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sábado, 14 de abril de 2012

Evangelho 2º Domingo de Páscoa - ano B Jo 20, 19-31

No trato com Tomé, fulgura a extrema bondade de Jesus
26 Oito dias depois, estavam os discípulos outra vez em casa e Tomé com eles. Veio Jesus, estando as portas fechadas, colocou-Se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”.
Na falta de relatos, podemos imaginar o quanto deveriam ter sido fervilhantes os comentários e trocas de impressões, e variadas as hipóteses, durante a semana que mediou entre uma e outra aparição. Tomé, ao encontrar-se com estes ou aqueles, ouviria calado as manifestações de incontida euforia de seus irmãos de vocação. Seu fundo de alma era bom; não havia malícia em sua dúvida, mas pura fraqueza. Esses oito dias de ansiosa espera foram, por divina didática, certamente benfazejos a todos.
Era necessário que eles fossem encontrados reunidos em plenário na primeira ocasião, e isso só seria possível na semana seguinte. Alguns autores levantam a hipótese de querer Jesus ir iniciando a substituição do sábado judaico pelo domingo católico. Outros aplicam a Tomé a sentença de Paulo: “Os pecadores públicos devem ser publicamente admoestados” (1 Tm 5, 20). E, portanto, era bom que, quem diante de todos havia faltado com a fé, fosse corrigido diante das testemunhas de sua falta.
Tenham ou não razão, o certo é que Jesus, repetindo todo o seu proceder tal como na primeira aparição, usou de extrema bondade para com Tomé. Assim manifestava o seu inteiro perdão ao Apóstolo incrédulo.
Não nos é difícil imaginar a surpresa de São Tomé ao reencontrar o Senhor. Essa será a situação pela qual passaremos todos nós ao deixarmos os umbrais do tempo e penetrarmos nas infinitudes da eternidade... Qual o grau de fé que nos acompanhará nessa ocasião?
27  Em seguida disse a Tomé: “Mete aqui o teu dedo e vê as minhas  mãos, aproxima também a tua  mão e mete-a no meu lado; e não  sejas incrédulo, mas fiel!”
Jesus não espera a iniciativa de Tomé, e a ele se dirige, repetindo as mesmas palavras condicionais do discípulo incrédulo. E aqui vemos o quanto é melhor ser amado do que amar: nesse amor que desce do Sagrado Coração, nossas faltas são consumidas e somos afetuosamente corrigidos. Neste versículo podese notar mais uma demonstração da divindade de Jesus, o qual, sem ter presenciado as afirmações de incredulidade de Tomé, conhecia-as perfeitamente.
Discutem os exegetas se Tomé tocou nas santas chagas ou se lhe bastou rever o Salvador. Como também, se lhe seria possível, ou não, apalpar um corpo glorioso. Prevalece a opinião da maioria, segundo a qual Jesus, em sua bondade infinita, fez com que suas adoráveis cicatrizes fossem tocadas por aquele Apóstolo sujeito à falta de fé. Se a orla de seu manto, e até sua sombra, curavam as mais terríveis enfermidades, o que dizer de seu Corpo?
E qual foi a reação de Tomé?
Respondeu-Lhe Tomé: “Meu  Senhor e meu Deus!”
Entre os Padres da Igreja, Teófilo é um dos que melhor comentam esta passagem: “Aquele que antes se havia mostrado infiel converteu-se no melhor teólogo, depois de tocar o lado do Senhor, pois dissertou sobre as duas naturezas de Cristo em uma só Pessoa; porque dizendo ‘Senhor meu’, confessou a natureza humana, e dizendo ‘meu Deus’, confessou a divina, e um só Deus e Senhor” (11).
