Comentários ao Evangelho 24º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 - Lc 15, 1-3 - Continuação
17 “Então caiu em si e
disse: ‘Quantos empregados do meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo
de fome. 18 Vou-me embora, vou voltar para meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei
contra Deus e contra ti; 19 já não mereço ser chamado teu filho. Trata-me como
a um dos teus empregados’”.
Só então, em meio às amargas frustrações do pecado, o jovem
começou a refletir, contrastando a penúria em que se encontrava com a
abundância da casa paterna. Veio-lhe à recordação a bondade e o afeto de seu
pai, o maior bem perdido com a vida desregrada que levara. Suas palavras deixam
transparecer essa disposição de alma, pois se referem não a um simples retorno
ao lar, mas a um desejo de pôr-se novamente sob tal amparo: “Vou voltar para
meu pai”.
No entanto, jamais teria ele decidido abandonar o pecado se não
houvesse a ação da graça em sua alma, pois é impossível ao homem converter-se
movido apenas pela própria força de vontade, conforme sublinha Santo Agostinho:
“Ninguém se arrependeria de seu pecado se não houvesse um chamado de Deus”.12
A inesperada
acolhida
20 “Então ele partiu e
voltou para seu pai. Quando ainda estava longe, seu pai o avistou e sentiu
compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o e cobriu-o de beijos”.
É bem provável que o pai tenha sentido acenderem-se, muitas
vezes, suas esperanças quanto à volta do filho. Dirigia-se, então, a um local
de onde podia divisar os caminhos da região e ali passava longos períodos
rezando, numa confiante espera... Até o dia em que “o avistou e sentiu
compaixão”. O jovem, maltrapilho e com a fisionomia desfigurada pela vida de
pecado, estava bem mudado em relação à última vez que o pai o vira. Muito mais profunda,
todavia, era sua transformação interior. Saíra de casa orgulhoso e julgando-se
autossuficiente; retornava humilde, consciente da própria fraqueza e confiante
na bondade do pai. Tendo corrido ao seu encontro, o pai logo constatou tal
câmbio e, vencendo toda a repugnância que a aparência miserável do filho lhe
causava, não hesitou em manifestar-lhe com profusão seu afeto.
Esta enternecedora cena narrada por Jesus representa, de
maneira eloquente, a acolhida do Pai celeste às almas arrependidas, que não é
senão uma vigorosa manifestação de seu amor infinito. “Com quanta ternura Deus
abraça o pecador que se converte! [...] É o Pai que, ao retornar o filho
perdido, sai a seu encontro, abraça-o, beija-o e, ao recebê-lo, não pode conter
a alegria que o embarga. [...] Mal o pecador se arrepende, lhe são perdoados
seus pecados e [Deus] deles se esquece, como se nunca O tivesse ofendido”,13
ressalta Santo Afonso de Ligório.
Alegria pelo
retorno do filho
21“O filho, então, lhe
disse: ‘Pai, pequei contra Deus e contra ti. Já não mereço ser chamado teu
filho’. 22 Mas o pai disse aos empregados: ‘Trazei depressa a melhor túnica
para vestir meu filho. E colocai um anel no seu dedo e sandálias nos pés. 23
Trazei um novilho gordo e matai-o. Vamos fazer um banquete. 24 Porque este meu
filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado’. E
começaram a festa”.
A boa disposição de alma com que o jovem se apresentava,
reconhecendo com humildade seu erro, era suficiente para o coração paterno
transbordar de contentamento e tomar providências para uma grande comemoração.
Acentuando pela terceira vez a alegria de Deus ao perdoar — personificado aqui
pelo pai —, Nosso Senhor também ensina neste trecho quanto o verdadeiro
arrependimento pode conceder à alma um grau maior de graça do que o perdido com
o pecado,14 pois o filho jamais fora honrado com uma festa de tal porte quando
vivera em casa, antes de perverter-se.
Ainda nesta passagem, nossa atenção se volta para um pequeno
detalhe: qual a procedência do traje que o pai manda trazer para vestir o
filho, em substituição dos andrajos com os quais se cobria, uma vez que o jovem
reunira “tudo o que era seu” antes de partir? Talvez tenha sido retirado dos pertences
do filho mais velho... Nesse caso, aplicar-se-ia a afirmação do Mestre: “Ao que
tem, se lhe dará; e ao que não tem, se lhe tirará até o que tem” (Mc 4, 25).
Nota-se, pois, que embora o caçula estivesse na miséria, possuía algo que havia
muito o primogênito deixara de ter, um bem inestimável: o amor pelo pai. Os
próximos versículos oferecem dados elucidativos que confirmam tal hipótese.
Um filho sem
amor pelo pai
25 “O filho mais velho
estava no campo. Ao voltar, já perto de casa, ouviu música e barulho de dança.
26 Então chamou um dos criados e perguntou o que estava acontecendo. 27 O
criado respondeu: ‘É teu irmão que voltou. Teu pai matou um novilho gordo,
porque o recuperou com saúde’. 28a Mas ele ficou com raiva e não queria
entrar”.
Seria compreensível que, num primeiro momento, o impacto da
festa suscitasse certa indignação no filho mais velho, por lhe trazer à
lembrança a ingratidão do irmão para com o pai e o profundo desgosto que este
sofrera por causa disso. Não obstante, ao se inteirar do júbilo em que ele
agora se encontrava pelo regresso deste irmão, tal sentimento deveria ser logo
controlado e, demonstrando uma consonância afetiva com o pai, teria entrado de
imediato para a festa.
Bem outra, entretanto, foi sua reação. O que a teria
motivado? Sob um prisma humano, o primogênito agira com maior astúcia que o
outro, permanecendo no lar enquanto o irmão se lançava nos riscos do mundo. Em
uma cômoda situação, com todas as necessidades materiais garantidas, servia o
pai por interesse, vivendo em casa mais como um hóspede do que como um filho.
Sua obediência à autoridade paterna se originava em motivos de conveniência e
não no afeto filial. Apesar de estar fisicamente próximo ao pai, encontrava-se
dele separado pelas gélidas distâncias da indiferença. Tal disposição de alma é
indicada por Nosso Senhor ao dizer que o jovem “estava no campo”, ou seja,
dedicado “às obras terrenas, longe da graça do Espírito Santo, alheio aos
desígnios de seu pai”,15 explica São Jerônimo.
Continua no próximo post
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