-->

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Comentários ao Salmo 37

SALMO 37
Senhor, não me repreendas no teu furor, nem me castigues na tua ira.
Porque as tuas setas se me cravaram, e assentaste sobre mim a tua mão.
Não há parte sã na minha carne, por causa da tua ira; não há paz nos meus ossos à vista dos meus pecados.
Porque as minhas iniquidades se elevaram acima da minha cabeça, e como uma carga pesada me oprimiram.
Apodreceram e corromperam-se as minhas chagas, por causa da minha loucura.
Tornei-me miserável e continuamente todo encurvado; todo o dia andava oprimido de tristeza.
Porque as minhas entranhas estão cheias de ilusões, e não há parte alguma sã na minha carne.
Estou aflito e grandemente abatido; o gemido do meu coração arranca-me rugidos.
Ó Senhor, bem vês todos os meus desejos, e o meu gemido não Te é oculto.
O meu coração está conturbado, a minha força desampara-me; e a própria luz dos meus olhos já não está comigo.
Os meus amigos e os meus íntimos avançaram, e puseram-se contra mim. E os meus parentes puseram-se ao longe. E os que buscavam a minha vida usavam de violência.
E os que me procuravam males falaram coisas vãs, e todo o dia maquinavam enganos.
Mas eu, como um surdo, não ouvia; e como um mudo não abria a boca.
E tornei-me como um homem que não ouve, e que não tem na boca palavras com que replicar.
Porque em Ti, Senhor, esperei; tu me ouvirás, Senhor Deus meu. Porque disse: nunca triunfem de mim os meus inimigos, eles que, tendo visto os meus pés vacilantes, falaram insolentemente de mim.
Porque estou preparado para o castigo, e a minha dor está sempre diante de mim.
Porque eu confessarei a minha iniquidade, e pensarei no meu pecado.
Entretanto os meus inimigos vivem, e têm-se tornado mais fortes que eu; e têm-se multiplicado os que me aborrecem injustamente.
Os que retribuem males por bens murmuravam de mim, porque eu seguia o bem. Não me desampares, Senhor Deus meu; não Te apartes de mim.
Acode em meu auxílio, Senhor Deus da minha salvação.
 “Senhor, não me castigues na tua ira!”
 À primeira vista, o Salmo 37 narra a situação de um pecador que cometeu uma falta muito grave, mas tomou consciência de seu pecado e se arrependeu dele pedindo perdão a Deus.
Belezas próprias ao sofrimento
Esse pecador tem palavras simplesmente magníficas para manifestar a sua dor. Do ponto de vista de expressão literária, esse Salmo é uma maravilha, porque descreve a condição miserável de um homem tão acabrunhado, tão estraçalhado pelas desventuras que Deus permitiu se abatessem sobre ele, que se considera um coitado, um nada. Essa pulcritude dramática e linda do infortúnio, muito bem apresentada nos salmos inspirados pelo Espírito Santo, torna-se mais patente quando da análise de cada versículo. O que pretenderei fazer a seu tempo. Vale dizer que o homem contemporâneo só conhece a beleza da alegria, daquilo que deu certo na vida; a tragédia escapa completamente à apreciação dele.
Mais difícil de entender é a beleza do infortúnio. Porém, é muito importante compreendê-la, pois não raro o infortúnio desaba sobre nós. Se não nos dermos conta do esplendor, da dignidade, elevação e nobreza próprios da nossa infelicidade, podemos não aguentar o baque.
Cântico de uma dor indizível
A humanidade contemporânea está nesse caso. Se ela tivesse um arrependimento real, se se voltasse para Deus com o coração contrito e humilhado, o Criador não a desprezaria. Assim como não despreza o pecador ao qual se refere o Salmo 37. Ele não é rechaçado pelo Senhor, porque seus gemidos e sofrimento revelam um coração arrependido. Daí vem a certeza de que Deus o atenderá. O Salmo fala dos rugidos de dor, de dilaceração de alma pelas quais o homem passa, mas conclui com palavras de confiança na misericórdia divina.
Contudo, é tal a dor aí expressa, que o espírito de uma pessoa habituada a pensar nas coisas da religião, tem a impressão de que esse padecimento é superior às forças humanas, ou seja, indo além da nossa capacidade de sofrer. E, naturalmente, ocorre-lhe a pergunta: “Não haverá certo exagero em todas essas palavras? A proclamação desta dor não excede a nossa disposição de suportá-la? Então, se não existe tal possibilidade de aguentá-la, o Espírito Santo, Espírito de Verdade e de Vida teria cometido um exagero literário?”
A simples hipótese é blasfema.
Como entender, pois, que se cante com palavras magníficas a dor sobre-humana de alguém imerso de tal maneira no sofrimento, que se diria estará ele morto antes de atingir o zênite de seus padecimentos?
Continua no próximo post

Nenhum comentário: