-->

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Comentários ao Evangelho II DOMINGO DO ADVENTO -Ano C - Lc 3, 1-6

Continuação do post anterior Lc 3, 1-6

Um Precursor à altura?
2b…foi então que a palavra de Deus foi dirigida a João, o filho de Zacarias
Devido aos diversos fatos extraordinários relacionados com o nascimento de São João Batista (cf. Lc 1, 5-25.57-66), as notícias a seu respeito se propagaram “por todas as montanhas da Judeia” (Lc 1, 65), despertando a admiração popular. A esse início cheio de celebridade, porém, sucederam-se anos de completo apagamento aos olhos do mundo. Apartando-se do convívio social, João “viveu no deserto até o dia em que se apresentou diante de Israel” (Lc 1, 80). Tal deserto corresponde a uma região agreste, quase toda desabitada, compreendida entre o Lago de Genesaré e o Mar Morto, e que se estendia a partir da margem ocidental deste último até os limites das terras férteis da Judeia. Ali o menino cresceu e fortificou-se em espírito (cf. Lc 1, 80) pela prática de um rigoroso ascetismo, vestindo-se de pele de camelo e alimentando-se de mel silvestre e gafanhotos (cf. Mc 1, 6; Mt 3, 4), até à idade de mais ou menos trinta anos,11 quando começou a exercer seu ministério. Esse estilo de vida permite-nos imaginá-lo como “um homem profundamente recolhido, de uma grande delicadeza de alma e extrema modéstia, tão absorto em Deus que se tem a impressão de que só com esforço ele consegue sair de sua contemplação”.12
À primeira vista, tão misteriosa austeridade pode parecer o extremo oposto da glória infinita do Verbo Encarnado, de quem João era Precursor. Da mesma forma como a entrada do Menino Deus no mundo havia sido anunciada aos pastores por um Anjo refulgente de luz (cf. Lc 2, 9) e aos Reis Magos pela estrela que os conduziu a Belém (cf. Mt 2, 1-12), seria de se esperar que o começo de sua vida pública também fosse precedido por aparições semelhantes ou por extraordinários fenômenos da natureza. Bem diferente, entretanto, foi o anúncio feito por João Batista, pois sua grandeza não era aparatosa. “Sua autoridade lhe vinha desta pureza mais que terrestre e da majestade da graça que o destacava aos olhos do povo como um homem superior ao resto da humanidade, encarregado de censurar e repreender, é verdade, como também investido de uma missão de inefável miserjcórdja”.13
A essência da verdadeira grandeza
Entre outras razões, Deus procedeu desta forma para não tirar aos judeus a possibilidade de adquirir o mérito da fé, crendo na divindade de Jesus quando O vissem pessoalmente. Com efeito, se as exterioridades do arauto de Cristo correspondessem às pompas do cerimonial prestado à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade pela corte celeste, ter-se-ia extinguido o estado de prova dos contemporâneos de Nosso Senhor em relação ao mistério da Encarnação. Pela força da evidência, o aspecto esplendoroso de João Batista seria suficiente para concluir que o Mestre por ele anunciado era o próprio Deus.
Por outro lado, quis a Providência nos ensinar que o verdadeiro valor do homem está em seu interior, embora muitas vezes o mundo não o reconheça. Não foi entre os líderes da política ou da religião em Israel, cujos nomes abrem o Evangelho de hoje, que Deus escolheu o seu Precursor. O eleito para esta missão de importância ímpar na História foi um homem sui generis para os costumes da época, sem qualquer prestígio social. Não obstante, sua excelência sobrenatural fê-lo ultrapassar em grandeza a todos os homens, conforme o próprio Jesus revelou: “Em verdade vos digo, não surgiu entre os nascidos de mulher alguém maior que João Batista” (Mt 11, 11). Portanto, como é próprio à ação divina, também neste caso a Providência escolheu o que havia de melhor. O anunciador de Cristo possuía a mais nobre das qualificações: fora santificado ainda no ventre materno, tornando-se cheio do Espírito Santo e, por isso, era “grande diante do Senhor” (Lc 1, 15).
Daí decorre também ser São João Batista um exemplo do quanto, para Deus, mais vale o homem pelo que é do que por aquilo que faz. Nossos atos exteriores nos obtêm mérito sobrenatural mais pela disposição interior que nos anima, do que pelo esforço empregado ao realizá-los. Modelo supremo, nesse sentido, é Maria Santíssima, cujo amor a Deus e fervor de intenção fê-la dar “mais glória a Deus pela menor de suas ações — por exemplo, fiando na roca, dando pontos de agulha —, que São Lourenço sobre a grelha, no seu cruel martírio, e o mesmo em relação às mais heroicas ações de todos os santos”,’4 ensina São Luís Grignion de Montfort.
Simbolismo do deserto
2c …no deserto…
Além de referir-se ao local onde São João viveu e recebeu a revelação, o deserto pode ser interpretado em sentido simbólico. Assim como aquela região era desabitada, também o Precursor estava livre de apegos materiais e pretensões mundanas, vazio de si mesmo. O deserto é uma bela imagem da alma dignamente preparada para receber Jesus e participar do Reino de Deus: despojada das manias e dos caprichos egoístas, afastada do materialismo reinante no mundo, deserta de vaidades e ambições.
Um batismo de penitência
3 E ele percorreu toda a região do Jordão, pregando um baptismo de conversão para o perdão dos pecados...
De modo diferente dos antigos profetas, João Batista não se dirigiu às cidades, nem aos locais públicos onde era comum haver aglomerações. Percorrendo as agrestes cercanias do rio Jordão, começou ali mesmo a pregar àqueles que encontrava — bem poucos, certamente. O impacto causado por sua pessoa e pelo vigor de sua mensagem teve rápida repercussão, e logo “saíam para ir ter com ele toda a Judeia, toda Jerusalém” (Mc 1, 5). Naquela região, outrora solitária, tornou-se intensa a circulação de judeus que procuravam encontrar no profeta o despontar da ansiada regeneração moral e religiosa de Israel. Inclusive muitos carregavam em seu interior uma dúvida cheia de esperança: não seria João o próprio Messias? Por isso, ora discernindo os pensamentos dos corações, ora respondendo a perguntas explícitas, o Precursor entremeava as exortações à penitência com afirmações que dirimiam os equívocos a respeito de sua pessoa: “Eu vos batizo na água, mas eis que vem outro mais poderoso do que eu, a quem não sou digno de desatar a correia das sandálias” (Lc 3, 16). Se Aquele que deveria vir superava ainda mais o admirável e arrebatador Batista, fazia-se mister preparar-se para recebê-Lo.
Com vistas a esse grande acontecimento, numerosos judeus receberam o “batismo de conversão”. Este, contudo, não conferia a graça à alma15 como o Batismo sacramental instituído depois por Cristo, pois era apenas um símbolo que consolidava a mudança de mentalidade à qual João conclamava, ratificando de forma sensível o desejo de, através da penitência, purificar-se espiritualmente a fim de poder participar no iminente Reino de Deus.

Nenhum comentário: