terá todo o povo. Nasceu-vos hoje, na cidade de Davi, um Salvador, que é o Cristo Senhor (S. Lucas II, 8 a 11).
A noite ia em seu meio. As trevas tinham chegado ao auge de sua densidade. Tudo em torno dos rebanhos era interrogação e perigo. Quiçá alguns pastores, relaxados ou vencidos pelo cansaço, estivessem dormindo. Entretanto, outros havia a quem o zelo e o senso do dever não consentiam o sono. Vigiavam. E presumivelmente oravam também, para que Deus afastasse os perigos que rondavam.
Subitamente, uma luz apareceu para eles e os envolveu:a claridade de Deus os envolveu. Toda a sensação de perigo se desfez. E lhes foi anunciada a solução para todos os problemas e todos os riscos. Muito mais do que os problemas e os riscos de alguns pobres rebanhos ou de um pequeno punhado de pastores. Muito mais do que os problemas e os riscos que põem em contínuo perigo todos os interesses terrenos. Sim, foi-lhes anunciada a solução para os problemas e riscos que afetam o que os homens têm de mais nobre e mais precioso, isto é, a alma. Os problemas e os riscos que ameaçam, não os bens desta vida, que, cedo ou tarde, perecerão, mas a vida eterna, na qual tanto o êxito quanto a derrota não têm fim.
Sem a menor pretensão, não posso deixar de notar que esses pastores e esses rebanhos e essas trevas fazem lembrar a situação do mundo no dia do primeiro Natal.
Numerosas fontes históricas daquele tempo longínquo nos relatam que se apoderara de muitos homens a sensação de que o mundo havia chegado a um fracasso irremediável, de que um emaranhado inextricável de problemas fatais lhes fechava o caminho, de que estavam em um fim de linha além do qual só se divisava o caos e a aniquilação.
Com o nascimento do Menino-Deus, a salvação começou por vir para os pastores fiéis. Mas, passado tudo quanto o Evangelho nos conta, ela extravasou dos exíguos confins de Israel e se apresentou como uma grande luz, para todos os que, no mundo inteiro, recusavam como solução a fuga na orgia ou no sono estúpido e mole.
Quando virgens, crianças e velhos, centuriões, senadores e filósofos, escravos, viúvas e potentados começaram a se converter, baixou sobre eles o ciclo das perseguições. Nenhuma violência, porém, os fazia vergar. E quando, na arena, fitavam serenos e altaneiros os césares, as massas ululantes e as feras, os Anjos do Céu cantavam:
Glória a Deus no mais alto dos Céus, e paz na terra aos homens de boa vontade.
Este cântico evangélico, nenhum ouvido o ouvia. Mas ele comovia as almas. O sangue desses serenos e inquebrantáveis heróis se transforma, assim, em semente de novos cristãos.
O velho mundo, adorador da carne, do ouro, e dos ídolos, morria. Um mundo novo nascia, baseado na Fé, na pureza, na ascese, na esperança do Céu.
Nosso Senhor Jesus Cristo, resolverá tudo.
Há ainda hoje homens de boa vontade autênticos, que vigiam nas trevas, que lutam no anonimato, que fitam o Céu esperando com inquebrantável certeza a luz que voltará?
- Sim, precisamente como no tempo dos pastores. [...]
A esses autênticos homens de boa vontade, a esses genuínos continuadores dos pastores de Belém, proponho que entendam como dirigidas a eles as palavras do Anjo: -Não temais, porque eis que vos anuncio uma grande alegria, que terá todo o povo!
Palavras proféticas, que encontram seu eco na promessa marial de Fátima. Poderá o mal se espalhar por toda a parte. Poderá fazer sofrer os justos. Mas, por fim - profetizou Nossa Senhora na Cova da Iria - o seu Imaculado Coração triunfará”.
Esta é a grande luz que, como precioso presente de Natal, desejamos para todos os leitores, e mais especialmente, para os genuínos homens de boa vontade.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Considerações sobre o Natal

Segundo o acertado ensinamento de Santo Inácio de Loyola, o conjunto dos homens egoístas que vivem, não para Deus, mas para eles mesmos - triste maioria, sobretudo nas épocas de decadência como a nossa pendem - para um destes três objetivos: as delícias, as riquezas ou as honras.
Ora, pelo ensinamento inaciano, na festa do Natal quis Nosso Senhor Jesus Cristo dar aos homens uma tríplice lição, provando-lhes que tais prazeres não valem nada diante do único e autêntico fim para o qual devem tender, isto é, amar a Deus sobre todas as coisas neste mundo, e depois adorá-Lo face a face na bem-aventurança eterna.
Vinda do próprio Homem-Deus, esta lição é infinitamente sábia e verdadeira, e nenhum de nós tem o direito de não aceitá-la. Sensíveis ou não aos princípios religiosos, temos de ouvi-la e aprendê-la.
Nulidade das riquezas
Primeiro, quanto às riquezas mundanas. Sobre estas, o que Nosso Senhor Jesus Cristo nos ensina no presépio?
Como Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, foi Ele quem criou o Céu e a terra, com tudo o que nesta existe de rico, de maravilhoso, de belo, tudo quanto aqui seja capaz de fundamentar a prosperidade de um homem. Mais. Ele é rico em sua essência, e não apenas criou todas as riquezas existentes, mas tem ainda o poder inesgotável de criar quantas outras queira. E sem o menor esforço, sem o menor empenho, sem a menor aplicação especial. Ele é onipotente e exerce sua onipotência com perfeitíssima facilidade, criando estrelas e universos como criou um grão de areia.
