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terça-feira, 28 de agosto de 2012

Pensamentos sobre o céu

Vivendo neste “vale de lágrimas”, por vezes levantamos nossos olhos para o Céu, e a esperança de alcançar a felicidade eterna nos consola e anima. Entretanto, não raro, uma dúvida nos assalta: como serão essas alegrias perenes?
 Sempre tive uma impressão singular a respeito de certas descrições ou representações do Céu. Pela fé, eu sabia tratar-se de um lugar onde existem todas as delícias, mas quando estas me eram delineadas, tinha a sensação de serem deleitosas para os outros e não para mim.
Uma iconografia incompleta
Por exemplo, alguns quadros retratavam o Céu muito azul, com uma nuvem branca em forma de sofá no qual se achava sentado um anjo tocando violino. Claro, no Céu não há nuvem material, mas essa forma de pintá-lo mostra um símbolo da realidade celeste. Essa não é, entretanto, a realidade inteira: seria necessário acrescentar outros elementos para se ter uma noção completa sobre ele.
Compreendo que aquelas pinturas apresentavam algo de mais agradável do que este vale de lágrimas. Mesmo assim, se eu tivesse de passar a eternidade num Céu azul, sentado em uma nuvem branca e tocando violino, confesso que não sentiria esse lugar como sendo a pátria de minha alma.
Também me causava estranheza a idéia pouco feliz de esboçar o Céu imerso numa espécie de imobilidade.
Conforme a doutrina católica, no Paraíso o homem não pode crescer em grau de glória. Ele permanece ali por toda a eternidade como foi premiado após a sua morte, gozando de felicidade plena.
Eu tinha, então, a sensação de que no Céu tudo parou para sempre, e todos os eleitos estão olhando para um Deus igualmente imóvel. Ora, posto que o movimento e a comunicação fazem parte de nosso modo de ser, deparava-me com a dificuldade em compreender a atração de um Céu assim parado.
Essas eram algumas impressões equivocadas as quais, não fossem corrigidas, podiam diminuir minha esperança e interesse pelos bens celestes.
Movimento no Céu pelos acréscimos da felicidade acidental
Passei então a empreender um trabalho de análise do Céu, baseado em comentários de santos, a fim de formar uma verdadeira imagem dele e torná-lo mais apetecível.
Tratemos mais especialmente daquilo que se poderia chamar a imobilidade celeste.
É exato afirmar que, na eterna bem-aventurança, a felicidade de uma alma não é passível de aumento, e por essa razão tudo ali se encontra tão parado quanto se é levado a imaginar? Ou há acréscimos de intensidade dessa alegria?
Em outros termos, haverá no Céu movimento e vida — e até vigorosíssimos — como não fazemos ideia? Como será isso?
Para construirmos de maneira paulatina uma imagem real do Céu, consideremos que quando um homem pratica determinado ato bom ou mau, mesmo depois de julgado e ter recebido seu prêmio ou castigo, esse ato às vezes continua a produzir repercussões até o fim do mundo.
Tomemos, por exemplo, um religioso que atrai uma pessoa para pertencer à sua congregação. Parece algo tão simples e banal. Mas o atraído pode trazer outro, o qual por sua vez chamará um terceiro e assim sucessivamente, de modo que até o fim dos tempos haverá um veio de filhos, netos, bisnetos, tataranetos espirituais daquele religioso que trouxe o primeiro.
À medida que os séculos vão passando, do alto do Céu ele pode ver o efeito da boa ação que praticou e com isso experimentará renovadas alegrias. Ainda que esteja inundado de felicidade, contemplando Deus face a face, ao olhar para a Terra e perceber as conseqüências do bem que praticou, seu júbilo por assim dizer aumenta.
A felicidade de uma alma pode, portanto, crescer acidentalmente pela multiplicação, ao longo dos tempos, dos efeitos da boa ação que ela realizou. Essa verdade, aliás, sempre me anima quando me disponho a escrever um livro: a obra poderá produzir bons frutos até o fim do mundo, e no Céu minha alegria aumentará por ver que, digamos, daqui a mil anos esse livro fez bem a alguma alma e deu glória a Deus.
Consideremos ainda outro exemplo. Imaginemos uma rainha casada com um rei muito poderoso, desfrutando junto dele toda felicidade que sua condição lhe granjeia. Suponhamos que em seu aniversário um grupo de camponeses se apresenta a dançar diante da janela de seu quarto, por amor a ela e para lhe fazer uma homenagem.
Se os camponeses não vierem, a rainha não deixará de ser feliz, pois tem o convívio com o rei, que constitui a felicidade essencial dela. Porém, uma vez que aqueles súditos aparecem para presenteá-la, a soberana sente uma alegria acidental a mais. Ela vai para o terraço, olha, se compraz com os camponeses e depois manda servir-lhes doces e dirige uma palavra amável para cada um. Eles ficam radiantes, e ela, comprazida.
Portanto, esse fato aumentou, acidentalmente e não essencialmente, o contentamento da rainha, assim como as franjas do tapete que, sem fazerem parte dele, servem-lhe contudo de prolongamento.
Analogamente, muitos acontecimentos na Terra podem aumentar a nossa alegria no Céu, pois há uma relação entre ambos pela qual as felicidades do Paraíso se movem de acordo com as situações neste mundo.
De passagem, vale lembrar que a regra se aplica também ao inferno: sempre que o condenado contempla o mal que ele fez afetando a outros no tempo, seu tormento pode, em certo sentido acidental, aumentar.
Isso nos leva a refletir, pois tudo aquilo que realizamos nessa vida terrena está repercutindo em glória no Céu ou em tristeza no inferno. Se soubéssemos contemplar assim cada ato de nossa existência, como ela seria diferente! Se também concebêssemos o Céu como uma arquibancada da Terra, com possibilidades de os Santos intervirem ativamente pelos que estão aqui embaixo, através das suas orações e inspirações, como sentiríamos o Paraíso de um modo diverso!
Santa Teresinha do Menino Jesus dizia que desejava passar o Céu dela fazendo o bem sobre a Terra. É um lindo programa, que nos prova, uma vez mais, a realidade desse intercâmbio entre a bem-aventurança eterna e o tempo.
Deus e os eleitos no Céu: vida intensa
Alguém poderia indagar: " Mas quando acabar a história humana na Terra e todos os eleitos estiverem no Céu, tudo então ficará parado?”
Continua no próximo post.
Plinio Correa de Oliveira Extraído de conferência

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