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quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Evangelho: Os discípulos de Emaús I

No mesmo dia, caminhavam dois deles para uma aldeia, chamada Emaús, distante de Jerusalém sessenta estádios. 14 Iam falando sobre tudo o que se tinha passado.
Pelo seu estilo e delicadeza de narração, este é um dos mais belos relatos do terceiro Evangelho. De outro lado, contém ele uma excelente prova da ressurreição de Jesus. Quanto à cidadezinha de Emaús, há uma dezena de hipóteses sobre sua real localização, e não se têm elementos para saber qual a verdadeira. Retenhamos apenas a distância de sessenta estádios que equivale a 11,5 km.
Provavelmente esses dois discípulos, como também outros israelitas, haviam se deslocado para Jerusalém a fim de cumprir os primeiros ritos pascais e, depois de visitarem os Apóstolos, retornavam à sua cidade de origem, no próprio dia da Ressurreição do Senhor.
Alguns Padres da Igreja levantam a hipótese de ser o próprio São Lucas um dos dois, e assim se entenderia melhor o motivo pelo qual ele não quis mencionar o nome do segundo discípulo.
Sucedeu que, quando eles iam conversando e discorrendo entre si, aproximou-Se deles o próprio Jesus e caminhou com eles.
O Divino Mestre havia prometido, em vida, estar presente quando dois ou mais estivessem reunidos em seu nome (1), eis aqui o cumprimento de suas palavras. Foi a conversa entre ambos o fator que atraiu o Redentor a se agregar a eles.
É interessante notar o agrado de Jesus junto aos dois, assim como o recíproco intuito apostólico de lado a lado. Um dos intentos do Divino Mestre era o de robustecer a fé de seus discípulos. Por isso, operando de maneira oculta, “aproximou-Se e caminhou com eles”.
Os seus olhos, porém, estavam como que fechados, de modo que não O reconheceram.
São Lucas nos fornece a hipótese de estarem os olhos dos dois discípulos impedidos de reconhecer o Salvador devido a uma virtude sobrenatural semelhante àquela que havia agido sobre Santa Maria Madalena no Sepulcro (2).
Entretanto, São Marcos afirma que Jesus “apareceu sob outra forma” (Mc 16, 12), ou seja, com fisionomia e talvez até roupas diferentes das que costumava usar. Estas duas versões parecem ser contraditórias à primeira vista e se prestaram durante muito tempo a duas interpretações diferentes.
Hoje, porém, os exegetas são unânimes em atribuir a um efeito do corpo glorioso de Jesus o fato de — tanto nesses dois casos quanto no da aparição aos Apóstolos junto ao Mar de Tiberíades (3) — Ele não ter sido reconhecido.
E por quê? Detenhamo-nos um pouco sobre este particular para melhor entender o que realmente se passou.
A glória do corpo não é mais do que uma conseqüência e redundância da glória da alma”, diz-nos o grande teólogo Pe. Antonio Royo Marin, OP (4). Em Jesus, esta lei ficou misteriosamente suspensa até o momento da Ressurreição, pois queria Ele ter padecente seu corpo, a fim de poder sofrer.
Desde sua criação, a alma do Salvador sempre esteve na visão beatífica e, portanto, também seu Corpo Sagrado deveria encontrar-se no estado de glória. Ele criou a lei e impediu que se Lhe fosse aplicada. Ora, ao ressurgir dentre os mortos, Ele assumiu seu Corpo glorioso.
É essencial ao homem, a fim de gozar a bem-aventurança eterna, que tanto a alma quanto o corpo sejam glorificados. E assim como nesse novo e último estágio a alma se torna ainda mais semelhante a Deus, o corpo adquire as características da alma.
Ele será impassível, ou seja, não terá a menor enfermidade, dor ou incômodo, nem sequer do mais abrasador dos fogos, ou do mais rigoroso frio, ou até mesmo em meio à impetuosidade das águas; será, portanto, imortal (5). Gozará de sutileza, obedecendo sem resistência aos mínimos anseios da alma, sem sentir o próprio peso nem sofrer a ação da gravidade. Terá agilidade, deslocando-se com a velocidade da imaginação. Por fim, o dom que mais especialmente nos interessa para compreender este versículo, a claridade, devida aos efeitos resplandecentes da suprema felicidade da alma sobre o corpo: “Os justos brilharão como o sol no reino de seu Pai” (Mt 13, 43).
Ora, como a alma exercerá um domínio absoluto sobre o corpo, suspenderá segundo seu desejo a manifestação deste ao exterior de modo que possa ser visto ou não, tocado ou não, segundo ela determine (6).
Eis aí as razões pelas quais os dois discípulos não reconheceram Jesus ao longo de todo o percurso. “Alguns autores pensam que uma ação sobrenatural era que lhes impedia reconhecer Cristo. Mas a frase do Evangelho [“seus olhos, porém, estavam como que fechados”], não exige que tenha se dado uma ação desse gênero. Aconteceu simplesmente que Cristo ressuscitado apareceu-lhes em corpo glorioso, sob uma forma não mais comum e corrente” (7). Ou então, segundo o comentário de Teófilo: “Apesar de ser o mesmo corpo que havia padecido, já não era visível para todos, senão unicamente para aqueles que Ele quisesse que o vissem; e para que não duvidassem que doravante já não viveria entre a gente, porque seu modo de vida depois da ressurreição já não era humano, mas mais bem divino, uma pré-figura da futura ressurreição, na qual viveremos como anjos e filhos de Deus” (8).

Continua no próximo post

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