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segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

“Se não vos tornardes como meninos..."

Continuação dos comentários  sobre o Evangelho de Natal
O EVANGELHO, TESTEMUNHO DA DIVINDADE DE JESUS
O Evangelho de natal constitui uma das mais belas páginas da Escritura. Em algumas frases, pervadidas de sobrenatural unção, o Apóstolo Virgem sintetiza a história eterna e humana do Verbo de Deus, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Tal qual atestam muitos e famosos autores, trata-se de um hino a Cristo Encarnado, provavelmente escrito sem ter em vista o próprio Evangelho, e talvez até antes deste. Alguns chegam a levantar a hipótese de São João ter intercalado os grupos de versículos 6 a 8, 12 e 13, 15 a 17, quando resolveu adaptar esse canto para utilizá-lo à maneira de prólogo ao seu Evangelho.
Intuito pastoral e polêmico
São João resolveu escrever um quarto relato da vida do Salvador, apesar de já existirem os de Mateus, Lucas e Marcos, pelo seu enorme empenho em provar e documentar a divindade de Jesus, conforme ele mesmo declara: “Outros muitos prodígios fez ainda Jesus na presença de seus discípulos, que não foram escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos a fim de que acrediteis que Jesus é o Cristo, Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome” (Jo. 20, 30-31).
Vê-se claramente, por esta afirmação colocada já quase no fim de seu relato, o quanto o prólogo é uma síntese do Evangelho. E, por diversas razões, não se pode excluir a hipótese de ter o autor um certo intuito polêmico. O Cristianismo já fizera seu curso e — além de doutrinas errôneas panteístas sobre a união das duas naturezas, a divina e a humana, numa só Pessoa — havia também heresias que negavam a realidade da carne de Jesus, (cf. I Jo 4, 1-3), como, por exemplo, uma forma precoce de docetismo, assim descrita pelo próprio São João: “Porque muitos sedutores se têm levantado no mundo, que não confessam que Jesus Cristo tenha vindo em carne; estes tais são os sedutores, são o anti-Cristo” (II Jo 7).
“E o Verbo se fez carne” (v. 14)
É conveniente salientar que, em muitas passagens da Escritura Sagrada, o vocábulo “carne” não tem o significado de carne sem vida, mas é sinônimo de “homem inteiro”, com uma conotação toda especial que visa sublinhar o aspecto de fragilidade da natureza humana. Esta é a razão pela qual não se encontra no prólogo a expressão “se fez homem”, pois deseja o Evangelista acentuar ainda mais a infinita distância entre Deus e a criatura na qual Ele se encarnou. Nem sequer exprimiu-se pelos termos “fez-se corpo”, porque certamente quis evitar que alguém viesse a crer tratar-se Cristo de um ente humano sem vida, animado tão somente pela divindade.
A mesma preocupação dogmático-pastoral de São João — de deixar clara a divindade de Jesus — transparece de certa forma no Evangelho de hoje, pelo emprego dos verbos predominantemente no pretérito imperfeito, até o v. 14. E em contraposição, ao referir-se à Encarnação, ele emprega o pretérito perfeito. Nos primeiros versículos descreve a existência eterna do Verbo (“era”, “estava”, “existia”), e a partir do v. 14 procura tornar clara sua atuação no tempo (“se fez”, “habitou”), ou seja, o Verbo Encarnado é o Mesmo Filho Unigênito gerado pelo Pai, desde toda eternidade.
Pelos motivos anteriormente expostos, São João acrescenta à sua proclamação da Encarnação dois substanciais grupos de testemunhas: o Batista (vs. 6 a 9 e 15) e os próprios Apóstolos (v. 14), indispensáveis para dar solidez à sua argumentação.

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