Outros autores ressaltam o poder da graça sobre certas almas, transformando-as de um extremo de mal a um oposto pólo de virtude, e fazem uma aproximação entre a conversão de Paulo e a boa atitude final de Tomé.
Testemunhas preparadas para, no futuro, beneficiar-nos
29 Jesus disse-lhe: “Tu acreditaste, Tomé, porque Me viste; bem-aventurados os que acreditaram  sem terem visto”.
Com muita clareza, objetividade e discernimento, Frei Manuel de Tuya OP explica-nos esse versículo. Ressalta ele que a intenção de Jesus não é recriminar “os motivos racionais da fé”, nem as pessoas às quais havia Se mostrado. Era, sim, bendizer “os fiéis futuros que aceitassem, por tradição contínua, a fé daqueles que Deus ‘escolhera’ para serem ‘testemunhas oficiais’ de sua ressurreição e para transmiti-la a outros. É o que Cristo pediu na ‘Oração Sacerdotal’: ‘Não rogo só por estes [os Apóstolos], mas por todos os que por sua palavra hão de crer em Mim’ (Jo 17, 20)” (12).
30 Outros muitos prodígios fez ainda Jesus na presença de seus discípulos, que não foram escritos neste livro. 31Estes, porém, foram escritos a fim de que acrediteis que Jesus é o Messias, Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais a vida em seu nome.
Em face do escândalo da Crucifixão, os Apóstolos tinham necessidade desse auxílio. Depois de comprovarem os maiores milagres efectuados pelo Divino Mestre, viram-No preso, flagelado, preterido a um Barrabás, levantado no Madeiro entre dois criminosos e morto na rejeição geral. Aqueles eleitos pelo Pai para serem os arautos não só da Paixão, mas também da Ressurreição, necessitavam ver o Messias em seu Sagrado Corpo glorificado. A incredulidade deles, culposa ou não, deve ser tomada como extremamente vantajosa para nós: “Para que acrediteis”. Em sua sabedoria eterna e infinita, a Providência Divina concebeu essas insuperáveis testemunhas, esses primeiríssimos arautos do Evangelho. Para nós eles viram, para nós eles foram provados, para nós eles creram, para nós eles escreveram. E agora chegou a nossa vez de dar o nosso testemunho e, se não acreditarmos, não teremos escusas. Estamos destinados à bem-aventurança de crer sem ter visto, para, assim, ingressarmos na vida eterna.
                                                                           * * *
 Neste mundo ateu, relativista e pervadido de egoísmo, voltemos nosso olhar Àquela que jamais vacilou na fé, ou em qualquer outra virtude, e imploremos sua poderosa intercessão para obtermos de seu Filho ressurrecto graças eficazes e superabundantes para praticarmos em grau heróico as virtudes teologais e cardeais. Ou seja, para alcançarmos uma plena santidade de perfil mariano.
1) São Tomás de Aquino, Super Epistolas S. Pauli lectura, t. 1: Super primam Epistolam ad Corinthios lectura, cap. 15, l. 6.
2) São Tomás de Aquino, Suma Teológica, Suppl, q. 83, a. 2, ad 4.
3 ) Idem, ad 1.
4 ) Apud São Tomás de Aquino, Catena Aurea, in Io.
5 ) Ibidem.
6 ) Ibidem.
7 ) Ibidem.
 8 ) Ibidem.
 9 ) Apud São Tomás de Aquino, Catena Aurea.
10 ) Cf. Lc 24, 49 e At 1, 4.
11 ) Apud São Tomás de Aquino, Catena Aurea.
12 ) Bíblia Comentada, BAC, Madrid, 1964, v. II, p. 1316.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Evangelho 2º Domingo de Páscoa- ano B Continuação

