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quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Evangelho XIX Domingo do Tempo Comum - Ano B - Jo 6, 41-51

Conclusão dos comentários ao Evangelho do XIX Domingo do Tempo Comum - Ano B - Jo 6, 41-51

A voz do Pai nos atrai e conduz a Cristo
45Está escrito nos profetas: ‘Todos serão discípulos de Deus’. Ora, todo aquele que escutou o Pai, e por ele foi
Uma vez que não acreditavam nas Suas obras, Jesus invoca a autoridade dos profetas, para insinuar que estava se realizando uma das previsões indicativas da chegada da era messiânica.
Fillion assim comenta esta passagem: “O texto citado por Jesus, ‘serão todos ensinados por Deus’, é tomado do profeta Isaías (54, 13) que, num quadro admirável, expõe os benefícios que o Senhor derramará sobre Seu povo na época do Messias. Um de Seus favores mais valiosos consistirá, justamente, em que as almas de boa vontade serão instruídas e atraídas diretamente por Ele”.5
Gomá y Tomás afirma ser este “divino magistério a forma com que Deus atrairá os homens a Si”. Mas, para que a atração seja eficaz, é preciso ouvir Sua voz “como se ouve a voz do mestre, e aprender, ou seja, prestar humilde assentimento àquilo que se ouve: é a conjugação dos dois fatores da vida sobrenatural, a graça e a liberdade”.6
Como se fará ouvir essa voz inefável, se não podemos escutá-Lo e falar com Ele, como o fazia Moisés no Sinai e na Tenda da Reunião, onde Deus lhe falava como a um amigo? (cf. Ex 33, 11).
Santo Agostinho explica mais claramente como se realiza esse ensinamento de Deus: “Muito distante está dos sentidos corporais essa escola na qual o Pai é ouvido e ensina que se vá ao Filho. Porque esta operação, Ele não a realiza pelos ouvidos da carne, mas sim pelos do espírito”.7
Com efeito — explica a teologia mística —, assim como o corpo tem cinco sentidos através dos quais a pessoa entra em contato com o mundo exterior, pode-se atribuir à alma, figurativamente, sentidos por meio dos quais ela se comunica com o mundo sobrenatural.
É possível, então, ouvir a voz de Deus? Sim. Ele pode falar-nos de diversas formas. Sobretudo, quando nos recolhemos para rezar, para ouvir a Palavra, para elevar a alma até Ele. E Deus fala-nos com mais frequência quando fazemos silêncio à nossa volta, dificilmente Ele Se comunica conosco no meio do tumulto, da agitação do corre-corre. Será, por exemplo, durante uma visita ao Santíssimo Sacramento, durante uma celebração litúrgica, num momento de oração ao fim do dia, quando todo movimento cessa e o silêncio da noite convida à reflexão. E como, por vezes, o silêncio é eloquente! É nesses momentos preciosos que o Pai nos fala e nos ensina a ir ao encontro de Seu Filho.

