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sexta-feira, 13 de setembro de 2013

XXIV Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013

Conclusão dos Comentários ao Evangelho 24º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 - Lc 15, 1-32
Conjecturas sobre a atitude do primogênito
Sendo tal seu desamor, é provável ter ele ficado em casa devido a certa ambição de apropriar-se do restante da fortuna do progenitor, quando este viesse a falecer. E, enquanto o mais novo fugira do olhar paterno, indo dissipar seus bens num “lugar distante”, o primogênito, sob a aparência de uma conduta correta, também fazia mau uso dos bens de família, tentando dissimular ao pai os caminhos tortuosos nos quais andava. O acesso de raiva com o retorno do irmão não terá sido, portanto, a manifestação de uma consciência pesada e de uma alma amargurada pelas frustrações do pecado, consumindo-se de inveja ao ver o outro gozando das alegrias do perdão? E não terá sua cólera aumentado ainda mais ao pensar que a reintegração do irmão ao núcleo familiar impediria a realização de sua cobiça, implicando numa nova divisão de bens entre os dois herdeiros?
Por isso, embora a interpretação clássica desta parábola considere os dois filhos como imagem do povo judeu e dos gentios,16 respectivamente, há uma dimensão de significado muito mais ampla em ambas as figuras. O caçula é o pecador público, o qual não esconde seus desregramentos e, para amortecer a consciência, procura esquecer-se de Deus, afastando-se de tudo o que possa reavivá-Lo na lembrança. O primogênito é o pecador oculto, com a fisionomia tranquila e atitudes exteriores conformes à virtude, parecendo justo aos olhos dos homens; por dentro, porém, está cheio de hipocrisia e iniquidade (cf. Mt 23, 28).
28b “O pai, saindo, insistia com ele. 29Ele, porém, respondeu ao pai: ‘Eu trabalho para ti há tantos anos, jamais desobedeci a qualquer ordem tua. E tu nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos. 30 Quando chegou esse teu filho, que esbanjou teus bens com prostitutas, matas para ele o novilho cevado’”.
Esta insolente resposta confirma não se tratar de uma revolta contra os desvarios do irmão, mas sim contra a benevolente acolhida do pai. Julgando-se digno de recompensa e o outro merecedor de castigo, sentia-se injustiçado ao ver a bondade paterna agir de modo diferente, não só perdoando ao faltoso, como também dando-lhe mostras de extremo afeto. É a reação característica daqueles que nunca experimentaram os efeitos do perdão e não conseguem compreender a misericórdia com a qual os outros são tratados. A este filho invejoso, caberia ao pai responder com as palavras postas por Jesus nos lábios do dono da vinha ao dirigir-se aos operários inconformados com o generoso pagamento feito aos trabalhadores da última hora: “Porventura vês com maus olhos que eu seja bom?” (Mt 20, 15). O pai, contudo, até esta desrespeitosa acusação refuta com benignidade.
Aviso aos que rejeitam a misericórdia
31“Então o pai lhe disse: ‘Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. 32 Mas era preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado’”.
Aparece aqui um novo matiz da bondade paterna: esclarecendo o real motivo da festa — não se tratava de uma homenagem aos vícios de quem fora até então esbanjador, e, sim, uma comemoração de seu retorno —, o pai “não leva em consideração o que o filho afirma a respeito de não ter faltado a nenhuma de suas ordens. Ele não confirma ser verdade o que este dissera, mas trata de acalmar sua ira por outro caminho: ‘Filho, tu estás sempre comigo’”.17 Dessa forma, prova ter conhecimento das vias estranhas à virtude em que o filho andava e, ao mesmo tempo, lhe demonstra o quanto também era ele objeto de sua paciência misericordiosa, pois suportava tal hipocrisia e desamor no dia a dia, na confiante espera de uma regeneração.
Finalizando a parábola, Jesus repreendia tacitamente os fariseus e mestres da Lei, apontando a necessidade de sempre ajustar os próprios critérios de acordo com a ação de Deus, nunca analisando o atuar divino segundo a tacanha visualização humana. E, nas entrelinhas da narrativa dava-lhes um aviso, a eles e a todos os que se fecham ao perdão: “Conheço vossos pecados desde toda a eternidade, e desejo perdoar-vos, assim como perdoo a estes que a Mim recorrem. Entretanto, vós vos recusais receber a minha compaixão e vos revoltais ao ver outros beneficiados por ela. Agindo desse modo colocais em risco vossa salvação, porque aos que rejeitam a misericórdia nesta vida está reservada minha justiça na eternidade”.
CONCLUSÃO
A sequência de parábolas apresentada no Evangelho deste 24º Domingo do Tempo Comum surge diante de nós como um prisma através do qual a História da Salvação ganha um colorido especial. Para resgatar a humanidade perdida pelo pecado, o Bom Pastor assumiu nossa natureza, morreu na Cruz, e de seu lado aberto pela lança fez nascer a Igreja, autêntico redil de Cristo, no qual os homens são introduzidos pelas águas do Batismo, conferindo-lhes ainda a superior dignidade de se tornarem filhos de Deus. Dóceis à graça, os homens produziram frutos à altura de sua condição de herdeiros do Céu, construindo uma civilização alicerçada nos ensinamentos do Evangelho.
Sem embargo, com o passar do tempo a humanidade começou a menosprezar essa filiação divina e foi-se afastando do Pai celeste. Em nossos dias, muitos são os que vivem como se Ele não existisse. Entregando-se ao pecado, dissiparam os tesouros que lhes haviam sido confiados com a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo ao mundo e caminharam de desvario em desvario. Se traçássemos um paralelo entre a humanidade atual e o filho pródigo, com tristeza veríamos não estar ela muito distante do estágio no qual, reduzido à completa miséria, o jovem quis se alimentar com as bolotas dos porcos. Permitindo que os homens caiam nos horrores de um mundo contrário à virtude, Deus espera pacientemente o momento exato para lhes conceder as luzes de sua misericórdia, através de uma ação do Espírito Santo. Tal ação lhes fará ver com clareza seu deplorável estado e lhes suscitará as saudades das maravilhas da graça, abandonadas já há tantos séculos.
Os símbolos, porém, sempre claudicam em relação à realidade, e a fé nos faz crer que o futuro dos homens superará em muito o desfecho da parábola, sobretudo por causa de um elemento. Na narração, não aparece uma figura que na História tem papel fundamental: Maria Santíssima, a quem Deus constituiu Advogada e Refúgio dos pecadores, Mãe dos homens. Quando a humanidade pródiga começar a empreender o caminho de volta, essa Mãe virá ao seu encontro e a receberá com incomensurável bondade. Bastará então que Lhe seja dirigida a súplica humilde e confiante: “Pecamos contra Deus e contra Vós; já não merecemos ser chamados vossos filhos. Tratai-nos como se fôssemos servos”. Ela mesma intercederá, então, junto a seu Filho, levando-Lhe o pedido de clemência. Nesse momento em que os homens se apresentarem diante do trono da Divina Misericórdia, colocando-se na condição de escravos da Sabedoria Eterna e Encarnada, pelas mãos de Maria, estará concedido o perdão restaurador.