Jesus lhes dá o Espírito Santo
21 Ele disse-lhes novamente: “A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também vos envio a vós.”
Jesus deseja-lhes novamente a paz. Ele os quer serenos e confiantes para receberem a grande missão que lhes outorgará. Com a mesma autoridade com a qual o Pai enviou o Filho, este envia seus discípulos. Essa autoridade reside n’Ele enquanto Homem: “Foi-me dado todo o poder no céu e na terra” (Mt 28, 18); e enquanto Deus, Ele a possui por natureza. Os Apóstolos são “enviados”, portanto, possuem um poder por delegação.
... soprou sobre eles e disse-lhes: “Recebei o Espírito Santo”.
A exegese se inclina a interpretar esta passagem no sentido de que Cristo não soprou sobre cada um dos Apóstolos, mas o fez somente de modo genérico, o que era suficiente para todos, incluindo o próprio Tomé, ausente naquele momento.
Como entender a anterior afirmação de Jesus: “A vós convém que Eu vá, porque, se não for, o Paráclito não virá a vós; mas, se for, Eu vo-Lo enviarei” (Jo 16, 7)?
É preciso distinguir entre “enviar” e “dar”. No presente versículo, Jesus “dá” aos Apóstolos o Espírito Santo com o único objetivo — conforme veremos a seguir — de conferir-lhes o poder de perdoar os pecados, um dos vários dons do mesmo Espírito. Em Pentecostes, sim, foi “enviado” sobre Maria e as demais pessoas reunidas no Cenáculo, o Espírito Santo, com seus dons.
A esse propósito diz Santo Agostinho: “O sopro corporal da boca [de Cristo] não foi a substância do Espírito Santo, mas uma conveniente demonstração de que o Espírito Santo não procede somente do Pai, mas também do Filho” (7).
E São Gregório Magno acrescenta: “Por que razão Ele O dá a seus discípulos, primeiro quando ainda está na terra, para depois o enviar do Céu? Porque são dois os preceitos da caridade: o do amor a Deus e o do amor ao próximo. Na terra foi dado o Espírito de amor ao próximo, e do Céu, o Espírito de amor a Deus; (...) porque o amor ao próximo nos ensina como podemos chegar ao amor a Deus” (8).
O Sacramento da Reconciliação
23 “Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados, àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos”.
Quando se realiza uma ordenação sacerdotal, o bispo ordenante profere as palavras desses dois versículos (22 e 23), pelas quais os sacerdotes são constituídos ministros do Sacramento da Penitência e juízes dos pecados, com a faculdade de retê-los ou de perdoá-los. Ministério de indizível elevação, mas que exige luzes, prudência, pureza de coração e, sobretudo, zelo pelas almas. “Noblesse oblige!”, dizem os franceses. E isso a tal ponto que São João Crisóstomo chega a opinar: “Um sacerdote que levasse uma vida bem ordenada, mas não cuidasse com diligência da dos outros, seria condenado com os réprobos” (9).
Por outro lado, esse ministério pervade de consolação o coração dos fiéis, pois, apesar de tornar-lhes necessária a confissão, confere-lhes a certeza do perdão. E mesmo se retiver algum pecado, o sacerdote assim procederá para melhor proveito do penitente, quando, de futuro, este se vir perdoado. Nós hoje tomamos com naturalidade essa incomensurável dádiva de termos à disposição nossa o Sacramento da Reconciliação, mas é ele tão extraordinário que nossa limitada inteligência não alcança circundá-lo inteiramente.
O apóstolo incrédulo
24 Tomé, um dos doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. 25 Os outros discípulos disseram-lhe: “Vimos o Senhor!” Mas ele respondeu-lhes: “Se não vir nas suas mãos a abertura dos cravos, se não meter a minha mão no seu lado, não acreditarei”.
Embora não haja uma expressa indicação nos Evangelhos, deduz-se pelos fatos narrados que os Apóstolos se dispersaram durante a Paixão. Ademais, parece que não viviam juntos em Jerusalém até a ordem dada pelo Senhor por ocasião da Ascensão (10). A terrível acusação de violadores do Santo Sepulcro — uma das mais criminosas ações, punida com pesadas penas —, lançada pelo Sinédrio contra eles, levou-os a buscar formas de segurança pessoal, em extremo cautelosas. Por essas razões, reuniam-se somente em ocasiões esporádicas. Em concreto, com São Tomé aconteceu que não procurou os outros e nem soube das notícias sobre as diversas aparições, por puro temor das perseguições. A isso se deve sua ausência durante a primeira aparição de Jesus aos Apóstolos.
Nenhum motivo válido tinha Tomé para não crer em tão numerosas e fidedignas testemunhas. Percebe-se nele uma imaginação fértil acompanhada de robusta obstinação, dificultando-lhe qualquer conclusão, por mais óbvia que fosse. Além disso é preciso notar sua presunção, pois coloca como condição para sua fé: “Se não vir ... se não meter o meu dedo ... e não meter a minha mão”. É uma verdadeira temeridade. Tomé determina quais devem ser os caminhos de Deus, e, se não forem observadas as condições por ele impostas, não crerá. O Senhor deverá render-se à sua vontade.
Continua...

