-->

terça-feira, 5 de abril de 2011

O prêmio dos bemaventurados

Continuando a meditação sobre o dia do Juízo Final, ouçamos a palavra de Deus:

Então o Rei dirá aos que estão à direita: — Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo”.
 A essência do prêmio será a visão beatífica, quer dizer, a contemplação de Deus face a face. Pela força da graça nos será possível contemplar a própria essência de Deus, em vez de apenas discerni-Lo por seu reflexo nas criaturas: “Hoje vemos como por um espelho, confusamente; mas então veremos face a face. Hoje conheço em parte; mas então conhecerei totalmente, como eu sou conhecido” (1 Cor 13,12).
Por nossa natureza, temos uma sede insaciável de felicidade, de um amor sem medida que nenhuma criatura conseguirá aplacar e só pode ser atendida pelo próprio Deus. O famoso teólogo Réginald Garrigou Lagrange, O.P., na obra La vie éternelle et la profondeur de l’âme, explica: “A profundidade de nossa vontade é tal, que só Deus pode preenchê-la e atraí-la irresistivelmente.”
A este propósito, exclama Santo Agostinho: “Infeliz quem conhece todas essas coisas [terrenas] e não Vos conhece, ó meu Deus! Feliz quem Vos conhece, embora ignore todo o resto. Quanto a quem Vos conhece e conhece também as coisas terrenas, não é mais feliz por conhecê-las, mas é unicamente o conhecimento que tem de Vós que o faz feliz, contanto que, conhecendo-Vos como Deus, glorifique-Vos também como Deus e Vos dê graças por vossos dons, e não se perca na vaidade de seus próprios pensamentos.”
Assim, após a morte, livre de tudo aquilo que a cercava na terra, a alma tem uma avidez veemente de voar para Deus, a fim de contemplá-lo face a face, conforme escreve o mesmo santo: “Fizestes-nos, Senhor, para Vós, e o nosso coração está inquieto até que repouse em Vós”(Confissões, 1.1).
Além da visão de Deus, os bem-aventurados receberão no Céu outros prêmios, infinitamente menores, mas mesmo assim valiosíssimos e incomparáveis com as coisas da terra.
Em primeiro lugar, terão corpos gloriosos. Lemos na primeira Epístola aos Coríntios: “Semeado na corrupção, o corpo ressuscita incorruptível; semeado no desprezo, ressuscita glorioso; semeado na fraqueza, ressuscita vigoroso; semeado corpo animal, ressuscita corpo espiritual” (1 Cor 15,42-44).
Ademais terão a inimaginável alegria de poderem contemplar Nosso Senhor Jesus Cristo, Nossa Senhora e os Santos, bem como as maravilhas do mundo já então renovado. Sim, pois o universo passará por uma inteira renovação, pela qual conservará apenas aquilo de mais belo que contiver, e será livre de toda matéria corruptível ou vulgar.
Como se não bastasse, os bemaventurados terão como morada o Céu empíreo, a respeito do qual escreve Garrigou-Lagrange:
“O Céu é o lugar e, melhor ainda, o estado da suprema bem-aventurança. Se Deus não tivesse criado nenhum corpo, mas apenas puros espíritos, o Céu não seria um lugar, porém tão-só o estado dos anjos que gozam da posse de Deus. Mas o Céu é também um lugar, no qual estão a Humanidade de Jesus, a Bem-Aventurada Virgem Maria, os anjos e as almas dos Santos. Embora não possamos dizer com certeza onde se encontra esse lugar em relação ao conjunto do Universo, a Revelação não permite duvidar de sua existência.
Grandes teólogos católicos afirmam ser o Céu empíreo um lugar concreto, entre eles o célebre jesuíta flamengo Cornélio a Lapide. Para este, o Céu é constituído de materiais nobres, com “palácios construídos de pérolas e pedras preciosas, como também prados, jardins e bosques ameníssimos”. Levado uma vez até ali, São Paulo viu algo tão esplendoroso que não encontrou palavras para o descrever, limitandose a exclamar: “O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram, e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que o amam” (1 Cor 2,9).
O castigo dos condenados
Lancemos, agora, nosso olhar para aquela porção da humanidade que deverá ouvir a terrível sentença:
“Afastai-vos de mim, malditos!”.
O próprio Criador rejeita, para sempre, seres que Ele criou. Que castigo espantoso! Trata-se da chamada pena de “dano”, palavra derivada do latim damnum, “perda”, pois esse tormento consiste na perda da posse de Deus, nosso fim último.
Enquanto está na vida presente, a alma não consegue avaliar a imensidão dessa perda. Os bens sensíveis não param de lhe atrair a atenção; a todo momento recebe notícias domésticas ou profissionais, ou dos fatos nacionais e internacionais; tem preocupações e necessidades de alimentação, asseio, saúde, lazer; entrega-se a prazeres; acaricia ambições e projetos para a carreira e para a família, e está cercado de parentes, amigos, enfim, de tudo o que constitui seu mundo.
Mas quando a alma se separa do corpo, todo esse ruído cessa de repente, todos os interesses que a prendem na terra perdem seu valor. Ela se vê completamente só, e então aí... “toma consciência de sua profundidade sem medida, que só Deus, visto face a face, pode satisfazer; e vê também que esse vazio jamais será preenchido... [Se tiver morrido em pecado] ela se vê na noite do vazio, expulsa, repudiada, maldita” (GarrigouLagrange).
Por ser infinitamente verdadeiro, bom e belo, Deus é infinitamente atraente. Os condenados, por sua natureza, são atraídos por essa Beleza suprema, única capaz de satisfazer sua necessidade insaciável de amor. Mas Deus os repele por completo, e eles, em delírios de furor infernal, não fazem senão detestá-Lo, maldizê-Lo, blasfemar contra Ele. É o tormento de um coração apaixonado e roído de ódio. É o sofrimento atroz do amor contrariado, desprezado, transformado em fúria, posto continuamente num extremo de ódio e desespero.
“Ide para o fogo eterno, que foi preparado para o demônio e para os seus anjos!”.
 Comparada com o horror da pena de dano, a pena dos sentidos pode até parecer suave... Contudo, por si só é tremenda.
O agente desse castigo é o fogo: “Qual de vós poderá habitar em um fogo devorador?” — pergunta com pavor o profeta Isaías (33,14). O Inferno é um abismo de fogo, um “tanque ardente de fogo e enxofre” (Ap 21,8). E não nos iludamos, pensando que a expressão “fogo do Inferno” seja apenas uma metáfora, uma imagem para se referir ao remorso da consciência.
É doutrina universalmente aceita na Igreja, baseada na Sagrada Escritura e no consenso dos Padres, que se trata de um fogo real, eterno e inextinguível, que tortura os espíritos e queimará os corpos sem os destruir.
Uma resolução inadiável
Ao nos revelar esse mistério, Jesus demonstra sua infinita bondade para conosco. Seu objetivo, ao nos alertar de modo tão veemente, é evitar para nós a desgraça eterna, e levar-nos para junto d’Ele, na felicidade do Paraíso.
Profundamente gratos, tomemos sem demora a firme resolução de Lhe rogar as graças necessárias para reprimirmos nossas más paixões, evitar o pecado e praticar a virtude. De tal modo que possamos ouvir de seus lábios adoráveis este celestial convite: “Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo”. !

Nenhum comentário: