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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O juiz e a viúva II

Continuação dos comentários ao Evangelho - O juiz e a viúva

A atitude do juiz
 Ele, durante muito tempo não a quis atender.
Não nos são desconhecidas as demoras processuais em nosso Ocidente latino. Mas, nos povos orientais, naqueles tempos, as intérminas esperas faziam guerra às mais robustas paciências. Pelas próprias Escrituras Sagradas temos ciência da existência do suborno na época e, portanto, pode-se levantar a questão: terá o juiz recebido propostas, ou presentes, da parte contrária? Por outra, esperava ele alguma oferta da viúva para solucionar sua causa? O certo é que, por certa razão, talvez até por puro desleixo, capricho ou preguiça, o julgador se recusava a ouvir os rogos da autora do processo em curso.
Ainda uma outra hipótese se poderia levantar para buscar uma explicação de tal atitude. É do conhecimento geral que a demora muitas vezes resolve inextricáveis problemas. Não teria sido, o magistrado em questão, partidário de tomar o tempo como seu conselheiro? Nada leva a crer que assim fosse, pois ele “não temia a Deus, nem respeitava os homens”, e, portanto, a virtude não era a lei de seu habitual procedimento.
Mas, depois disse consigo: Ainda que eu não tema a Deus nem respeite os homens, todavia, visto que esta viúva me importuna, far-lhe-ei justiça, para que não venha continuamente importunar- me.
A ressonância é um fenômeno físico que tem se mostrado poderoso até em relação a pontes sólidas e robustas. Aquele bater contínuo e ritmado sobre uma superfície rígida, ameaça toda a sua constituição. Há na psicologia humana uma reversibilidade dessa figura: a insistência importuna. A viúva não dava sossego ao juiz , obrigando-o a saltar de dentro de sua inação para, entre dois incômodos — ou ter de lhe dar ganho de causa, ou encontrá-la suplicante a toda hora —, escolher o menor. Ele ficou enfarado e, para evitar revê-la a todo instante, resolveu atender ao seu pedido. O motivo que o levou a tomar tal decisão não foi nada nobre, nem elegante, mas a viúva não se acanhou e nem se deixou tomar pelo respeito humano; seu único empenho era de obter um justo pronunciamento.
Essa parábola retrata, de passagem, alguns aspectos daquela jurisprudência consuetudinária. Apesar das variações em confronto com o Direito Processual vigente nos países ocidentais, o caso imaginado pelo Divino Mestre nos é inteiramente assimilável, não necessitando de nenhuma adaptação. Em vista de sua fácil compreensão, Jesus passa diretamente à aplicação.
O Supremo Juiz e as almas escolhidas
“Ouvi o que diz este juiz iníquo. E Deus não fará justiça aos seus escolhidos, que a Ele clamam dia e noite, e tardará em socorrê-los?”
O contraste é um ótimo instrumento de didática. Jesus se serve das reacções de um julgador iníquo face à obstinada insistência da fragilidade feminina, para compará-las às atitudes do Supremo Juiz. Se um homem mau pratica uma boa ação para deixar de ser importunado, quanto mais não fará Deus, a Bondade em substância? Muito diferentemente da parábola, na aplicação trata-se do Verdadeiro Juiz, o qual é a própria Dadivosidade. Por outro lado, quem pede não é uma importuna viúva mas sim os escolhidos de Deus. Estes não são indesejáveis. Ao contrário, a eles cabem os títulos de “privilegiados”, “amigos” e “fiéis”.
Jesus focaliza de maneira especial os escolhidos, neste versículo. Quem são eles? Aqueles que amam e temem a Deus, seus servidores, os quais vivem no estado de graça, lastimam-se de suas fraquezas e se penitenciam de suas faltas, purificando-se no divino perdão. Com o avanço claro e firme da Teologia, pode-se afirmar serem eleitos todos os fiéis, conforme declara São Pedro: “Vós, porém, sois uma geração escolhida, um sacerdócio real, uma nação santa, um povo adquirido por Deus” (I Ped 2, 9).
Supõe-se erroneamente que um eleito jamais cometeria uma falta, e seu espírito nada teria de comum com a miséria. Não é real! A debilidade é útil para realçar o poder de Deus: “Porque é na fraqueza que o meu poder se manifesta por completo”, diz Nosso Senhor a São Paulo, o qual, por sua vez, complementa: “Portanto, de boa vontade me gloriarei nas minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo” (II Cor 12, 9).
Esses eleitos são aqueles que, muitas vezes, “sofrem perseguição por amor à justiça” (Mt 5,10) e, não tendo a quem recorrer nesta terra, voltam-se para Deus, rogando socorro, amparo e proteção. E com frequência, assim procedem dia e noite. Tal será que o juiz iníquo da parábola atenda ao clamor da viúva, e Deus, sendo Pai, não ouça as súplicas de seus amigos eleitos!
Mas, poderá alguém se perguntar, quando atenderá Deus a essas preces? Sem demora, conforme está no versículo 8: “Digo-Vos que depressa lhes fará justiça.”

Continua no próximo post

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