Comentários ao Evangelho – XXVI Domingo do Tempo Comum – Ano B
Naquele tempo, 38João disse a Jesus: “Mestre, vimos um homem expulsar
demônios em teu nome. Mas nós o proibimos, porque ele não nos segue”. 39Jesus
disse: “Não o proibais, pois ninguém faz milagres em meu nome para depois falar
mal de mim. 40Quem não é contra nós é a nosso favor. 41Em verdade eu vos digo:
quem vos der a beber um copo de água, porque sois de Cristo, não ficará sem
receber a sua recompensa.
42E, se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem, melhor seria
que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço. 43Se tua
mão te leva a pecar, corta-a! É melhor entrar na Vida sem uma das mãos, do que,
tendo as duas, ir para o inferno, para o fogo que nunca se apaga. 45Se teu pé
te leva a pecar, corta-o! É melhor entrar na Vida sem um dos pés, do que, tendo
os dois, ser jogado no inferno. 47Se teu olho te leva a pecar, arranca-o! É
melhor entrar no Reino de Deus com um olho só, do que, tendo os dois, ser
jogado no inferno, 48‘onde o verme deles não morre, e o fogo não se apaga’”. Mc 9,38-43.45.47-48
Ai de quem escandalizar!
O Divino Mestre nos mostra como não se pode fazer a mínima
concessão ao mal, pois para conquistar o Céu é preciso ser íntegro na prática
do bem.
Mons.
João Scognamiglio Clá Dias, EP
I – O homem, imagem do Supremo rei e celeste pintor
O magnífico Museu do Prado, em
Madri, recebe diariamente milhares de visitantes que percorrem suas extensas
galerias, desejosos de admirar o incomparável acervo de obras-primas dos
maiores artistas da História.
Há muitos anos, um homem que lá
entrara despercebido em meio à multidão foi retirado pouco depois, algemado,
por policiais. Seja por desequilíbrio mental, seja por maldade, em certo
momento de descuido dos funcionários do museu, ele jogou um líquido negro sobre
o famoso retrato equestre do Imperador Carlos V, pintado por Ticiano. O crime
chocou a opinião pública. Por um gesto estúpido, ficara seriamente danificado o
célebre quadro.
Ora, se grave é estragar uma
obra artística desse quilate, quem leva outros a pecar faz muito pior: estraga
não uma valiosa pintura, mas uma alma, espiritual e imortal, da qual é expulsa
a luz da graça. E a imagem assim conspurcada não representa um monarca desta
Terra, mas o Supremo Rei e Celeste Pintor, autor de todos os predicados
destruídos pelo pecado.
Sobre as sérias consequências
de cada ato humano nos advertirá o Divino Redentor neste Evangelho do 26º
Domingo do Tempo Comum.
II – A preocupação pelos bens sobrenaturais
O trecho do Evangelho
considerado nesta Liturgia é antecedido por uma admoestação de Nosso Senhor aos
Apóstolos, sobre o orgulho. Sabendo o Mestre, por seu conhecimento divino, que
em caminho para Cafarnaum estiveram discutindo sobre qual deles era o maior,
ensinou-lhes a, pelo contrário, cada um se considerar inferior aos outros: “Se
alguém quer ser o primeiro, deverá ser o último, e ser aquele que serve a
todos” (Mc 9, 35). Para isso, é indispensável ter sempre presente o quadro das
próprias misérias e evitar as comparações com os demais.
Logo a seguir São Marcos narra
o episódio recolhido na liturgia deste domingo, no qual o Apóstolo João
demonstra não ter compreendido muito bem esse ensinamento de Nosso Senhor, pois
manifestará, como veremos, ciúmes dos dons sobrenaturais percebidos em outros.
Para retificar essa
visualização equivocada, Nosso Senhor dará três lições. Primeira, sobre o
despropósito dos mencionados ciúmes; segunda, a respeito da gravidade de
escandalizar os pequenos; e, por último, sobre o escândalo em relação à própria
consciência.
Ciúmes sobrenaturais...
“Naquele tempo, 38 João disse a Jesus: ‘Mestre, vimos um homem expulsar
demônios em teu nome. Mas nós o proibimos, porque ele não nos segue’”.
São João e São Tiago eram
chamados “filhos do trovão” (Mc 3, 17), “devido à firmeza e grandeza de sua
Fé”,1 segundo indica São Jerônimo, e também pelo seu temperamento colérico.
Lembremos como, em certo momento, eles quiseram fazer descer fogo do céu sobre
uma cidade da Samaria... (cf. Lc 9, 52-54). Mais tarde, ambos mudaram tanto,
pela ação do Espírito Santo, que o próprio São João, em sua primeira epístola,
se dirige a seus discípulos com o apelativo de “filhinhos”. Eis um exemplo do
incalculável poder de transformação da graça.
