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quarta-feira, 11 de abril de 2012

2º Domingo da Páscoa Ano B Jo 20, 19-31

Estando as portas fechadas”
19 Chegada a tarde daquele mesmo dia, que era o primeiro da semana, e estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se  encontravam juntos, por medo  dos judeus, foi Jesus, colocou-Se  no meio deles e disse-lhes: “A paz  esteja convosco!”
Devido a motivos vários, a redação dos Evangelhos, embora de uma precisão insuperável, é sintética. Por um sábio sopro do Espírito Santo, seus autores escolhem não só os termos ideais, como também os aspectos essenciais e mais importantes dos episódios narrados para transmitir aos fiéis a mensagem inspirada. Vemos, por exemplo, como é expressiva esta sucinta afirmação: “Estando fechadas as portas”.
Medo e insegurança dos Apóstolos
Muitos são os comentaristas que ressaltam esse particular. Beda mostra que o motivo da dispersão dos Apóstolos, por ocasião da Paixão — o temor dos judeus —, é o mesmo que os mantém depois reunidos e com as portas fechadas. Segundo Crisóstomo, o medo entre eles deveria ter aumentado de intensidade, ao cair da tarde. E, realmente, é provável que a insegurança tenha pervadido as almas de todos a partir da comunicação de Madalena e da constatação de Pedro e João, ou seja, de que o Corpo do Divino Mestre desaparecera do sepulcro. Na certa o Sinédrio tomaria medidas de represálias ao ser informado do acontecimento pelos guardas.
O medo é quase sempre um fator de aglutinação, e às vezes de dispersão. Esta última já se havia verificado. Entretanto, perseguidos pela dor de consciência e pela perda completa de rumo na qual haviam mergulhado, só mesmo reunidos poderiam eles obter uma certa sustentação moral. O instinto de sociabilidade exigia essa junção de todos diante da grande perplexidade causada pelos trágicos acontecimentos daqueles dias.
Esses são os aspectos de ordem natural e psicológica que explicam aquela situação. Entretanto, de maior relevância são os desígnios de Deus.
Demonstração irrefutável da Ressurreição
O medo que, por uma eficaz ação da graça, não encontrara acolhida no coração de Maria Madalena nem nos dos Discípulos de Emaús, penetra no âmago dos Apóstolos, mesclando-se com as angústias de tantos sofrimentos acumulados. Qual a razão disso? Se para uns a Providência reservava provas de muito consolo e carinho, para outros estava destinada a demonstração de uma irrefutável e autêntica ressurreição. Portas trancadas e intransponíveis tornavam evidentes as qualidades do glorioso estado do corpo do Salvador. Dessa opinião compartilham autores de peso, como, por exemplo, Teófilo, ao fazer notar como Jesus penetrou naquele recinto fortemente trancado usando a mesma capacidade pela qual havia saído do sepulcro. Santo Agostinho faz uma aproximação entre o nascer do Divino Infante, que deixou o claustro materno de Maria Santíssima sem tocar em sua Virgindade, e esta penetração no ambiente dos Apóstolos, afirmando que nada poderia impedir a passagem de um corpo habitado pela Divindade.
Características do corpo glorioso
De fato, a Teologia nos ensina que a glória do corpo encontra sua causa na glória da alma, pois, sendo o homem uma criatura mista, é indispensável que tanto o corpo quanto a alma sejam objeto da glorificação celeste; portanto, é essencial que quando a alma é glorificada, também o corpo o seja. Essa é a doutrina claramente expressa por São Tomás de Aquino:
“Vemos que da alma quatro coisas provêm ao corpo, e tanto mais perfeitamente quanto mais vigorosa é a alma. Primeiramente lhe dá o ser; portanto, quando a alma alcançar o sumo da perfeição, dar-lhe-á um ser espiritual. Segunda, preserva-o da corrupção (...); logo, quando ela for perfeitíssima, conservará o corpo inteiramente impassível. Terceira, lhe dá formosura e esplendor (...); e quando chegar à suma perfeição, tornará o corpo luminoso e refulgente. Quarta, lhe dá movimento, e tanto mais ligeiro será o corpo quanto mais potente for o vigor da alma sobre ele. Por isso, quando a alma já estiver no extremo de sua perfeição, dará ao corpo agilidade” (1).
Eis aí o resultado dessa entranhada união, na qual a alma é a forma do corpo. Neste estado de prova em que nos encontramos, quase sempre o corpo é um lastro e um obstáculo para os vôos da alma, tal qual nos diz o Evangelho: “O espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26, 41). Mas, na bem-aventurança eterna, o corpo espiritualizado estará plenamente harmonizado com a alma, a qual terá um domínio absoluto sobre todos os movimentos corpóreos, e nisso consistirá sua agilidade. Os próprios sentidos físicos, dentro de sua natureza, poderão ser usados pela alma conforme queira deles dispor. Por isso, após nossa ressurreição, poderemos passear pelos astros e estrelas sem auxílio de nenhuma nave espacial; e, no extremo oposto, ser-nos-á facílimo contemplar as moléculas ou os átomos constitutivos de uma bela pedra preciosa.
Deixando de lado as outras características dos corpos gloriosos — aliás, também elas extraordinariamente maravilhosas —, para nos encantar bastaria considerarmos esta: a sutileza, utilizada pelo Salvador, ao entrar no recinto do Cenáculo através das “portas fechadas”. Explica-nos São Tomás que os corpos gloriosos terão “cada vez e sempre que o queiram” a faculdade de passar, ou não, através de outros corpos (2). Cita a este propósito precisamente a saída de Jesus ressurrecto do Santo Sepulcro, como também sua entrada no Cenáculo com portas fechadas, que ora analisamos, além de seu Nascimento (3).


Jesus os cumprimenta desejando-lhes a paz

Os Apóstolos estavam mergulhados numa dolorosa orfandade e Jesus tinha pena do grande sofrimento que lhes ocasionava aquela circunstância, por isso não deixa o dia terminar sem Se mostrar mais uma vez aos homens. Anteriormente fizera-Se ver pelas santas mulheres, por Pedro e pelos discípulos de Emaús. Dessa vez, à noite, apresenta-Se aos Apóstolos reunidos, “estando fechadas as portas”, e assim torna patente sua miraculosa ressurreição.

Jesus aproveitou a chegada da noite, pois era o momento em que todos estariam juntos, e colocou-Se no meio deles, para assim poder ser mais bem analisado por todos.

Segundo um belo comentário de São Gregório Nazianzeno, Jesus os cumprimenta desejando-lhes a paz — o que, aliás, era comum entre os judeus — não só para ser por eles reconhecido imediatamente como também para servir-nos de exemplo. Só mesmo àqueles que fecham as portas da alma às deletérias influências do mundo, Cristo aparece oferecendo-lhes os consolos da verdadeira paz.

Portas trancadas e intransponíveis tornavam evidentes as qualidades do glorioso estado do corpo do Salvador


Continua...

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