E assim como o pai festejou o jovem arrependido, Deus tratará como filhos prediletos a estes que se entregarem sem reservas, e promoverá a comemoração inaugural de um novo regime de graças no plano da salvação: o Reino de Maria, era histórica da misericórdia, constituída por almas que, reconhecendo-se pecadoras, se terão deixado transformar pela força do perdão.
1BENTO XVI. Jesús de Nazaret. Primera parte. Desde el Bautismo a la Transfiguración. Bogotá: Planeta, 2007, p.252-253.
2 O espírito objetante de que os fariseus davam mostras em diversas circunstâncias fica insinuado no original grego. O tempo verbal empregado por São Lucas é o imperfeito διεγόγγυζον, indicando continuidade de ação. Não se tratava de um ato, mas de uma constante atitude de crítica.
3SÃO CIRILO, apud SÃO TOMÁS DE AQUINO. Catena Aurea. In Lucam, c.XV, v.1-7.
4SANTO AMBRÓSIO. Tratado sobre el Evangelio de San Lucas. L.VII, n.210. In: Obras. Madrid: BAC, 1966, v.I, p.456.
5SÃO GREGÓRIO MAGNO. Homiliæ in Evangelia. L.II, hom.14, n.17. In: Obras. Madrid: BAC, 1958, p.722.
6 DIONÍSIO AREOPAGITA. La Jerarquía Celeste. C.XIV, 321 A. In: Obras Completas. Madrid: BAC, 1990, p.175.
7 Cf. CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. O Filho Pródigo: Justiça e Misericórdia. In: Arautos do Evangelho. São Paulo. N.27 (Mar., 2004); p.6-11; Comentário ao Evangelho do IV Domingo da Quaresma – Ano C. In: O inédito sobre os Evangelhos. Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2012, v.V, p.223-234.
8 Cf. SÁENZ, SJ, Alfredo. Las Parábolas del Evangelio según los Padres de la Iglesia. La misericordia de Dios. 2.ed. Guadalajara: APC, 2001, p.160-161.
9 SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. Obras Ascéticas. Madrid: BAC, 1954, t.II, p.697.
10Idem, p.698.
11 ROYO MARÍN, OP, Antonio. Teología de la salvación. 3.ed. Madrid: BAC, 1965, p.68-69.
12 SANTO AGOSTINHO. Epistolæ ad Romanos inchoata expositio, n.9. In: Obras. Madrid: BAC, 1959, v.XVIII, p.76.
13 SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO, op. cit., p.699-700.
14 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.89, a.2.
15SÃO JERÔNIMO. Epistola ad Damasum XXI, 28. In: Cartas. Madrid: BAC, 1962, v.I, p.143.
16 Cf. SÃO BEDA. In Lucæ Evangelium. L.IV, c.XV: ML 92, 526; SÃO JERÔNIMO, op. cit., 27, p.142-149; SANTO AGOSTINHO. Sermo CXXXVI, n.8. In: Obras. Madrid: BAC, 1952, v.X, p.520-521; SANTO AMBRÓSIO, op. cit., p.470-472.
17 SÃO JERÔNIMO, op. cit., 34, p.146.

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