Neste episódio, porém, ele
ainda considerava o círculo íntimo do Mestre detentor do monopólio da virtude,
do ministério e da capacidade de fazer o bem, com exclusão de todo o resto. É
uma ideia de grupo fechado, muito comum na mentalidade farisaica. Daí os ciúmes
ao ver alguém que “não nos segue”, operar fenômenos sobrenaturais em nome de
Jesus.
Os Apóstolos eram ainda muito
tendentes a analisar todas as coisas, mesmo as sobrenaturais, fora de uma
perspectiva eterna. Quando assim se procede, logo se manifesta a miséria humana
através de ciúmes, invejas e dificuldade em aceitar os ensinamentos do
superior.
O poder da mediação
39 “Jesus disse: ‘Não o proibais, pois ninguém faz milagres em meu nome
para depois falar mal de Mim. 40 Quem não é contra nós é a nosso favor’”.
Contrariamente à inadequada
visualização dos Apóstolos, ensina Nosso Senhor estar aberta a todo aquele que
o queira a possibilidade de fazer o bem, sem ser isto privilégio de ninguém:
“quem não é contra nós é a nosso favor”.
A mesma atitude, aliás, tomara
Moisés quando o avisaram de que dois homens no acampamento estavam profetizando
e Josué pediu para lhes dar ordem de se calarem, como registra a primeira
leitura deste domingo: “Tens ciúmes por mim? Quem me dera que todo o povo do
Senhor fosse profeta e que o Senhor lhe concedesse o seu espírito” (Nm 11, 29),
foi a inspirada resposta do profeta, antecedendo-se ao ensinamento do Divino
Mestre.
De qualquer maneira, era
indispensável o recurso ao nome de Jesus para o tal homem fazer exorcismos.
Para deixar este princípio de intercessão bem claro, Nosso Senhor vai explicar
que quem deseja agir de forma eficaz e ser bem sucedido, precisa da mediação
daquele mais próximo de Deus, por meio do qual recebeu sua missão. Assim, as obras
realizadas em função desse mediador, cujo nome se invoca manifestando reconhecimento,
são abençoadas pela Providência com frutos abundantes.
No caso apresentado por João,
nota-se que aquele homem, embora não tivesse a vocação de ser Apóstolo, fora
chamado a propagar o nome de Jesus. Comenta, a este propósito, Maldonado:
“Cristo quer que sua doutrina seja confirmada por milagres, não só dos
Apóstolos, mas também de quaisquer outros discípulos”.2
E, assim como São Paulo se
alegrará pelo fato de alguns, mesmo por inveja e rivalidade com ele, começarem
também a falar de Nosso Senhor (cf. Fl 1, 17-18), neste caso concreto, o Divino
Mestre sabia perfeitamente que obrava de boa-fé o homem denunciado por São
João. “Bastava-lhe seguir a doutrina evangélica, mesmo sem fazer parte de seu
grupo; por isso não devia ser considerado um adversário”.3 E Santo Agostinho
afirma: “Cristo permitiu-lhe continuar, pois ele assim divulgava o seu nome, e
isso era útil para muitos”.4 No fundo, fora o próprio Jesus quem, com sua graça,
o havia estimulado a agir assim.
Ora, Nosso Senhor afirma
implicitamente, em sentido contrário, que quando alguém faz uso de um poder
recebido do alto sem estar unido com a fonte desse poder, suas obras serão
infrutíferas. Pior ainda, elas acarretarão toda espécie de desastres e, ao
invés de expulsar os demônios, os atrairão.
Querer fazer milagres sem usar
o nome de Jesus equivale, portanto, a falar mal d’Ele. Era um modo de Jesus
ensinar aos seus discípulos que a apropriação dos dons sobrenaturais leva à
retração das graças divinas e à negação do Autor desses dons, e mostrar-lhes o
quanto a Providência é ciosa das mediações por Ela estabelecidas.
Nosso Senhor recompensa quem auxilia seus discípulos
41 “Em verdade Eu vos digo: quem vos der a beber um copo de água, porque
sois de Cristo, não ficará sem receber a sua recompensa”.
São Mateus situa esta promessa
em outro momento: ao enviar os Apóstolos a pregar pela primeira vez, Jesus
promete recompensar quem os acolher bem (cf. Mt 10, 42)
De todos os modos, estas
palavras do Divino Redentor podem ser entendidas também no seguinte sentido: ao
vermos alguém agindo sob a ação de uma graça ou praticando um ato virtuoso, se
nos encantamos e procuramos estimulá-lo, esta atitude não ficará sem prêmio. Em
sentido inverso, provocamos o desagrado de Deus quando deixamos de assim
proceder.