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Evangelho 2º Domingo de Páscoa ano B - Continuação

20 Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos alegraram- se muito ao ver o Senhor.
Tudo leva a crer que estavam dez Apóstolos no Cenáculo, e, como anteriormente comentávamos, um forte medo dominava a todos. Embora João omita a afirmação de Lucas: “Acreditavam estar vendo um espírito”, a pergunta que Jesus lhes faz mostra o estado de espírito em que se encontravam: “Por que vos perturbais? (24, 37-38). Compreende-se o temor de todos, vendo o Senhor entrar quando estavam bem fechadas as portas e janelas, pois não conheciam ainda o ensino teológico a respeito das características dos corpos gloriosos, e nem sequer lhes cruzava a mente uma consideração que seria formulada por Santo Agostinho nos seguintes termos: “As portas fechadas não podiam impedir a passagem a um corpo no qual habitava a Divindade; assim pôde penetrar as portas Aquele que, ao nascer, deixou imaculada sua Mãe” (4).
“Mostrou-lhes as mãos e o lado”
Essa é a razão pela qual Ele chama a atenção dos Apóstolos para suas chagas, ou seja, para tornar patente tratar-se de Quem foi crucificado, morreu e ressuscitou. Os autores são unânimes a propósito dessa observação, como, por exemplo, Santo Agostinho: “Os cravos haviam transpassado as mãos, a lança havia aberto o costado, e as feridas foram conservadas para curar o coração dos que duvidavam” (5).
Três questões emergem deste versículo:
1) Como foi possível aos Apóstolos contemplar a glória de Jesus ressurrecto, sendo que, no Tabor, três deles não haviam suportado vê-Lo em sua transfiguração?
A isso responde Santo Agostinho: “É de crer-se que a claridade com a qual, como o sol, resplandecerão os justos em sua ressurreição, foi velada no corpo de Cristo ressurrecto aos olhos dos discípulos, porque a debilidade do olhar humano não a teria podido suportar, e era necessário que eles O reconhecessem e ouvissem” (6).
2) Sendo as cicatrizes um defeito produzido por ferimentos, como puderam se conservar no Sagrado Corpo do Senhor?
Das mais variadas formas se expressam os autores a esse respeito, mas são concordes em observar que se trata de cicatrizes de triunfo e, portanto, gloriosas e não defectivas. No Céu, todos os mártires trarão à mostra suas cicatrizes como símbolo triunfante de seu testemunho, tal qual na terra o fazem os militares vencedores em suas batalhas.
3) Os Apóstolos apenas viram as chagas, ou também as tocaram? Tomé terá sido o único a apalpar as cicatrizes do Senhor?
O Evangelista João afirma apenas que Jesus mostrou suas chagas. Lucas vai mais longe: “Apalpai e vede, porque um espírito não tem carne nem osso” (24, 39).
Entretanto, o dito de São João em sua primeira Epístola: “O que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos, o que tocamos com as nossas mãos relativamente ao Verbo da Vida” (1, 1), e a condição posta por São Tomé para dar sua adesão de fé: “Se não vir nas suas mãos ... se não meter a minha mão” (v. 25), levam os autores à conclusão de que, de fato, não só Tomé, mas também os outros tocaram nas Santas Chagas de Jesus.
Qual não deve ter sido a consolação dos Apóstolos ao tocarem no Sagrado Corpo do Salvador? Nós hoje temos a graça, não de tocá-Lo, mas, muito mais, de recebê-Lo em comunhão.
Oh! sacrossantas chagas, manancial de toda santidade, quantos dons receberam os Apóstolos ao tocá-las!
Sem embargo, o fato de Jesus as haver mostrado nessa ocasião não significa que Ele deva sempre ostentar os sinais de sua Paixão. Apareceu como um peregrino aos discípulos de Emaús, e, para a fé robusta de Madalena, não só Se apresentou sem as chagas, como não lhe permitiu que O tocasse, para não diminuir os seus méritos. Aos Apóstolos, convida-os a apalparem-nas por razões didáticas. A forma de apresentar-Se depende de sua vontade e conveniência. A alegria que sentiram eles, nessa ocasião, era o cumprimento da promessa do próprio Salvador: “Outra vez vos verei e alegrar-se-á vosso coração” (Jo 16, 22).