O Santo Padre Bento XVI, em discurso a uma delegação de Bispos recém-nomeados, ressaltou a importância do silêncio para se poder ouvir a voz de Deus: “Nas cidades em que viveis e trabalhais, frequentemente agitadas e rumorosas, onde o homem corre e se perde, onde se vive como se Deus não existisse, sabei criar lugares e ocasiões de oração, onde no silêncio, na escuta de Deus, mediante a lectio divina, na oração pessoal e comunitária, o homem possa encontrar Deus e fazer a experiência viva de Jesus Cristo que revela o autêntico rosto do Pai”.8
46Não que alguém já tenha visto o Pai. Só aquele que vem de junto de Deus viu o Pai.
Os judeus sabiam que ninguém podia ver a Deus face a face, tal como Ele mesmo havia dito a Moisés, quando este Lhe pedira: “Mostra-me a Tua glória” (Ex 33, 18). Pois ver a Deus implicaria na morte: “Não poderás ver a Minha face porque ninguém Me pode ver e permanecer vivo” (Ex 33, 20). Mas Jesus, ao afirmar que tinha visto o Pai — “Esse viu o Pai” —, revelava Sua divindade. Com esta declaração, afirma Gomá y Tomás, “respondeu Jesus à murmuração dos judeus”.9
Fonte de vida para a alma e para o corpo
47Em verdade, em verdade vos digo, quem crê, possui a vida eterna.
A expressão “em verdade, em verdade vos digo” era considerada uma espécie de juramento entre os judeus. Algo análogo à fórmula “palavra de honra”, usada na língua portuguesa para conferir mais veracidade a um testemunho ou declaração. Quando Nosso Senhor queria chancelar com Sua autoridade determinada afirmação, fazia-a preceder dessa expressão. Maldonado transcreve as palavras de São Cirilo de Alexandria para interpretar esta passagem: “Sabia Cristo que os judeus eram homens rudes e que nem sequer acreditavam plenamente nos profetas; por isso intercala este juramento, para forçá-los a crer”.10
Continuando seu lúcido comentário, Maldonado analisa o tempo em que o verbo “ter” é aqui usado por Nosso Senhor: “Diz tem, em vez de terá, porque ainda que não a tenha atualmente [a vida eterna], já tem direito a ela. Porta e caminho para a vida eterna é a fé, diz Cirilo. Portanto, quem crê já passou a porta; se quiser, pode salvar-se; quem não crê, muito longe está da vida eterna; embora queira salvar-se, não poderá se primeiro não vier a fé”.11
48Eu sou o pão da vida. 49Os vossos pais comeram o maná no deserto e, no entanto, morreram. 50Eis aqui o pão que desce do céu: quem dele comer, nunca morrerá. 51Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo”.
A interpretação desta passagem originou grande controvérsia ao longo dos séculos. Os que comeram o maná no deserto morreram, como todos os homens, mas também morrem, fisicamente, os que comem o “Pão vivo”. Qual o sentido em que Jesus usa os conceitos de morte e vida?
Maldonado, depois de analisar extensamente as várias opiniões, opta por uma interpretação mais abarcativa. Segundo este eminente exegeta, Jesus usa os referidos conceitos com duplo sentido: “trata-se, ao mesmo tempo, da vida e da morte do corpo e da alma”.12 Da morte do corpo, quando se refere ao maná, pois os judeus o comeram e todos morreram, como o comum dos homens; e a vida da alma, quando menciona o “Pão vivo descido do Céu”, que dá a vida eterna à alma. Nessa duplicidade de sentido está a “força e a elegância da frase de Cristo”.13 O uso destas figuras de linguagem, por Jesus, era frequente, segundo Maldonado, e tinha a intenção de “elevar os judeus, que eram carnais, das coisas materiais às espirituais”.14
Mas o Pão de que fala Nosso Senhor, não dá vida só à alma. Também a dá ao corpo: “Eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6, 54).
“Quando [o Corpo de Cristo] dá a vida à alma, isto é, a graça, outorga ao corpo um penhor e como que início da bem-aventurança, a qual chamamos vida eterna. A bem-aventurança da alma transborda no corpo, como os méritos da alma repercutiram no corpo (Agostinho). [...] O Corpo de Cristo, que pela união hipostática com a Divindade tem em si vida infinita e divina, engendra-a também em nós com seu contato físico quando O recebemos realmente no Sacramento da Eucaristia. Põe em nossos corpos uma semente de imortalidade que depois floresce na ressurreição, bastante diferente da dos corpos dos condenados”.15
Afirmava Santo Irineu que, assim como o grão de trigo tem uma força germinativa pela qual, lançado à terra, se decompõe e se reproduz, assim também o Corpo de Cristo tem uma eficácia geradora que é comunicada a nossos corpos. E mesmo decompostos e reduzidos a pó, ressurgirão, nascendo de novo.16 É assim, conclui Maldonado, que o “Corpo de Cristo Sacramentado, que recebemos, torna imortal nosso corpo mortal”.17
Alimento que comunica a virtude vivificante
Recorramos ainda à ciência teológica e ao talento de Dom Guéranger para melhor explicitar os efeitos maravilhosos e sobrenaturais da Eucaristia, naqueles que a recebem em condições dignas. Como é próprio do alimento aumentar e manter a vida, explica ele, o Verbo de Deus “fez-Se alimento vivo e vivificante, descido dos Céus. Participando Ele mesmo da vida eterna, que Ele haure diretamente no seio do Pai, a carne do Verbo comunica esta vida a quem dela se alimenta. Aquilo que é corruptível por sua natureza, diz São Cirilo de Alexandria, não pode ser vivificado a não ser pela união corporal ao corpo dAquele que é vida por natureza. Do mesmo modo que dois pedaços de cera fundidos pelo fogo passam a ser um só, assim acontece conosco e com o Corpo de Cristo, devido à participação no Seu Corpo e Sangue preciosos. [...] Como um pouco de fermento, diz o Apóstolo, leveda toda a massa (I Cor 5, 6), assim este Corpo, penetrando no nosso, o transforma todo inteiro em Si. Nada pode penetrar assim nossa substância corporal a não ser pela comida e a bebida. É este o modo, próprio à sua natureza, pelo qual o nosso corpo adquire a virtude vivificante”.18
