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sábado, 28 de setembro de 2013

Evangelho XXVII Domingo do Tempo Comum – Ano C - 2013

Comentários ao Evangelho XXVII Domingo do Tempo Comum – Ano C - 2013 - Lc I 7, 5-10
por Mons João Clá Dias
Naquele tempo, os Apóstolos disseram ao Senhor: ‘Aumenta a nossa fé!” 6 O Senhor respondeu: “Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria.
 7 Se algum de vós tem um empregado que trabalha a terra ou cuida dos animais, por  acaso vai dizer-lhe, quando ele volta do campo: Vem depressa para a mesa?’ 8 Pelo contrário, não vai dizer ao empregado: ‘Prepara-me o jantar, cinge-te e serve-me enquanto eu como e bebo; depois disso tu poderás comer e beber?’  Será que vai agradecer ao empregado, porque fez o que lhe havia mandado! Assim também vós quando tiverdes feito tudo o que vos mandaram, dizei: ‘Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer” (Lc I 7, 5-10).
Como enfrentar as desilusões?
Ao longo da existência nos deparamos com situações imprevistas que podem levar ao desânimo. Só na fé robusta encontraremos força para enfrentá-las.
O SER HUMANO QUER RELACIONAR-SE COM OS DEMAIS
Imaginemos um homem punido com o isolamento, preso na masmorra de uma longínqua torre, convencido de estar inteiramente afastado de tudo e de todos. Nessa triste situação, sem a mínima possibilidade de comunicação com qualquer pessoa, vê passarem-se os dias... Certa tarde de calor, porém, deita-se no chão e ouve, de repente, um rumor de vassoura em plena atividade. Surpreendido, aproxima-se da parede, coloca ali o ouvido e, percebendo pelos ruídos tratar-se da presença de alguém do lado oposto, dá algumas pancadas no muro. A resposta chega de imediato. E outro pobre preso que sofre de igual problema: isolado, deseja entrar em contato com alguém a quem possa transmitir suas aflições e que o entenda naquela infeliz situação. Depois de muitas batidas descobrem que, falando junto ao ralo da cela, conseguem se fazer ouvir um ao outro e, a partir daí, começa um verdadeiro relacionamento entre ambos os cativos, causando-lhes imensa consolação. Pois, o isolamento absoluto que era o maior tormento daquele cativeiro, por ferir o instinto de sociabilidade, de alguma forma, tinha-se rompido com o estabelecimento desse rudimentar modo de comunicação. Essa singela história nos ilustra a necessidade intrínseca ao homem de entrar em contato com seus semelhantes.
Um fenômeno comum ao gênero humano: a “fímbria da insegurança”
Tal anseio natural, consequência do instinto de sociabilidade infundido por Deus em nós, é inerente a todos os homens.1 Cada um conserva em si mesmo um entranhado desejo de obter proteção, de poder apoiar-se em alguém e de sentir-se seguro, pois Deus não criou o homem autossuficiente. Ele tem numerosas carências e debilidades que só consegue suprir vivendo em sociedade e com a entreajuda de seus semelhantes. Por isso, ele tem de ter uma fé humana nos demais. E é compreensível, pois “sem a fé humana, a vida social seria totalmente impossível, e boa parte de nossos conhecimentos — os quais cremos serem certos e seguros — viriam estrepitosamente abaixo”.2 Entretanto, não existe a possibilidade de aplicar essa fé com total segurança a ninguém sobre a face da Terra, pois, “pela natureza, nenhuma pessoa adulta está acima ou abaixo de outra a tal ponto que uma possa elevar-se à frente da outra como autoridade de valor absoluto”.3 Todos sabemos como a natureza humana é falível em decorrência do pecado original e, por isso, somos levados a conferir nossos critérios com a opinião dos demais para diminuir a probabilidade de erro, sobretudo, no que toca à procura da verdade. Não é sem razão que aconselha Santo Agostinho: “Que nenhum de vós pretenda colocar sua esperança no homem. O homem só é alguma coisa enquanto se une Àquele por quem foi feito. Porque, se d’Ele se afastar, nada mais é o homem, ainda quando se una a outros”.4