Continua...

quarta-feira, 11 de abril de 2012

2º Domingo da Páscoa Ano B Jo 20, 19-31

Estando as portas fechadas”
19 Chegada a tarde daquele mesmo dia, que era o primeiro da semana, e estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se  encontravam juntos, por medo  dos judeus, foi Jesus, colocou-Se  no meio deles e disse-lhes: “A paz  esteja convosco!”
Devido a motivos vários, a redação dos Evangelhos, embora de uma precisão insuperável, é sintética. Por um sábio sopro do Espírito Santo, seus autores escolhem não só os termos ideais, como também os aspectos essenciais e mais importantes dos episódios narrados para transmitir aos fiéis a mensagem inspirada. Vemos, por exemplo, como é expressiva esta sucinta afirmação: “Estando fechadas as portas”.
Medo e insegurança dos Apóstolos
Muitos são os comentaristas que ressaltam esse particular. Beda mostra que o motivo da dispersão dos Apóstolos, por ocasião da Paixão — o temor dos judeus —, é o mesmo que os mantém depois reunidos e com as portas fechadas. Segundo Crisóstomo, o medo entre eles deveria ter aumentado de intensidade, ao cair da tarde. E, realmente, é provável que a insegurança tenha pervadido as almas de todos a partir da comunicação de Madalena e da constatação de Pedro e João, ou seja, de que o Corpo do Divino Mestre desaparecera do sepulcro. Na certa o Sinédrio tomaria medidas de represálias ao ser informado do acontecimento pelos guardas.
O medo é quase sempre um fator de aglutinação, e às vezes de dispersão. Esta última já se havia verificado. Entretanto, perseguidos pela dor de consciência e pela perda completa de rumo na qual haviam mergulhado, só mesmo reunidos poderiam eles obter uma certa sustentação moral. O instinto de sociabilidade exigia essa junção de todos diante da grande perplexidade causada pelos trágicos acontecimentos daqueles dias.
Esses são os aspectos de ordem natural e psicológica que explicam aquela situação. Entretanto, de maior relevância são os desígnios de Deus.
Demonstração irrefutável da Ressurreição
O medo que, por uma eficaz ação da graça, não encontrara acolhida no coração de Maria Madalena nem nos dos Discípulos de Emaús, penetra no âmago dos Apóstolos, mesclando-se com as angústias de tantos sofrimentos acumulados. Qual a razão disso? Se para uns a Providência reservava provas de muito consolo e carinho, para outros estava destinada a demonstração de uma irrefutável e autêntica ressurreição. Portas trancadas e intransponíveis tornavam evidentes as qualidades do glorioso estado do corpo do Salvador. Dessa opinião compartilham autores de peso, como, por exemplo, Teófilo, ao fazer notar como Jesus penetrou naquele recinto fortemente trancado usando a mesma capacidade pela qual havia saído do sepulcro. Santo Agostinho faz uma aproximação entre o nascer do Divino Infante, que deixou o claustro materno de Maria Santíssima sem tocar em sua Virgindade, e esta penetração no ambiente dos Apóstolos, afirmando que nada poderia impedir a passagem de um corpo habitado pela Divindade.
Características do corpo glorioso
De fato, a Teologia nos ensina que a glória do corpo encontra sua causa na glória da alma, pois, sendo o homem uma criatura mista, é indispensável que tanto o corpo quanto a alma sejam objeto da glorificação celeste; portanto, é essencial que quando a alma é glorificada, também o corpo o seja. Essa é a doutrina claramente expressa por São Tomás de Aquino:
“Vemos que da alma quatro coisas provêm ao corpo, e tanto mais perfeitamente quanto mais vigorosa é a alma. Primeiramente lhe dá o ser; portanto, quando a alma alcançar o sumo da perfeição, dar-lhe-á um ser espiritual. Segunda, preserva-o da corrupção (...); logo, quando ela for perfeitíssima, conservará o corpo inteiramente impassível. Terceira, lhe dá formosura e esplendor (...); e quando chegar à suma perfeição, tornará o corpo luminoso e refulgente. Quarta, lhe dá movimento, e tanto mais ligeiro será o corpo quanto mais potente for o vigor da alma sobre ele. Por isso, quando a alma já estiver no extremo de sua perfeição, dará ao corpo agilidade” (1).
Eis aí o resultado dessa entranhada união, na qual a alma é a forma do corpo. Neste estado de prova em que nos encontramos, quase sempre o corpo é um lastro e um obstáculo para os vôos da alma, tal qual nos diz o Evangelho: “O espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26, 41). Mas, na bem-aventurança eterna, o corpo espiritualizado estará plenamente harmonizado com a alma, a qual terá um domínio absoluto sobre todos os movimentos corpóreos, e nisso consistirá sua agilidade. Os próprios sentidos físicos, dentro de sua natureza, poderão ser usados pela alma conforme queira deles dispor. Por isso, após nossa ressurreição, poderemos passear pelos astros e estrelas sem auxílio de nenhuma nave espacial; e, no extremo oposto, ser-nos-á facílimo contemplar as moléculas ou os átomos constitutivos de uma bela pedra preciosa.
Deixando de lado as outras características dos corpos gloriosos — aliás, também elas extraordinariamente maravilhosas —, para nos encantar bastaria considerarmos esta: a sutileza, utilizada pelo Salvador, ao entrar no recinto do Cenáculo através das “portas fechadas”. Explica-nos São Tomás que os corpos gloriosos terão “cada vez e sempre que o queiram” a faculdade de passar, ou não, através de outros corpos (2). Cita a este propósito precisamente a saída de Jesus ressurrecto do Santo Sepulcro, como também sua entrada no Cenáculo com portas fechadas, que ora analisamos, além de seu Nascimento (3).


