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terça-feira, 12 de abril de 2011

A ressurreição de Lázaro

O grande amor de Jesus àquela família de Betânia tornava incompreensível sua aparente indiferença perante a enfermidade de Lázaro. Mas quando Deus tarda em intervir é por razões mais altas e porque certamente nos dará com superabundância.
O retorno de Jesus a Betânia (vv. 1-16)

Para tornar bem claro quem era o enfermo em questão, São João o apresenta como sendo o irmão de Marta e Maria. Ressalta a figura desta última por se tratar de uma pessoa muito conhecida e comentada em toda Israel, devido à sua impressionante conversão e seu belíssimo ato de arrependimento em casa de Simão, o fariseu (3). É interessante notar o acerto do nome “Lázaro” que significa: “ajudado”, ou, “Deus socorreu”.
Fazia muito que Jesus pregava na região da Peréia, à distância de uma jornada de Betânia. Com enorme solicitude e carinho por Lázaro, tal qual costumam ser as irmãs quando de boa índole, Marta e Maria enviam um mensageiro para avisá-lo do estado de saúde do irmão.
Transparece na atitude de ambas um profundo espírito de fé na onipotência do Salvador e, ao mesmo tempo, uma nobre e fraternal dedicação. Tanto mais que a mensagem não era só informativa mas, com enorme polidez, ela continha uma súplica. A fórmula empregada nada tem a ver com a lógica argumentação do centurião romano para obter a cura de seu servo; mais se aproxima ela, em sua essência, da atitude da Virgem Maria nas Bodas de Caná: “Senhor, aquele que amas está doente” (v. 3). Segundo Santo Agostinho, esta simples frase contém uma profunda verdade de fé: Deus jamais abandona aquele a quem ama. Elas não imploram nem pedem explicitamente a cura, quer pudesse ser ela operada de perto, ou de longe; era-Lhe suficiente conhecer o estado de seu amado para, por um simples desejo seu, tornar efetivo o milagre.
E realmente assim teria sido se Jesus não tivesse querido se aproveitar do pretexto da morte de seu amigo “para a glória de Deus, a fim de que o Filho do Homem seja glorificado” (v. 4), conforme Ele próprio o afirma.
Grande perplexidade devem ter tido ambas, ao receberem a resposta do Senhor, dois dias depois do falecimento de Lázaro: “Esta doença não é de morte...” (v. 4). Maior aflição ainda deveu-se ao fato de Jesus não se ter movido para se encontrar com o amigo nem com suas irmãs.
Essa é bem a provação pela qual passam as almas aflitas que imploram a intervenção de Deus e julgam não serem atendidas, devido à demora ou a uma aparente inércia da parte do Céu. Quão benfazeja é esta passagem para nos convencer a jamais descrermos da onipotência da oração perfeita! Quando Deus tarda em intervir é por razões mais altas e porque certamente nos dará com superabundância. E aí está o procedimento de Jesus para com aqueles aos quais ama: “Jesus amava Marta, sua irmã Maria e Lázaro” (v. 5). O grande amor de Jesus àquela família tornava ainda mais incompreensível sua como que indiferença, pois, “tendo ouvido que Lázaro estava doente, ficou ainda dois dias no lugar onde se encontrava” (v. 6).
Que grande vôo de espírito era necessário para seguir o Divino Mestre diante da incompreensibilidade de suas atitudes! Nenhum dos dois lados chegava a atinar com o alcance da meta política do Salvador. As irmãs deviam estar desmontadas em suas esperanças, acompanhando do lado de fora do sepulcro a lenta mas progressiva decomposição do corpo de seu irmão. Os Apóstolos, por sua vez, não podiam entender o porquê da ida de Nosso Senhor à Judéia. Já havia curado tantos necessitados à distância, qual a razão de penetrar numa terra onde era perseguido de morte? E só por causa de um enfermo? “Mestre, ainda há pouco os judeus Te quiseram apedrejar, e Tu vais novamente para lá?” (v. 8), diziam eles. Não seria melhor operar o milagre à distância?