E a intervenção de São João,
sim, fora extemporânea, desviando do tema tratado. Consideremos, pois, que
Jesus acabara de dizer: “Em verdade vos digo, se não vos converterdes e não vos
tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 18, 3).
Acrescentando: “Quem acolhe em meu nome uma destas crianças, a Mim acolhe. E
quem Me acolhe, acolhe, não a Mim, mas Àquele que Me enviou” (Mc 9, 37).
III – O escândalo dos inocentes e da própria consciência
Na perícope selecionada para o
Evangelho deste domingo, as seguintes palavras de Nosso Senhor parecem mudar de
forma abrupta o tema. Porém, se relermos os versículos anteriores,
constataremos que Jesus apenas retoma o assunto antes discutido, ou seja, a
necessidade de se ter a humildade e a simplicidade da criança. E a intervenção
de São João, sim, fora extemporânea, desviando deste tema.
Consideremos, pois, que Jesus
acabara de dizer: “Em verdade vos digo, se não vos converterdes e não vos
tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 18, 3).
Acrescentando: “Quem acolhe em meu nome uma destas crianças, a Mim acolhe. E
quem Me acolhe, acolhe, não a Mim, mas Àquele que Me enviou” (Mc 9, 37).
42 “E, se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem, melhor
seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço”.
Tendo tratado da recompensa à
boa acolhida dada a um pequenino, analisa agora o oposto: o castigo para quem
desedificar ou prejudicar um inocente.
Ao falar em pequeninos, Nosso
Senhor não está Se referindo apenas às crianças, mas a todos quantos não têm
forças suficientes para se manterem por si mesmos na prática da virtude,
precisando para isso do apoio de outros, sobretudo no tocante ao seu instinto
de sociabilidade.
Especialmente merecedor desse
auxílio é quem conserva a sua inocência batismal. Este tem a alma
constantemente aberta ao sobrenatural, pois, como explica São João Crisóstomo:
“O menino está limpo de inveja, de vanglória e da ambição de ocupar os
primeiros postos. Ele possui a maior das virtudes: simplicidade, sinceridade,
humildade. [...] O menino está isento de orgulho, de ambição da glória, de
inveja, de obstinação e de todas as paixões semelhantes”.5
Muito Se compraz Deus com essa
retidão de alma própria ao inocente. Por isso quem induz ao pecado “um destes
pequeninos” causa-Lhe um tal repúdio que se torna réu desta terrível
condenação: era preferível ser lançado ao mar! Nosso Senhor utiliza esta severa
imagem por ser inteiramente familiar aos seus ouvintes, conforme comenta São Jerônimo:
“Fala segundo o costume da região, porque esta foi entre os antigos judeus a
pena para os maiores crimes: lançar na água o criminoso com uma pedra atada ao
pescoço”.6
Nos lábios de um outro, esta
afirmação poderia parecer exagerada, mas quem a faz é o Filho de Deus! E São
João Crisóstomo assinala um detalhe: para quem escandalizar uma criança, disse
Cristo, “melhor seria” ser atirado ao mar com uma pedra amarrada ao pescoço; ou
seja, “dá a entender com isto que o espera um castigo mais grave do que este”.7
Pela indignação de Nosso Senhor
diante do escândalo, bem se pode medir o estreito vínculo d’Ele com os
inocentes!
Gravidade do pecado de escândalo
O escândalo, segundo São Tomás,
consiste em pronunciar palavras ou realizar ações próprias a expor alguém à
ruína espiritual, na medida em que elas o arrastam ao pecado.8 Significa dar
más sugestões, conselhos ou exemplos que chocam aquele a quem deveríamos, pelo
contrário, edificar, fazendo com que suas forças espirituais depereçam.
Trata-se de um pecado
gravíssimo e cheio de malícia, que prejudica tanto quem o recebe quanto quem o
comete. Ao primeiro, porque a falta cometida em decorrência do escândalo furta-lhe
a vida da graça de Deus na alma. Ao segundo, por fazer o mesmo papel do demônio
— perder almas —, acrescido do gosto em arruinar a inocência alheia. Nesse
sentido pode-se afirmar tratar-se de um pecado satânico.
Com a agravante, ainda, de ser
muito difícil reparar um escândalo: pois, uma vez cometido, não basta a
Confissão, mas é necessária a reparação. É fácil tomar um copo d’água e jogá-lo
ao chão; mas, será o mesmo recolher o líquido depois? E, a partir de um
escândalo moral, os pecados podem se multiplicar, avolumar-se como uma bola de
neve, perpetuando-se em sucessivas faltas decorrentes umas das outras. Como
reparar todas elas? Portanto, ai dos escandalosos...!