Jesus os cumprimenta desejando-lhes a paz

Os Apóstolos estavam mergulhados numa dolorosa orfandade e Jesus tinha pena do grande sofrimento que lhes ocasionava aquela circunstância, por isso não deixa o dia terminar sem Se mostrar mais uma vez aos homens. Anteriormente fizera-Se ver pelas santas mulheres, por Pedro e pelos discípulos de Emaús. Dessa vez, à noite, apresenta-Se aos Apóstolos reunidos, “estando fechadas as portas”, e assim torna patente sua miraculosa ressurreição.

Jesus aproveitou a chegada da noite, pois era o momento em que todos estariam juntos, e colocou-Se no meio deles, para assim poder ser mais bem analisado por todos.

Segundo um belo comentário de São Gregório Nazianzeno, Jesus os cumprimenta desejando-lhes a paz — o que, aliás, era comum entre os judeus — não só para ser por eles reconhecido imediatamente como também para servir-nos de exemplo. Só mesmo àqueles que fecham as portas da alma às deletérias influências do mundo, Cristo aparece oferecendo-lhes os consolos da verdadeira paz.

Portas trancadas e intransponíveis tornavam evidentes as qualidades do glorioso estado do corpo do Salvador


Continua...

terça-feira, 10 de abril de 2012

Sofrendo por Nosso Senhor, O ajudamos a carregar a cruz


E nós, podemos carregar a cruz de Nosso Senhor? Do madeiro em que Ele foi pregado resta apenas um pedaço, em Roma, do qual se extraem fragmentos de um valor moral e religioso inapreciável: são as relíquias do Santo Lenho. Mas, a grande cruz em que o Salvador morreu, esta não existe mais. Como podemos, então, carregá-la?

Há inúmeros modos de fazê-lo, pois inúmeros são os tipos de sofrimento pelos quais passamos. E quando padecemos por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, estamos carregando com Ele o Santo Lenho. Sejam as penas físicas que se abatem sobre nós, sejam as dores e provações morais, sejam os desprezos e malquerença de que somos objetos por nossa fidelidade à Igreja Católica, sejam ainda os duros esforços que, não raras vezes, nos custa a prática exímia dos Mandamentos: sempre que o sofremos, é um passo a mais que damos junto com o Divino Redentor, aliviando-Lhe o peso da cruz.