Ora, os princípios pelos quais Deus se move sempre são infinitamente superiores aos atinentes às meras criaturas, por isso nada melhor do que nos abandonarmos aos desígnios e ao beneplácito de sua vontade, nunc et semper.
Vê-se pela narração o quanto os próprios Apóstolos estavam sendo formados na fé, passo a passo, através dos milagres, conforme Ele mesmo afirma: “para que acrediteis” (v. 15). Jesus iria selar o término de sua vida pública — os últimos momentos das doze horas do dia — com o mais portentoso milagre. Ele a iniciara com a transformação da água no melhor dos vinhos, em Caná, e agora, antes do anoitecer, traria à vida um morto já em franca decomposição.
Encontro com Marta e Maria (vv. 17-37)
Maria permaneceu em silêncio, como era costume na época, por não ter idéia da chegada de Jesus à aldeia, enquanto Marta foi ao seu encontro (v. 20) a fim de Lhe noticiar todo o ocorrido. Uma vez mais os fatos nos revelam as características próprias a cada uma das duas irmãs. Marta é mais dada à administração, às relações sociais, etc., e Maria mais ao fervor amoroso. Por isso Marta não avisa sua irmã, pois seria impossível retê-la junto às visitas enquanto se desenrolasse seu diálogo com o Mestre. Aliás, esse diálogo não poderia ter transcorrido com maior ternura e delicadeza. Não há a menor sombra de queixa da parte de Marta ao afirmar: “Senhor, se estivesses cá, meu irmão não teria morrido” (v. 21), pelo contrário, trata-se da manifestação de um pesaroso sentimento feito de confiança no poder de Jesus.
Entretanto, a fé de uma e outra ainda não havia atingido sua plenitude, pois não podiam imaginar o grande milagre que iria ser operado por Jesus. Marta não tem noção do poder absoluto de Jesus, e daí o condicionar as ações do Divino Mestre aos pedidos que Ele faça a Deus (v. 22): “Tudo o que pedires a Deus, Deus to concederá”.
Marta externa sua firme crença na ressurreição final e nessa ocasião espera rever seu irmão em corpo e alma (v. 24), sem jamais imaginar a possibilidade de reencontrá-lo naquele mesmo dia. Jesus, o Divino Didata, vê chegado o momento de proferir uma das mais belas afirmações do Evangelho. Em outros trechos Ele terá revelado: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6); “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8, 12); “Eu sou o pão da vida” (Jo 6, 35), mas nenhuma atinge a altura teológica desta, em questão: “Eu sou a Ressurreição e a Vida; aquele que crê em Mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive e crê em Mim, não morrerá eternamente” (vv. 25-26). E com uma paternalidade comovedora pergunta a Marta: “Crês nisto?”, para movê-la a um ato explícito de fé e fazê-la crescer em méritos.
O diálogo dera seus melhores frutos, era necessário consolar a outra irmã. Marta a avisa “em segredo” (v. 28) que o Mestre chegara. Conforme seu temperamento arrojado, saiu a toda pressa para encontrá-Lo. Seu gesto levou todos os visitantes a imitá-la; imaginando que ela iria chorar junto ao túmulo, seguiram-na (vv. 29-31).
Especialmente digna de nota é a cena de seu encontro com Jesus. Marta era mais controlada em suas emoções, determinada em seus objetivos e, portanto, capaz de expor em palavras todos os seus sentimentos. Maria, bem diferente de sua irmã, tem arroubos de fervor sensível pelo Mestre, seu amor não conhece fronteiras e nem permite ser freado em suas manifestações, sua alma realmente seráfica a leva a lançar-se aos pés de Jesus, e o máximo que consegue exprimir é sua dor, em breves termos. De resto era chorar, soluçar, e com tal substância que todos se viram tocados por sua reação, acompanhando-a no pranto (vv. 32-33).