O mundo hoje está pervadido,
encharcado e transbordante de escândalo por todos os cantos. São escândalos nas
modas, nas conversas, nos modos de ser; são escândalos na televisão, na
internet, nos cinemas; são escândalos nos jornais, nas revistas, no
relacionamento social. Onde não há escândalo e a inocência não vai sendo
tragada pela voragem da impureza e da desonestidade? Qual será, pois, a reação
de Nosso Senhor a essa avalanche de pecados de dimensões inauditas?
Prejuízo da própria consciência
43 “Se tua mão te leva a pecar, corta-a! É melhor entrar na Vida sem uma
das mãos, do que, tendo as duas, ir para o inferno, para o fogo que nunca se
apaga. 45 Se teu pé te leva a pecar, corta-o! É melhor entrar na Vida sem um
dos pés, do que, tendo os dois, ser jogado no inferno. 47a Se teu olho te leva
a pecar, arranca-o!”.
A grandes males, radicais
medidas!
Se Nosso Senhor condenou o
escândalo dado ao próximo, nestes versículos fustigará também o prejuízo da
própria consciência quando não evitamos o pecado. Se grave é atentar contra a
obra de Deus na alma de outrem, não será menos condenável fazer o mesmo com a
própria alma, pois a caridade começa consigo.
As recomendações de Nosso
Senhor — cortar a mão, cortar o pé, arrancar o olho — devem ser entendidas
literalmente? Responde São João Crisóstomo, Doutor da Igreja: “Em tudo isto,
não se refere o Senhor, nem de longe, aos membros do corpo”.9
É preciso amar acima de tudo a
Deus e ter, em consequência, verdadeiro ódio ao pecado. Isso supõe romper
radicalmente com tudo quanto a ele conduz. No Horto das Oliveiras, Jesus
aconselhou: “Vigiai e orai para não cairdes em tentação” (Mt 26, 41). Não basta
apenas rezar; é necessário também vigiar, ou seja, afastar-se das
circunstâncias nas quais se costuma pecar.
Como podemos obter forças para vencer o vício?
Se a pessoa cedeu várias vezes
em alguma tentação e debilitou-se nesse ponto, a única solução é se afastar
para sempre dessa ocasião de modo categórico. Para vencer, por exemplo, o vício
da embriaguez, torna-se indispensável abster-se de todo resquício de álcool,
pois, por qualquer deslize, se pode recair.
Da mesma forma, devemos cortar
irremissivelmente tudo quanto constitui para nós ocasião próxima de pecado,
como faríamos se um membro doente comprometesse seriamente a saúde de todo o
organismo. Poderá ser uma má amizade, pois “nada há de mais pernicioso que uma
má companhia. Aquilo que não se consegue pela violência, obtém-se muitas vezes
por meio da amizade, tanto para o bem quanto para o mal”.10 Mas poderá ser
também um mau livro, um vídeo inconveniente ou, tantas vezes, o acesso à
internet que leva a pecar.
Ora, ao mesmo tempo que
aconselha a fuga das ocasiões próximas, tendo presente a fraqueza humana, Nosso
Senhor adverte, apontando a consequência do pecado: a condenação eterna no
inferno, “onde o verme deles não morre e o fogo nunca se apaga”. Essa
radicalidade na virtude pressupõe termos os olhos postos na eternidade e sempre
presente a máxima da Escritura: “Em todas as tuas obras, medita nos teus
novíssimos e não pecarás eternamente” (Ecl 7, 40).
O local onde o “fogo não se apaga”
“É melhor entrar no Reino de Deus com um olho só, do que, tendo os dois,
ser jogado no inferno, 48 onde o verme deles não morre, e o fogo não se apaga”.
Hoje, muitos ousam negar a
existência do inferno. Seria tão cômodo para a consciência se tal fosse
verdade... Porém, os Evangelhos transcrevem quinze referências de Nosso Senhor
ao inferno. Ele existe sem dúvida e, a respeito de seus tormentos, o Divino
Redentor nos fornece aqui uma noção fundamental: a existência de um verme
roedor que não morre.
Como acontece com o fogo,
numerosas são as interpretações dos autores sobre o significado deste “verme”,
abrangendo tanto o sentido literal quanto o simbólico. Ora, esses diversos
comentários não se excluem, pois a terrível realidade do inferno por certo
supera toda imaginação!