E como o gênero humano está sujeito ao erro moral e intelectual, o homem com frequência trai a confiança dos outros, ao valer-se tão só de sua própria natureza, pois sem a graça é o egoísmo que prevalece sobre o amor ao próximo. Desencadeou-se assim para a humanidade uma instabilidade fundamental, denominada pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira “fímbria da insegurança”, ou seja, “uma espécie de fímbria do espírito humano, a qual não elimina a possibilidade de conhecermos algumas verdades com certa firmeza porém, apenas crepuscular —, misturada com insegurança”.5 Dessa forma, carregamos dentro de nós mil indecisões, não havendo, nem em nós nem nos outros, a garantia plena de agir com acerto. A medida que os anos e as décadas passam o problema se agrava. A experiência da vida vai contabilizando as desilusões e as decepções. Constatamos um equívoco aqui, um erro ali, um engano acolá... E concluímos que não se pode depositar a confiança no homem. Como resolver, então, esse problema da “fimbria da insegurança” e adquirir certezas firmes?
Ora, se a falibilidade natural do homem torna inconsistente a confiança no seu semelhante, isso, contudo, não acontecerá se houver a ação dessa virtude sobrenatural, em relação a Deus, cuja prática tornar-se-á possível pela graça, e cujo agir não é outro senão o da virtude teologal da esperança fortalecida por firme convicção, como diz São Tomás,6 e como sintetiza o grande tomista padre Santiago Ramírez, seguindo a trilha de seu mestre: “Esperança perfeita e robusta em seu gênero, a qual se chama propriamente confiança [...1. Não é uma esperança qualquer e vacilante, mas uma esperança firme, decidida, certa, segura, sem titubeios de nenhuma classe. Uma esperança que não falha nem defrauda”.7 E a confiança que nos dá a certeza de existir Alguém com o qual podemos nos relacionar, seguros de nunca produzir em nós equívoco, de nunca defraudar nossas esperanças legítimas. Esse é Deus!
É tal confiança, sem dúvida, que será capaz de resolver a questão da “fímbria da insegurança” oculta no interior de todos os homens, libertando-nos da incerteza que atinge quantos se aferram ao mundo material, segundo o ensinamento do Bispo de Hipona: ‘Aproxima-te, pois, de Deus; esse jamais desmerece porque não existe nada de mais formoso. Se as coisas daqui nos aborrecem, é por causa de sua instabilidade, pois elas não são Deus. Ó alma! Coisa alguma poderá saciar-te, se não for Aquele que te criou. Lá onde colocares tua mão, acharás miséria; só poderá saciar-te quem te fez à sua imagem. [...j Só ali, em Deus, pode haver segurança”.8
A fé viva nos Evangelhos
Essa fé, todavia, não pode reduzir-se a um simples princípio teórico e doutrinário. Para ser íntegra, sobretudo em meio a nosso mundo tão conturbado, é preciso aplicá-la a Alguém: a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encamada, Nosso Senhor Jesus Cristo! Os fatos narrados ao longo dos Evangelhos nos atestam como essa fé viva era um dom comunicado aos que d’Ele se aproximavam com plena confiança, como, por exemplo, o centurião romano. Tinha ele fé no poder do Redentor de curar um dos seus servos, inclusive à distância, e dele afirmaria o Divino Mestre jamais ter encontrado semelhante fé em Israel (cf. Lc 7, 2-10). A fé daquele comandante, que causara admiração no próprio Jesus enquanto homem, havia-lhe sido infundida por Ele mesmo, enquanto Deus.
Também a persistente cananeia nos deu provas de grande fé ao pedir com tanta insistência a cura da filha (cf. Mt 15, 22-28). Mais uma vez era um dom de Deus concedido à estrangeira, em um grau que nem os próprios judeus possuíam, talvez por não terem querido aceitá-la... Igualmente o pobre leproso, ao ajoelhar-se e suplicar: “Senhor, se vós quereis, podeis curar-me!” (Lc 5, 12), manifestava uma fé profunda, sendo, por isso, imediatamente atendido. Semelhante fé ainda revelou-se na sofrida hemorroíssa, que padecia havia longos anos. Procurava ela, com humildade, um momento oportuno para aproximar-se do Messias, acreditando ficar curada se ao menos conseguisse tocar na orla de seu manto sagrado (cf. Lc 8, 43-48).

Tal era a fé que Cristo desejava infundir em seus Apóstolos, nesta passagem do Evangelho do 27 Domingo do Tempo Comum.
1) Cf. TAPARELLI, SJ, Luis. Ensayo teórico de Derecho Natural. 2.ed. Madrid: San José, 1884, tI, p.154-155.
2) ROYO MARIN, OP, Antonio. Lafe de la Iglesia. 4.ed. Madri& BAC, 1979, p.17.
3) Idem, p.16.
4) SANTO AGOSTINHO.Enarratjo in psalmum LXXV, n.8. In: Obras. Madrid: BAC, 1965, v.XX, p.992-993.
5) CORREA DE OLIVEIRA, Plinio. Palestra. São Paulo, 29 maio 1965.
6) Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-JI, q.129, a.6, ad 3.
7) RAMIREZ, OP, Santiago. La esencia de la esperanza cristiana. Madrid: Punta Europa, 1960, p.120-121.
8) SANTO AGOSTINHO. Sermo CXXV, nil. In: Obras. 2.ed. Madrid: BAC, 1965, v.X, p.531-532.
Continua no próximo post

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