Maria era tão carismática em sua fé, no ardor de seus desejos e na comunicação de sua benquerença por Jesus, que Ele próprio “comoveu-Se profundamente e perturbou-Se” (v. 33). Bem dizia Lacordaire: “L´intelligence ne fait que parler; c´est l´amour qui chante!” Nossas palavras podem convencer, mas nosso amor poderá até mesmo tocar o Sagrado Coração de Jesus. Quão humano, sem deixar de ser divino, Ele se mostra nessa ocasião, sobretudo ao derramar, também Ele, suas preciosíssimas lágrimas, santificando, assim, as lágrimas roladas de todos os corações sofredores por amor a Deus, ou arrependidos de suas faltas.
Era essa a maior prova de amor externada pelo Salvador, até aquele instante, em relação ao seu amigo Lázaro.
Ressurreição de Lázaro (vv. 38-45)
Diferentemente de outros túmulos, este de Lázaro era escavado em rocha não no sentido horizontal, mas sim, no chão e verticalmente. Para se chegar ao local onde haviam depositado o corpo de Lázaro, precisava-se descer um bom número de degraus. Ao redor do sepulcro, estavam todos em forte expectativa, pois os antecedentes prognosticavam um portentoso acontecimento.
Com magna autoridade, Jesus ordena, para espanto dos circunstantes: “Tirai a pedra” . Marta, sempre criteriosa, não resiste em ponderar que o cadáver já estaria em decomposição depois de quatro dias. “Senhor, ele já cheira mal...” (v. 39). Magistral a resposta de Jesus: “Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?” (v. 40).
Belíssima oração de Nosso Senhor, com o túmulo já aberto, o mau odor ferindo as narinas dos presentes, a atenção não poderia ser mais intensa. Ele reza não por necessidade, “mas falei assim por causa do povo que está em volta de Mim, para que acreditem que Tu me enviaste” (vv. 41-42).
Por um simples desejo seu, a lápide teria voltado ao nada e Lázaro surgiria à porta do sepulcro, rejuvenescido, limpíssimo e perfumado. Era, porém, conveniente constar aos olhos de todos a potência de suas ordens: “bradou em voz forte: “Lázaro, sai para fora!”
Dois portentosos milagres se operam, não só o da pura ressurreição. Lázaro estava atado da cabeça aos pés, impedido de caminhar; entretanto, subiu pela escada que dava acesso à entrada do túmulo, estando até mesmo com um sudário ao rosto. Imaginemos a impressionante cena de um defunto subindo degrau por degrau, sem liberdade de movimentos e sem enxergar, mas já respirando com visíveis sinais de vida.
“Desligai-o e deixai-o ir” (v. 44) é a última voz de comando do Divino Taumaturgo.
Nada mais relata o Evangelista; nenhuma palavra a respeito de Lázaro ou das manifestações de alegria de suas irmãs; somente a conversão de “muitos dos judeus que tinham ido visitar Maria e Marta” (v. 45).
UM CONVITE À CONFIANÇA
Aí está o poder de Cristo manifestado em pleno esplendor para alimentar-nos em nossa fé. Esta Liturgia nos convida a uma confiança maior que a do centurião romano; ou seja, é preciso crer em Jesus com um ardor Marial. Se a Santíssima Virgem estivesse ao lado das irmãs, certamente — além de lhes aconselhar a aguardarem com paz de alma a chegada de seu Divino Filho — recomendaria a ambas que procurassem fazer “tudo o que Ele vos disser” (Jo 2, 5). Por maior que sejam os dramas ou aflições em nossa existência, sigamos o exemplo e a orientação de Maria, crendo na onipotência de Jesus, compenetrados das palavras de São Paulo: “Todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que, segundo o seu desígnio, foram chamados” (Rm 8, 28).

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