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quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Evangelho XIX Domingo do Tempo Comum – Ano A – Mt 14, 22-33

Continuação dos comentários ao Evangelho – 19º Domingo do Tempo Comum – Ano A – Mt 14, 22-33
“É um fantasma”
26 “E os discípulos, quando O viram andar sobre o mar, turbaram-se dizendo: ‘É um fantasma’. E, com medo, começaram a gritar. Mas Jesus falou-lhes imediatamente, dizendo: ‘Tende confiança: sou Eu, não temais’”.
Tornemos a considerar a situação dos discípulos em meio ao mar, lutando arduamente contra a tempestade. “O quarto evangelista, homem de mar como todos eles, esclarece o caminho feito pela barca até a madrugada: ‘Tendo eles remado uns 25 ou 30 estádios’ (4,5 a 5,5 quilômetros de caminho, provavelmente não em linha reta, para livrar-se dos golpes do mar, que ali tinha 60 estádios de largura, ou seja, 11 quilômetros) ‘viram Jesus que se aproximava da barca, andando sobre as águas’ (Jo 6, 19)”.10
Eram comuns, entre os pescadores daquele tempo, certos mitos e superstições a propósito de fantasmas marítimos.11 Daí a reação que nos narra São Mateus, a partir do momento em que os discípulos divisaram um vulto humano entre as penumbras da noite. No início, ele apareceu caminhando paralelamente ao longo da barca; quando constataram que se aproximava, irromperam os gritos.
Jesus teve compaixão da debilidade deles e, imediatamente, lhes disse que tivessem confiança, declarando sua identidade. Quantas vezes não passam as mesmas impressões nas almas de pessoas que começam a converterse, a sair das trevas do pecado e da infidelidade, quiçá até de uma vida tíbia e mundana! A luz que ainda não se fez forte diante de seus olhos não lhes permite distinguir clarissimamente todos os objetos. Daí que se assustem com facilidade e imaginem fantasmas por todas as partes... Basta que essas almas se coloquem em estado de paz e confiança para ouvirem Jesus dizer-lhes: “Tende confiança: sou Eu, não temais!”.
Do pânico ao entusiasmo
“Respondendo Pedro, disse: ‘Senhor, se és Tu, manda-me ir até onde estás por sobre as águas’”.
A pitoresca cena a seguir é relatada somente por Mateus. Pedro, sempre cheio de ardor e quase nunca medindo as conseqüências de seus pedidos e ações, ao ouvir a voz de seu Mestre, passou do estado de pânico ao de entusiasmo e pediu a Nosso Senhor que o mandasse ir até Ele, andando sobre as águas. Conhecia bem o poder de Jesus Cristo e sabia que uma palavra dEle seria suficiente para operar o prodígio. Seu desejo era juntar-se ao Senhor, ainda que fosse a nado. Não visava um milagre. Desejava, isto sim, estar bem próximo ao Mestre, que tanto amava.
Ademais, bem possível era que não estivesse alheio ao seu espírito o desejo de constatar positivamente que se tratava do Mestre, e não de um fantasma.
São João Crisóstomo, com suas luzes especiais, assim comenta a Fé de São Pedro: “Vede como é grande sua Fé, como é grande seu fervor. Ele não disse: ‘roga, suplica’, mas sim ‘manda’. Isto porque creu que Cristo podia, não somente andar sobre as águas, mas também fazer outros andarem. E desejou vivamente ir até Ele, não para fazer ostentação desse prodígio, e sim pelo grande amor que tinha a Jesus, porque não disse ‘manda-me andar sobre as águas’, mas sim ‘manda-me ir até onde estás’”.12
Por sua vez, o Pe. Manuel de Tuya ressalta, nesse episódio, o impetuoso amor do Apóstolo: “Ao medo sucede a confiança; ao temor de um maligno fantasma, a confiança em seu Mestre. O que ele pede não é o espetacular prodígio de caminhar sobre as águas: pedeLhe com amor e como garantia ‘ir até onde estás’. Por que não esperar ir com todos na barca? Por que esse seu ímpeto? Pedro! És o Pedro de sempre: o do ímpeto, o do amor e o da fraqueza”.13
“Senhor, salva-me!”
“Ele disse: ‘Vem’. Descendo Pedro da barca, caminhava sobre as águas para ir a Jesus. Vendo, porém, que o vento era forte, temeu, e, começando a submergir-se, gritou, dizendo: ‘Senhor, salva-me!’”.
Ao ouvir a ordem de Jesus — “Vem” —, Pedro, cheio de alegria, salta da barca e começa a caminhar sobre as águas em busca do Mestre. Mas, uma é a tempestade estando dentro da barca e outra, mais violenta, estando fora dela, sem sua proteção. O discípulo deixa de olhar para o Mestre e presta atenção no furor das ondas. Aquela Fé primeira e espontânea diminui, cedendo lugar de novo ao medo, fortemente baseado, desta vez, no instinto de conservação. Debilitada a sua confiança, o mar perdeu a solidez debaixo dos seus pés. Essa é a nossa história: ao longo de nossa caminhada rumo ao Reino eterno, sempre acontece, mais cedo ou mais tarde, diminuir-nos o fervor ou, às vezes, até sua sensibilidade chegar à estaca zero. E, assim, somos provados em nossa Fé. Ai de nós, se nessas circunstâncias nos esquecermos de que tudo quanto temos de bom vem de Deus! Se à primeira tentação perdermos o entusiasmo e a confiança, acabaremos por sentir a lei da gravidade cobrando o peso de nossa própria miséria: infalivelmente pereceremos. A única solução para nós, nessa hora, será imitarmos São Pedro, gritando: “Senhor, salva-me!”.