Cumpre, porém, não nos esquecermos de outra verdade. Ajudando assim a Jesus na sua Via Crucis, a exemplo de Simão Cireneu, estaremos, como este, nos tornando merecedores de uma recompensa demasiadamente grande, de um prêmio de valor incomensurável, que o próprio Salvador nos tem reservado no Céu.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Ressurreição e felicidade eterna

“Ora, se se prega que Jesus ressuscitou dentre os mortos, como dizem alguns de vós que não há ressurreição de mortos?”
Antes de ser ensinada e difundida pela Igreja Católica, a crença na ressurreição dos corpos era motivo de grande perplexidade para as religiões e os filósofos pagãos do mundo antigo. Sem acreditar na imortalidade da alma humana, eles estavam convencidos de que, com a morte, uma pessoa ou desaparecia completamente, ou algo dela se reincorporaria — perdendo a identidade consigo mesma — na natureza ou num deus impessoal existente alhures.
Surpreendente doutrina que dividiu o mundo antigo
Com o advento do Cristianismo e a pregação dos Apóstolos, a doutrina da ressurreição dos mortos causou imensa atração. Com efeito, a ideia de que o homem é constituído por uma alma espiritual e um corpo material, e a noção de que um Deus onipotente ressuscitará a todos nós por toda a eternidade, como ressuscitou a Si mesmo, reunindo novamente em cada pessoa os dois elementos que a compõem — era de molde a surpreender e a maravilhar aqueles povos da antiguidade.
Porém, diante do Evangelho, ou seja, da boa notícia de que o Verbo de Deus se tinha feito carne, nos havia remido, ressuscitara e abrira o caminho da ressurreição para todos nós, os espíritos se dividiram. Uns se mostravam antipáticos ao novo ensinamento, preferindo suas velhas convicções de que a existência do homem termina com sua morte e, portanto, tratava-se de prolongar e aproveitar ao máximo a vida terrena.
Outros, mais elevados, mais alígeros, pensavam: “Depois da série de tormentos que suportamos neste mundo, eu julgava que me afundaria no negrume da sepultura, desfazendo-me no nada. E agora vem um homem chamado Pedro e me diz que ele tem as chaves do reino dos Céus! E me ensina que haverá essa ressurreição gloriosa, que um dia, cheio de luz, eu me levantarei da sepultura para uma felicidade da qual as coisas terrenas nem sequer dão uma ideia!? Que maravilha!”
Compreende-se que a nova doutrina causasse essa divisão em duas famílias de almas.
Aconteceu, então, que os da primeira, mais numerosos, mais poderosos, começaram a desafiar e a perseguir os da segunda: surgiram os mártires do tempo do Império Romano. Homens e mulheres convertidos ao cristianismo, até ontem respeitados e venerados por seus semelhantes, agora se encontram ali, na arena do Coliseu, semi-desnudos, invectivados e vaiados por uma multidão enraivecida. Por quê? Porque abraçaram a crença na vida eterna.
Belezas que envolvem a ressurreição dos mortos
Não é difícil, pois, imaginar o drama e a reviravolta que a pregação da ressurreição provocou na velha humanidade. Como não é difícil nos darmos conta de que não podemos tomar como banalidade o que deixou pasmo um antigo, perplexo um imperador romano, o que causava dor de cabeça a um filósofo pagão, e fazia estremecer de alegria um ancião ou uma criança inocente. Antes, devemos sempre ter presente toda a beleza que essa verdade encerra, e o quanto ela foi, ao longo da história da Igreja, ensinada e fundamentada pelos maiores e mais ilustres expoentes da Teologia católica.
Para não nos estendermos, basta evocarmos o pensamento do grande São Tomás de Aquino, que prova a ressurreição com argumentos tirados da razão natural e da Escritura: é fato revelado pelo Espírito Santo. E ele apresenta como um dos elementos da Revelação esta frase de São Paulo: “Quando tu semeias, não semeias o corpo da planta que há de nascer, mas semeias o mero grão”. A interpretação fantástica dada pelo Doutor Angélico: o grão é o cadáver e a planta que nascerá é o homem ressurrecto, saído daquele. Esta sentença se ajusta de modo magnífico às palavras de Nosso Senhor no Evangelho: “Se o grão não se decompor, não frutifica”. Quer dizer, enquanto o homem não termina a sua batalha neste mundo e morre, dele não brotará o fruto da sua própria ressurreição.
Assim, quando se fecha a tampa do caixão contendo um cadáver, devemos ter o seguinte pensamento, inspirado pela Fé: “Se é verdade que a morte representa um castigo, verdade é também que aqui está uma semente para a ressurreição”.
Nisto devemos ver, também, como é bela a continuidade de uma vida humana levada na virtude e no amor a Deus, de uma existência virtuosa que passa sobre a morte com os olhos postos nas glórias da ressurreição. É essa verdade que nos incute ânimo, que nos explica a vida, que nos faz seguir sempre em frente, rumo ao encontro da eterna e completa felicidade.
Felicidade esta que o mesmo São Tomás aduz como mais uma prova da ressurreição. Posto que o homem procura como meta final a alegria perfeita, a qual não pode ser achada senão na eterna bem-aventurança, tem de haver uma vida após a morte e uma ressurreição da carne. Sob pena de que tudo neste universo seja coisa errada, fracassada, e sem sentido.
De fato, para que viver, se não existe este objetivo de alcançar a felicidade sem limites, infinita, sem sombras, onde compreendemos eternamente, na medida de nós mesmos, o eterno, o insondável e perfeitíssimo que é Deus? Ver Deus em Deus, ver Deus na pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, vê-Lo em Nossa Senhora, nos Anjos e nos santos!
Esta é a autêntica alegria. O que não for isto, é burla em matéria de felicidade.
Portanto, com o auxílio e o amparo da Santíssima Virgem, chegará para todos nós o dia em que nossas almas estarão definitiva e perenemente unidas aos nossos corpos. As dores e os júbilos efêmeros desta vida terão passado, nós estaremos no Céu por todo o sempre.
Alegria da Páscoa, prenúncio de nossa ressurreição
Para concluir, vem a propósito evocar uma vez mais o ensinamento de São Tomás de Aquino. Ele se pergunta se a ressurreição dos homens tem como causa a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, e responde pela afirmativa. Ou seja, até Nosso Senhor, ninguém havia entrado no Céu. Somente depois da Paixão, Morte e Ressurreição do Cordeiro de Deus é que foram franqueadas para a humanidade as portas da bem-aventurança eterna. E o dia da Páscoa é a festa por excelência da Ressurreição d’Ele, mas traz no seu cortejo a perspectiva da ressurreição de todos os homens no dia do magno Juízo.
Então se compreende que na alegria pascal, tão característica, temos um pouco do prenúncio de nossa própria ressurreição, e este sentimento se reflete no modo católico de viver o dia da festa da Ressurreição de Jesus.