Ora, esse Deus infinitamente rico quis vir à terra como pobre. Quis nascer de um pai carpinteiro, de uma Mãe que executava em casa serviços domésticos; quis vir ao mundo numa manjedoura, lugar o mais modesto e rústico que se possa imaginar. Como aquecimento, quis ter apenas o bafo de alguns animais e as roupinhas que Nossa Senhora Lhe fez. Como asilo, preferiu não uma residência de homens, mas o local onde os bichos iam se abrigar e se alimentar. Foi aí que nasceu o Verbo de Deus!
Quis Ele mostrar, assim, quanto o homem deve ser indiferente às riquezas quando postas em comparação com o serviço do Altíssimo. E como, portanto, deve viver, antes de tudo, não para ser rico, não para ter grandes cabedais, mas para glorificar o Criador, amando-O, louvando-O e servindo-O nesta terra, e depois adorando-O no Céu por toda a eternidade.
Infelizmente, vemos em torno de nós homens que correm debandadamente atrás do dinheiro, que fazem da posse deste a única preocupação de sua vida, que colocam toda sua felicidade na sensação de que possuem grandes finanças, na ilusão de que nunca ficarão pobres e sim cada vez mais ricos. Tais homens são uns perfeitos insensatos. Porque esses bens, por mais que valham, são uma parcela minúscula dos existentes no universo. E, para Deus, o que são senão um pouquinho de poeira e de lama?
Imaginemos o homem mais rico do mundo, um magnata. Imaginemos ainda que a relação de seus bens ocupem um catálogo do tamanho de uma lista telefônica: imóveis, dinheiro, títulos, créditos, objetos de valor, etc., O que é tudo isto em comparação com Deus Nosso Senhor? Nada, absolutamente nada.
Amar as riquezas mais que a Deus é uma completa inversão de valores, é calcar aos pés a lição que Jesus nos deu no presépio. É não compreender que Nosso Senhor, ali, ensinou-nos que ao homem é permitido desejar, adquirir e conservar riquezas, desde que não faça disto o objectivo supremo de sua vida. A preocupação financeira deve ser necessariamente colateral, sob pena de se agir como um verdadeiro demente, por inverter a ordem dos valores, amando mais o que devia amar menos, e amando menos o que devia amar com mais intensidade.
Loucura de fazer das delícias a principal finalidade da vida
As delícias terrenas. Nosso Senhor Jesus Cristo, caso desejasse, teria ordenado aos anjos reunir no presépio as melhores e as mais deliciosas sedas, os mais agradáveis perfumes, teria mandado os Anjos tocarem e cantarem músicas as mais deleitáveis, pois se o fizeram para os pastores, com quanto maior gáudio não o fariam para o Menino Jesus?!
O Divino Infante poderia ainda dispor de agasalhos super-eficazes, ser nutrido desde o começo com as melhores comidas. Numa palavra, poderia ter-se enchido de delícias logo no primeiro momento de sua vida terrena.
O que fez Ele? O contrário. Quis nascer deitado na palha, material cujo contato nenhum regalo dá ao corpo; quis estar numa manjedoura cujo odor não devia ser dos mais agradáveis; quis tiritar de frio, escolhendo para surgir no mundo à meia-noite de um mês de inverno. Como música, quis ter apenas o mugido dos animais. Em última análise, quis o oposto de uma situação de delícias. E quis assim mostrar aos homens o quanto é loucura fazer delas a principal finalidade da vida. A lição que Ele veio trazer é, pois, esta: desde que seja para o bem das almas, desde que seja para a glória de Deus, devemos desfazer-nos de todas as delícias, procurando apenas o bem da causa católica e a salvação de nossa alma, embora nos custe muito sacrifício e muita renúncia.
Insensatez de procurar as honras como meta da vida
No que diz respeito às honras, devemos entendê-las como sendo a aspiração do indivíduo de ver-se objeto de reverências por achar-se, a qualquer título, superior aos outros: mais inteligente ou mais jeitoso; mais engraçado ou mais diplomático; mais interessante ou mais simpático; mais qualquer coisa que tenha ou imagine ter, pela qual se julga no direito de uma atenção especial.
Ora, Nosso Senhor Jesus Cristo quis nascer despido de tudo aquilo que pode trazer vaidade. Não obstante fosse Ele um príncipe da Casa Real de David, apareceu para o mundo como filho de pais modestos, numa época em que a sua linhagem régia havia perdido seu poder político, seu prestígio social e seu dinheiro. Ele, portanto, não era absolutamente nada na ordem terrena das coisas.
Além disso, quis nascer como um pária, fora da cidade, porque nela ninguém deu acolhida a seus pais. Nasceu na gruta dos pastores, para provar aos homens como são loucos aqueles que fazem do aparecer uma ideia fixa, em vez de procurarem servir a Deus e à Igreja, a insensatez daqueles que procuram ser mais, ser mais, e que fazem desta vaidade a meta de sua vida.
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Se fizermos desses valores terrenos a finalidade de nossa existência, estaremos roubando aquilo que devemos unicamente a Deus. Cumpre, portanto, preocupar-nos antes de tudo com a dedicação inteira de nossas almas a Nosso Senhor, a Nossa Senhora e à Santa Igreja Católica.
Tenhamos, dia e noite, diante dos olhos esta lição do Natal, e procuremos eliminar de nossos corações, com a energia de quem arranca uma erva daninha, as falsas idéias mundanas que nos levam a adorar o dinheiro, os prazeres e as honras.