A mulher Eucarística
Embora o Evangelho não mencione Maria, Mãe de Jesus, sabemos pela teologia e pelo Magistério da Igreja que Ela foi a primeira criatura humana a beneficiar-Se desta promessa de Nosso Senhor: “Eu o ressuscitarei”. Pois Maria Santíssima foi assunta ao Céu em corpo e alma.
Maria desejou ardentemente a Eucaristia
Em relação à Eucaristia, Ela não só nunca duvidou — como o fizeram tantos dos Seus coetâneos —, mas desejou ardentemente que chegasse o dia no qual Nosso Senhor cumpriria a promessa de dar Sua Carne em alimento e Seu Sangue como bebida. Em consequência, podemos conjecturar quanto Ela deve ter exultado de alegria ao ouvir o discurso de Jesus na Sinagoga de Cafarnaum, e recordado o inefável convívio místico que tivera com o Verbo Encarnado, durante os nove meses em que Ele permanecera no claustro materno.
De outro lado, afirma Jourdain: “Pode-se dizer, sem receio de enganar-se, que foi principalmente para Sua Santíssima e Beatíssima Mãe que Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu o Sacramento da Eucaristia. Sem dúvida, Ele o instituiu para toda a Igreja, mas, depois de Jesus, Maria é a parte principal da Igreja”.19 E assim como Ela deu Seu consentimento para que Seu Filho Se oferecesse como vítima ao Pai, pela redenção do gênero humano, da mesma forma “deu Seu assentimento ao ato pelo qual Seu Divino Filho [...] Se entregou a nós como vítima, como alimento e como companheiro de exílio nesta vida”, 20 no Sacramento da Eucaristia.
A Igreja é chamada a imitá-La
“Maria é mulher ‘eucarística’ na totalidade da sua vida” — afirma o servo de Deus João Paulo II na Encíclica Ecclesia de Eucharistia. Por isso, “a Igreja, vendo em Maria o seu modelo, é chamada a imitá-La também na sua relação com este mistério santíssimo”.21
Acrescenta pouco adiante o Pontífice: “De certo modo, Maria praticou a Sua fé eucarística ainda antes de ser instituída a Eucaristia, quando ofereceu o Seu ventre virginal para a encarnação do Verbo de Deus. [...] E o olhar extasiado de Maria, quando contemplava o rosto de Cristo recém-nascido e O estreitava nos Seus braços, não é porventura o modelo inatingível de amor que deve inspirar todas as nossas comunhões eucarísticas?”.22
Explica ainda que Maria viveu a “dimensão sacrificial da Eucaristia”, não apenas no Calvário, mas ao longo de toda a Sua existência ao lado de Cristo. “Preparando-Se dia a dia para o Calvário, Maria vive uma espécie de ‘Eucaristia antecipada’, dir-se-ia uma ‘comunhão espiritual’ de desejo e oferta, que terá o seu cumprimento na união com o Filho durante a Paixão e manifestar-se-á depois, no período pós-pascal, na Sua participação na Celebração Eucarística, presidida pelos Apóstolos, como ‘memorial’ da Paixão”.23
Por isso, viver o memorial da morte de Cristo na Eucaristia implica em receber constantemente Maria como Mãe. “Significa ao mesmo tempo assumir o compromisso de nos conformarmos com Cristo, entrando na escola da Mãe e aceitando a Sua companhia. Maria está presente — com a Igreja e como Mãe da Igreja — em cada uma das Celebrações Eucarísticas. Se Igreja e Eucaristia são um binômio indivisível, o mesmo é preciso afirmar do binômio Maria e Eucaristia”.24
Que estas belas e profundas considerações tão eucarísticas e mariais nos ajudem a melhor nos compenetrarmos da sublimidade deste imenso dom de Deus à humanidade e do papel de Maria na devoção eucarística dos fiéis, sejam eles leigos ou sacerdotes.
1Cf. AQUINO, São Tomás de. Super Evangelium S. Ioannis lectura. c. 6, l. 5.
2TUYA, OP, Pe. Manuel de. Biblia Comentada – II Evangelios. Madrid: BAC, 1964, p. 1107.
3AGOSTINHO, Santo. Sermo 131, n. 2.
4JOÃO CRISÓSTOMO, São. Homilia 46 in Homilías sobre el Evangelio de San Juan. Madrid: Ciudad Nueva, 2001, V. 2. p. 175.
5FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo – II Vida pública. Madrid: Rialp, 2000, p. 245.
6GOMÁ Y TOMÁS, Card. Isidro. El Evangelio explicado. Barcelona: Rafael Casulleras, 1930, V. 2. p. 384.
7Apud AQUINO, São Tomás de. Catena Aurea.
8BENTO XVI. Discurso aos participantes na reunião dos Bispos nomeados no último ano, 22/9/2007.
9GOMÁ Y TOMÁS, Op. cit., p. 385.
10MALDONADO, SJ, Pe. Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios – III Evangelio de San Juan. Madrid: BAC, 1954, p. 398
11Idem, p. 398.
12Idem, p. 405.
13Idem, p. 405.
14Idem, p. 406.
15Idem, p. 407.
16Cf. idem, p. 408.
17Idem, p. 408.
18GUÉRANGER, OSB, Dom Prosper. L’Année Liturgique – Le temps après la Pentecôte. Tome I. Tours: Maison Alfred Mame et fils, 1921, p. 307-308.
19JOURDAIN, Abbé Z.C. Somme des grandeurs de Marie – Marie dans la Sainte Église. Paris: Hippolyte Walzer, 1900, p. 561.
20Idem, p. 562.
21JOÃO PAULO II. Ecclesia de Eucharistia, n. 53.
22Idem, n. 55.
23Idem, n. 56.

24Idem, n. 57.

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