Interessa, contudo, salientar
aqui a identificação do “verme” com o remorso da consciência que jamais
abandona o condenado. Pois um dos piores tormentos para ele é saber que violou
os Mandamentos de Deus e o castigo é irremediável; que perdeu o prêmio eterno
por tão pouco: uma ilusão fugaz, um prazer momentâneo... Em contraposição, o
justo gozará da perfeita felicidade, da superior alegria proporcionada pela paz
de consciência.
A fim de não cairmos nessa
região de tormentos, lembremo-nos do versículo do Salmo Responsorial que
suplica: “Preservai o vosso servo do orgulho: que não domine sobre mim!”. No
inferno, não nos iludamos, são mais numerosos os condenados por causa do
orgulho do que por outros pecados. Não há praticamente pecado algum que não
tenha raiz neste defeito. O orgulho é a fonte de todo pecado!
IV – A obrigação do bom exemplo
A conclusão do Evangelho de
hoje nos leva a compreender que, assim como não podemos causar escândalo —
sobretudo aos pequenos —, em sentido contrário, temos a obrigação de edificar o
próximo. E como reparação pelos inúmeros escândalos que observamos, devemos
viver dando bom exemplo a todos, praticando o esforço de fazer tudo aquilo que
possa nos tornar modelos de santidade para os que conosco convivem. Porque são
os exemplos que arrastam e motivam a trilhar o mesmo caminho. Não é por outro
motivo que a Igreja nos apresenta a vida dos santos como modelo para seguirmos.
A cada momento, todo homem está
influenciando o seu próximo ou recebendo a influência dele. Está sendo para ele
ora pastor, ora ovelha; ora mestre, ora discípulo; continuamente dando e
recebendo algo. É o princípio da Comunhão dos Santos, por onde cada ato nosso
repercute no Corpo Místico da Igreja. Nesse sentido, nada em nossa vida é
neutro: tudo pesa para bem ou para mal!
O que me impede de praticar a virtude?
Diante de uma liturgia que nos
exorta a rejeitar tudo quanto pode nos afastar de Deus e nos estimula a
edificar o próximo, não é descabido propor um pequeno exame de consciência.
O que me impede de praticar com
integridade a virtude? Que apegos materiais me impelem a tomar em consideração
muito mais as coisas humanas do que as divinas? O que me leva a fechar-me sobre
mim e, portanto, a não passar na prova desta vida, cujo desfecho será o prêmio
ou o castigo eterno? Há algo que me arrasta ao pecado com frequência ou revela
em mim defeitos de alma como caprichos, comparações, invejas, impureza ou o
apego ao dinheiro? O que devo cortar para salvar-me?
E, depois de nos analisarmos,
precisamos pedir a graça de ter a coragem de agir com presteza, porque sem o
auxílio de Deus não é possível praticar os Mandamentos de forma estável, menos
ainda com perfeição.
Em Nossa Senhora encontraremos a força para mudarmos
Na Liturgia hoje comentada, não
é mencionada Nossa Senhora. Entretanto, é a Ela que devemos dirigir o nosso
olhar, porque, como afirma São Bernardo no Memorare,
Ela jamais abandona quem recorre à sua maternal proteção.
Portanto, cientes da nossa
miséria, voltemo-nos para Maria Santíssima, pedindo: “Ó Mãe, tende misericórdia
de nós! Obtende-nos a graça de ter no coração a alegria de praticar a Lei de
Deus na sua integridade”.
E como Deus deseja a nossa
plena santificação, estejamos certos de sermos atendidos com superabundância!
1 SÃO JERÔNIMO. Commentarii
in Mathæum I,10. In: Obras Completas. Madrid: BAC, 2002, v.II, p.107.
2 MALDONADO, SJ, Juan de.
Comentarios a los Cuatro Evangelios. Madrid: BAC, 1951, t.II, p.156-157.
3 Idem, p.155.
4 SANTO AGOSTINHO. Carta
a Dárdano, 187,12,36. In: Obras de San
Agustín. 2.ed. Madrid: BAC, 1972, t.XIa, p.559.
5 SÃO
JOÃO CRISÓSTOMO. Homilía sobre San Mateo, 58, 2. In: Obras de San Juan
Crisóstomo. Madrid: BAC, 1956, p.222-223.
6 SÃO JERÔNIMO, op. cit.,
p.243, 245.
7 SÃO JOÃO CRISÓSTOMO,
op. cit., 58, 3, p.225.
8 Cf. SÃO TOMÁS DE
AQUINO. Suma Teológica. II-II, q.43, a.1. 9 SÃO JOÃO CRISÓSTOMO, op. cit., 59,
4, p.244.
10 Idem, p.244-245.
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