domingo, 8 de abril de 2012

Manifestação da infinita misericórdia divina


Deus se compadeça de nós e nos abençoe. Faça resplandecer sobre nós a luz de sua face e tenha piedade de nós. Senhor, nós adoramos a vossa cruz.

A beleza dessas frases está em que os Impropérios poderiam nos causar atitude de alma quase de liquidação, de prostração, porém a liturgia nos lembra o contrário. Deus é a fonte de todas as misericórdias. Daí o reiterado pedido: Tenha piedade de nós!

Nosso Senhor se compadece de nós, mas deseja receber a nossa súplica nesse sentido. O Redentor nos salvará se soubermos recorrer a Ele por meio das lágrimas e preces de Nossa Senhora, Medianeira Universal. Portanto, tenhamos coragem, confiança e ânimo.

Em determinado momento, receberei uma graça tão insigne que serei limpo de meus pecados e defeitos espirituais. Donde a beleza do pedido: “Deus faça resplandecer sobre nós a sua face”, exprimindo o fato de que Deus, ao se alegrar com os homens, volta sua face para eles e tudo se torna fácil, suave, brilhante. Pelo contrário, nas épocas de castigo, o Altíssimo desvia seu rosto e não olha para os homens, como se o sol desaparecesse...

Nosso Senhor Jesus Cristo volta para nós sua face divina — não mais com aquele aspecto sublime e sob certo ângulo um tanto terrificante do Santo Sudário — com semblante de misericórdia, com bondade e perdão, como fitou São Pedro. E neste momento, em que também o rosto de Nossa Senhora se dirige para nós, a graça nos ilumina, sentimos piedade, devoção, como que ressurgimos e nossa vida espiritual ganha novo impulso.