São Pedro dava-se bem conta de quanto era inútil sua grande experiência de navegação, em meio àquela procela. De nada ou pouquíssimo lhe adiantaria usar de suas habilidades para nadar de volta ao barco. Novamente aparecem as características próprias de sua alma tão expressiva e manifestativa. Cheio de Fé, generoso, arrojado e até imprudente, facilmente passa do maior fervor ao temor mais declarado.
Nunca falta o auxílio de Deus, mas a nossa Fé
“Imediatamente Jesus, estendendo a mão, o tomou e lhe disse: ‘Homem de pouca fé, por que duvidaste?’”.
São João Crisóstomo, mais uma vez, se destaca de outros comentaristas ao focalizar esse versículo com as seguintes palavras: “O Senhor não mandou os ventos se acalmarem, mas segurou Pedro, pois era necessário que ele tivesse Fé; porque quando nos falta o que é propriamente nosso, nunca nos falta o que é de Deus. E para manifestar-lhe que não era o furor do vento, mas sim sua pouca fé que o fazia temer por sua vida, disse-lhe: ‘Homem de pouca fé, por que duvidaste?’”.14
Já Santo Agostinho tira desse acontecimento uma bela lição espiritual: “Cada qual tem sua tempestade na paixão que o domina. Amas a Deus? — andas sobre as águas e tens a teus pés o medo do mundo. Amas o mundo? — ele te submergirá. Quando, porém, teu coração estiver agitado pelo prazer, invoca a divindade de Cristo a fim de vencer as paixões”.15
O famoso Maldonado, nesta passagem, traz-nos à tona outros comentários feitos por grandes doutores: “É duvidoso o motivo pelo qual Cristo permitiu que seu Apóstolo afundasse ou duvidasse. Dizem Crisóstomo e Teofilacto que foi para ele não se ensoberbecer com tão grande milagre. E Jerônimo escreve estas palavras: ‘A fé ardia na alma, mas a fragilidade humana o arrastava para o fundo. Permite-se a Pedro um pouco de tentação para que sua fé aumente e ele entenda que é conservado, não pela facilidade do pedido, mas pelo poder do Senhor’”.16
Os discípulos adoram o Filho de Deus
“Depois que subiram para a barca, o vento cessou. Os que estavam na barca aproximaram-se d’Ele e O adoraram, dizendo: ‘Verdadeiramente, Tu és o Filho de Deus’”.
Jesus podia perfeitamente ter concluído a viagem sustentando São Pedro e, portanto, caminhando ambos sobre as águas; mas, com sua paternalidade insuperável, atendeu ao desejo dos que se encontravam na barca e resolveu subir na mesma.
Assim que o Divino Mestre, acompanhado por São Pedro, entrou na embarcação, o mar se aquietou completamente. E, segundo nos conta outro Evangelista, aportaram pouco tempo depois. Os grandes esforços empregados durante a noite toda não os tinham feito progredir senão até a metade do mar, mas bastou que Jesus subisse na barca para esta chegar à margem “sem demora” (Jo 6, 21).
O espírito dos discípulos era limitado, como o de seus compatriotas. Seus corações ainda estavam cegos, a ponto de não tirarem todas as conseqüências na linha do sobrenatural, com base na Fé, dos fatos que iamse dando ao longo da vida pública de Nosso Senhor, ou da própria multiplicação dos pães e dos peixes. Assim, eram apanhados de surpresa a cada novo milagre e ficavam estupefatos.
Aqui há, certamente, um paralelo com aqueles que se guiam mais pelos sentidos e pela imaginação do que pela Fé e pela razão. Só agora, depois de todas essas realizações saídas das mãos do Salvador, é que eles se prosternam e O adoram, louvando-O em sua Filiação Eterna e Divindade.
Maldonado chega a concluir a propósito deste episódio o seguinte: “Realizaram-se, pois, cinco milagres numa só oportunidade: Cristo, segundo minha opinião, foi pelos ares ao encontro dos Apóstolos; andou sobre o mar; fez Pedro andar também; dominou a tempestade e o vento; e a barca, tão logo nela entrou, chegou à terra”.17

Estes milagres todos, enumerados por Maldonado, mostram o quanto — ao invés da realeza terrestre, desprezada e evitada pelo Salvador a fim de preservar Sua verdadeira vocação messiânica — o Pai concede a Jesus uma soberania divina. Ele saberá aproveitá-los como meio para arrancar os seus discípulos de uma via inteiramente mundana de sedução do poder e, assim, torná-los testemunhas da autêntica glória do Reino.
Continua no próximo post

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